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ELEIÇÕES 2006/CONGRESSO
71% dos eleitores admitem que não lembram em quem votaram para deputado federal quatro anos antes, e 3% citam nomes errados
Sete em dez eleitores não lembram voto
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Por que os maus deputados são
reeleitos por seus eleitores? Porque esses eleitores nem se lembram em quem votaram. Como
explica o cientista político Alberto
Carlos Almeida, quem não se
lembra em quem votou não pode
fiscalizar seu representante.
Em seu ensaio "Amnésia eleitoral: em quem você votou para deputado em 2002? E em 1998?", publicado no livro "Reforma Política: Lições da História Recente"
(FGV), Almeida revela que 71%
dos eleitores esqueceram em
quem votaram para deputado federal quatro anos antes e outros
3% citam nomes inexistentes. Essa amnésia começa cedo: dois meses após a eleição, 28% já não se
recordam de seu candidato a deputado federal, e 30%, em quem
votaram para deputado estadual
(os dados constam do Estudo
Eleitoral Brasileiro conduzido pela UFF e pelo Cesop/Unicamp).
Professor da Universidade Federal Fluminense e diretor da Ipsos Public Affairs, Almeida mostra que o esquecimento não se
distribui de forma aleatória: ele
diminui à medida que aumenta a
escolaridade do eleitor. Mas, mesmo entre as pessoas com nível superior, 53% não se lembram do
voto para deputado federal dado
quatro anos antes. Outros fatores,
portanto, pesam nesse resultado.
Para Almeida, o principal deles
é o sistema eleitoral brasileiro, no
qual o eleitor é induzido a votar
em indivíduos, e não em partidos,
sendo obrigado a escolher um nome entre centenas de candidatos.
Nisso reside o drama do eleitor
brasileiro, que, embora menos escolarizado do que o britânico, é
mais exigido na hora de votar: na
Grã-Bretanha, com um voto forma-se todo o governo; no Brasil
de 2006, serão necessários cinco
votos. Não é de estranhar que as
taxas de amnésia eleitoral sejam
mais altas no Brasil. Para atenuar
esse problema, Almeida sugere
mudanças no sistema eleitoral:
Folha - O sr. observa que o sistema brasileiro propicia uma elevada
amnésia eleitoral, pois obriga um
eleitor em geral pouco escolarizado a escolher um deputado entre
centenas de candidatos. Quais seriam as mudanças legais mais eficazes para reduzir o esquecimento
e, com isso, permitir que os eleitores fiscalizassem melhor o desempenho dos deputados?
Alberto Carlos Almeida - Duas
mudanças. Ou uma, ou outra, ou
as duas. Uma mudança: alterar o
sistema eleitoral para proporcional com voto em lista. Isto significa que o eleitor votaria no partido.
É muito mais fácil lembrar o partido do que o nome de um candidato. São centenas de candidatos,
mas apenas uns poucos partidos
grandes. Uma parte grande do
eleitorado tende a repetir o voto.
Votar sempre no PT, PMDB,
PSDB ou no PFL. Assim, depois
de duas ou três eleições repetindo
o voto, é mais fácil lembrar em
quem votou do quando se vota no
nome de uma pessoa.
A outra mudança: adotar o sistema eleitoral distrital. O voto é na
pessoa, mas são poucos candidatos por distrito. Mais importante
do que isto: o candidato eleito
mantém um contato permanente
com o distrito. O que faz com que
seus eleitores lembrem dele. Em
geral, o candidato derrotado ou o
oposicionista do distrito também
precisa ter um contato freqüente,
o que ajuda a lembrar o seu nome.
As duas mudanças ao mesmo
tempo: adotar o sistema misto do
tipo alemão. Há distritos e voto
distrital e o voto proporcional não
é na pessoa, mas no partido.
Folha - Alguns Estados brasileiros
(Rio Grande do Sul, Goiás, Santa
Catarina) possuíam, na República
Velha, um mecanismo legal (o recall) que permitia que uma parcela
do eleitorado solicitasse a cassação
de um deputado. Esse mecanismo,
porém, acabou não sendo utilizado
devido à ausência do voto distrital.
O sr. não acha que a representação
proporcional, em si, já dificulta
bastante qualquer forma de fiscalização do Legislativo pelo eleitor?
Almeida - A fiscalização é maior
no sistema proporcional quando
o voto é no partido. O partido é
que é recompensado, no caso de
bom desempenho, ou punido, no
caso de frustração de quem votou
nele. Além disso, o sistema atual
educa o eleitor a ser personalista,
porque pede que o eleitor vote na
pessoa. Caso o sistema seja alterado o eleitor será lentamente reeducado, nesse caso, a votar pensando em instituições: os partidos
políticos. No longo prazo, a pessoa do candidato perde valor e os
partidos serão mais valorizados.
Folha - Comparando seus dados
sobre a eleição de 1998, é possível
notar que a taxa de esquecimento
do senador é três vezes a do presidente, uma diferença que não pode
ser explicada pelo número de opções, pois o leque de candidatos ao
Senado também é pequeno. Essa
variação não estaria ligada às diferenças de poder entre os ocupantes
do Executivo e do Legislativo, pois
os primeiros influem mais decisivamente na vida cotidiana do eleitor
e possuem um grau de exposição
na mídia muito maior?
Almeida - Sem dúvida nenhuma.
Isso retrata a enorme importância
que o eleitorado confere aos governadores, um cargo executivo,
vis-à-vis a pouca importância
conferida aos senadores. Aqueles
que ocupam cargos executivos
são vistos como as pessoas que
realmente podem fazer alguma
coisa pela população. São eles que
executam. Em geral, um deputado de sucesso precisa fazer a mesma coisa, precisa se comportar
como fosse prefeito, "executando" obras ao obter no orçamento
recursos financeiros para a construção de pontes, pavimentação
de ruas etc.
Folha - Se a amnésia do eleitor
aumenta à medida que diminui o
poder real do político escolhido, o
sr. não acha que, num sistema presidencialista com representação
proporcional, a taxa de esquecimento do nome dos deputados
sempre será elevada -como sugere a tabela que mostra que 53% dos
eleitores com nível superior não
lembravam o nome do deputado
votado, enquanto outros 3% citavam nomes inexistentes?
Almeida - O eleitorado de outros
países que adotam a votação proporcional, mas que o voto é em
lista partidária e não nos candidatos, esquece muito menos em
quem votou. Note-se que no Brasil e na Polônia o esquecimento é
maior. Isso acontece por causa
das instituições, e não porque as
populações desses países têm alguma deficiência mental que afete
a memória. Entre distribuir ginkobiloba maciçamente para a população ou mudar o sistema eleitoral, a medida mais eficaz para
ajudar o eleitor a lembrar em
quem votou é modificar as regras
eleitorais. O nosso sistema não é
feito com a preocupação de facilitar a vida do eleitor. Pelo contrário, ele facilita a vida do político
pouco atuante. Para ele, cada eleição é uma nova eleição. Por outro
lado, dificulta muito a vida do político atuante. Ele tem que fazer
um grande esforço para mostrar
que foi atuante, simplesmente
porque a maioria das pessoas não
lembra que votou nele.
Folha - A Câmara dos Deputados
estuda agora a adoção do voto
aberto na cassação dos deputados.
O sr. acredita que essa medida pode contribuir para que o eleitor fiscalize melhor o Congresso?
Almeida - A melhor medida para
facilitar que o eleitor fiscalize o
Congresso é permitir que o eleitor
se lembre mais facilmente em
quem votou. O voto aberto nas
cassações tem grande impacto na
dinâmica das votações na Câmara
e no Senado, mas tem menos importância na fiscalização. De toda
sorte, contribuiria para que os legisladores votassem mais de acordo com a pressão do eleitorado do
que com as negociações políticas
do Poder Legislativo.
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