São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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JANIO DE FREITAS

A hora do suspense

A nova configuração das pesquisas eleitorais, com a chegada de Ciro Gomes ao segundo lugar de José Serra, contém menos novidade do que aparenta. Mas traz, senão uma promessa de novidades para a próxima série de pesquisas, por certo um suspense capaz de dar à disputa eleitoral algum interesse que independa de novas contribuições da Polícia Federal e do Tribunal Superior Eleitoral -duas entidades que não deveriam aparecer juntas nem pela pobre rima.
Aplicada a margem de erro do Datafolha, de dois pontos percentuais a mais ou a menos, pode-se considerar que Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra mantêm-se estáveis, o primeiro passando de 40% para 38% e o segundo, de 21% para 20%. Convém observar, porém, que o valor dessa estabilidade não é o mesmo para os dois.
Lula equilibra-se apesar do bombardeio, nas últimas semanas, de páginas e páginas de cada diário e de vasto tempo nos telejornais e rádios, no esforço óbvio de produzir reflexos do caso Santo André sobre a candidatura de PT-PL. Serra permanece na mesma faixa embora a exposição privilegiada que recebe da mídia. O impacto das pesquisas é oferecido, claro, por Ciro Gomes (excetuada a do Sensus, que precisaria refazer suas contas, depois da subida meteórica e não confirmada que proporcionou a Serra, sob patrocínio da confederação de transportes conduzida por um candidato serrista em Minas).
Os 63% de crescimento no índice de Ciro, elevando-o de 11% para 18%, representam duas retribuições. A primeira, à inteligente tática de guardar para junho os seus programas de TV e rádio, depois que os demais candidatos gastassem os seus. E Ciro nem contou com todo o tempo esperado, dada uma intervenção do TSE que o excluiu do horário do PTB, um dos partidos de sua coligação. Só por tal tática, a subida de Ciro já era esperada.
Houve ainda o segundo fator: em suas aparições todas, Ciro dá respostas consistentes às questões, como todos parecem desejar. Mesmo Vicente Fox, que andou por aqui mais com ares de emissário dos americanos inquietos, levou de volta uma resposta assim. Enquanto os três outros lhe disseram que a Alca, o pretendido livre comércio nas Américas, é improvável aqui enquanto os Estados Unidos mantiverem barreiras a produtos brasileiros -uma obviedade-, Ciro entrou por uma vereda rigorosa: a produção americana paga juros de 1,75% ao ano, logo, enquanto os juros no Brasil não descerem dos 19% a uma taxa decente, a indústria brasileira seria devastada pela Alca. Esse tipo de resposta funciona muito melhor, em toda parte, do que as resposta genéricas dos outros candidatos.
Outra vez considerada a margem de erro de dois pontos percentuais, Serra e Ciro tanto podem estar nas posições indicadas como podem estar ambos com 20% ou com 18%, por exemplo, e Ciro pode mesmo estar sozinho em segundo, até com dois pontos de folga. Daí o suspense. Estimulado ainda pelo início, a partir de agora, da campanha aberta e da exposição e confronto direto dos candidatos. Uma etapa em que Serra e Lula padecem de certa desvantagem em relação a Ciro e a Anthony Garotinho.
Enquanto esses dois podem ser explícitos nas considerações e nas propostas, como o eleitorado aprecia, Serra e Lula precisarão ser mais criativos do que nunca, para passar os seus recados. Serra é o candidato peculiar, candidato governista que acha o governo muito errado e, portanto, a clareza e a objetividade o embaraçam até para falar de suas propostas. Por ora, quase todas as questões o levam à evasão mais rápida possível. A teoria de que a melhor estratégia de Serra é "grudar em Fernando Henrique" não mostrou, até agora, a menor eficácia. Se o senador Gerson Camata não leva a mal, o que fez Serra subir foi grudar em Rita Camata. Convenhamos que assim qualquer um subiria.
Lula está em um tribunal. Não só o tribunal dos eleitores, como todos os candidatos, mas um tribunal de exceção, à maneira das ditaduras. Tudo o que diga, não importa o sentido, acaba sendo voltado contra ele. Se apresenta novas posições, não merece ser acreditado. Se não as tem, é inaceitável. Foi típica, no meio da semana, a reação à sua proposta de que estatais sejam presididas por técnicos dos seus quadros. A resposta de um professor de administração, Roberto Leal, sintetiza bem o teor generalizado: "Quem disse que o interesse do acionista de uma empresa estatal é ter o presidente escolhido pelos funcionários, em detrimento dos demais? Por que outros acionistas não podem votar?".
A boa fé e a seriedade da reação se avaliam por uma paródia dela: e quem disse que o interesse do acionista de uma empresa estatal é ter o presidente escolhido em conchavos que misturam politicagem e conveniências de mesmo quilate, como é da norma vigente? Os quadros técnicos das estatais brasileiras são de primeiríssimo nível. Mas o que leva um Philippe Reichstul ou um Francisco Gros a presidir uma das maiores petrolíferas do mundo são outros muitos quinhentos. Como sabem muito bem todos os professores, empresários e demais integrantes do tribunal de exceção.


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