São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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ELIO GASPARI

Comida fria
Em junho o consumo de gás liquefeito caiu 15% em relação ao mesmo mês do ano passado. Trata-se de um dos mais sensíveis indicadores do padrão de consumo do brasileiro. Nunca aconteceu coisa parecida. O consumo de gás de bujão caíra 2% em 2001 e 4% nos primeiros meses de 2002.
O brasileiro está consumindo menos gás de cozinha porque seu preço pulou de 5% para 15% do salário mínimo. É falta de dinheiro mesmo. O andar de baixo está comendo mais alimentos frios e cozinhando com lenha na área rural.

Dedo esperto
Coisas de fim de mandato e início de campanha. A tentativa de tunga do dinheiro do Fust em benefício de concessionárias de telefonia fixa que administraram mal seus negócios nem é coisa de todo o governo, muito menos de todas as eventuais beneficiadas.
A alavancagem da mágica orçamentária que sumiria com o dinheiro da informatização das redes públicas de educação e saúde tem menos a ver com o Ministério das Comunicações e bastante a ver com o Gabinete Civil (Pedro Parente) e com o Planejamento (Guilherme Dias). Do outro lado do negócio, nada tem a ver com a Telemar. Restam a Telefônica e a Brasil Telecom.

Lá vem conta
Dois e dois são quatro e a Viúva e a patuléia acabarão sendo chamadas para resolver o problema da Companhia Energética de São Paulo, a Cesp. Pela segunda vez em menos de um ano ela tentou, sem sucesso, rolar R$ 450 milhões de sua dívida no mercado. Isso é o que ela deve a empreiteiros e fornecedores de serviços e equipamentos. Resolveu o problema informando que pagará parte desses débitos com papéis. É aquilo que no andar de baixo se denomina "pagar com vale".
A Cesp (estatal do governo paulista) fechou o ano passado com um faturamento de R$ 2,1 bilhões e uma despesa de R$ 752 milhões com juros de dívidas. Nos últimos três meses suas ações perderam metade do valor.
Pelo andar da carruagem, daqui a pouco vão falar em aumento de tarifas. Como isso não será suficiente, a Viúva será chamada a pingar algum. O sujeito que ficou sem luz no apagão verá o dinheiro dos seus impostos ser desviado para cobrir buraco de estatal e, caso queira mais, pagará mais caro pela energia da geladeira.

Registro
Para instruir o debate em torno do caso de expulsão de uma jovem que se preparava para consumir drogas durante uma festa dentro do colégio de classe média alta onde estudava, na Gávea:
Uma das boas escolas privadas de Nova York informa aos pais que a posse e o consumo de drogas significa a expulsão imediata de seus filhos.
Para não perder tempo, informa também que, nesses casos, os pais estão dispensados de procurar a diretoria para pedir reconsideração.

Na Uniforja, o operário venceu

Na quinta-feira, Lula visitou as enormes estruturas negras da siderúrgica Uniforja, em Diadema. A parolagem em que caiu o debate presidencial fez com que se desse pouca atenção à história e desgraça da empresa, bem como ao êxito que lá construíram seus trabalhadores e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. É uma instrutiva vinheta do que a indústria brasileira quis ser e não foi, e de um desastre social que tinha tudo para acontecer e não aconteceu.
A empresa surgiu em 1954, fundada por um alemão de sotaque carregado e ar imponente. Ela chamava-se Conforja e ele, Willy Endley. Começou na Mooca e recebeu o impulso desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek. Em 1962 mudou-se para Diadema, tornando-se uma das maiores indústrias do município. Fornecedora da Petrobras e das montadoras de automóveis, foi a maior forjaria da América Latina. Endley era daquela geração de empresários que chegava na fábrica às sete da manhã e saia com o último trabalhador. Chegou a ter 1204 trabalhadores em Diadema.
Nos anos 80 a empresa foi abatida, mais pelo declínio de Endley do que pelas dificuldades da economia. Ele morreu, seus herdeiros trouxeram alguns sábios-reestruturadores, fizeram demissões em massa, até que pffff... e em 1998 a Conforja faliu. Deixou um buraco que hoje está em R$ 250 milhões. Alguma coisa estava errada. As velhas estruturas da forjaria contrastavam com os seis andares do novo prédio de vidro da administração. A enorme mesa de sucupira de Willy Endley, com lugar para 18 pessoas e duas em cada cabeceira, parecia móvel velho. Atrasaram até a conta da energia. A firma passara por cerca de 20 greves por falta de pagamento. Um terço da maquinaria estava sucateada. Localizada perto do centro da cidade, podia virar um bom negócio imobiliário, junto ao qual os seus metalúrgicos desempregados venderiam cachorro-quente.
Na pior hora, os trabalhadores foram à luta. Juntaram-se ao sindicato do ABC, formaram uma cooperativa e resolveram manter em funcionamento uma indústria quebrada. Arrendaram-na à massa falida e trabalharam durante três meses para honrar os compromissos de produção, sem salários. Os clientes mandavam a matéria-prima, eles a trabalhavam e eram remunerados pela mão-de-obra, por peça. Os fornecedores, caloteados, recusavam-se a vender seus produtos. Nem com pagamento à vista. O sindicato tornou-se fiador de inúmeras transações, e seu presidente, Luiz Marinho, socorreu os trabalhadores nas negociações.
Hoje a Uniforja tem 380 trabalhadores e paga salários de mercado. Alguns de seus produtos são exportados, e um dos seus setores expandiu a produção em 128% entre 200 e 2001. Começou faturando R$ 800 mil e fechou o mês passado com R$ 3,9 milhões. Só não ultrapassou a meta de R$ 4 milhões porque um martelo encrencou. (Martelo, numa forjaria, é um cubo de algumas toneladas, capaz de esmagar uma barra de aço incandescente.)
Há dois anos a cooperativa dos trabalhadores entrou com um pedido de financiamento no BNDES. Quer comprar máquinas e o passivo trabalhista que ficou com a massa falida. Leva uma vantagem sobre inúmeros clientes do banco, pois só faliu uma vez.
Quanto a Viúva pagou por essa experiência? Zero. Jamais um dos 380 metalúrgicos de Diadema pediu ao governo um prego enferrujado. No ano passado, a Uniforja pagou cerca de R$ 5 milhões em impostos.
E o prédio de seis andares da diretoria e da administração? No subsolo funciona o refeitório; no segundo andar, uma escola. Os demais, felizmente, estão vazios.

A busca da fazenda do inconfidente

Se alguém se interessar, é possível que se esteja perto do final do mistério da localização da fazenda do inconfidente Alvarenga Peixoto, permitindo a sua recuperação para o patrimônio histórico nacional. Os documentos da devassa da conjuração informam que o poeta (e juiz) tinha uma fazenda chamada Paraopeba. No poema "Cartas Chilenas", Cláudio Manuel da Costa refere-se à propriedade do amigo como "covão". Em 1989 o pesquisador paulista Waldemar Leal descobriu uma fazenda Paraopeba na saída da cidade de São Brás do Suaçuí, uma hora ao sul de Belo Horizonte. A notícia entrou no circuito de caçadores de inconfidentes e há poucas semanas o historiador Márcio Jardim passou pela casa. Parece um cubo e está em mau estado, habitada por lavradores.
Falta comprovar com documentos que essa fazenda Paraopeba é a Paraopeba de Alvarenga Peixoto. Uma indicação de distância deixada por Cláudio Manuel da Costa e o fato de ela ficar num covão topográfico fortalecem essa possibilidade. Se for, terá sido descoberta a quarta sede de fazenda das 84 pessoas que, de uma forma ou de outra, estiveram incriminadas na inconfidência. Mais: poderá servir também como símbolo de maracutaias da magistratura colonial. As terras não estavam em nome do juiz Alvarenga, mas no de seu sogro. Como chegaram a ele é fofoca centenária.
Para quem quiser dar uma volta no passado, Márcio Jardim publicou em 1989 um livro intitulado "A Inconfidência Mineira, uma Síntese Factual" (Biblioteca do Exército). Nele sustenta que o visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais, estava na conspiração e poderia vir a ser coroado rei daquelas terras. Para proteger-se, mandou matar Cláudio Manuel da Costa, que o incriminara. Segundo a versão oficial, Cláudio suicidou-se na prisão. Tornou-se assim o patrono dos brasileiros que aparecem enforcados nas celas onde foram trancados.

EREMILDO, O IDIOTA


Eremildo é um idiota. Adora números, mas não sabe fazer contas. Vai amanhã cedo ao escritório eleitoral do senador José Serra para conversar com o coordenador financeiro de sua campanha, o publicitário Luiz Fernando Furquim. O idiota leu uma entrevista do doutor Furquim ao repórter Wladimir Gramacho na qual, diante de uma pergunta a respeito do "setor preferencial" para a arrecadação de recursos, deu a seguinte resposta:
"Os bancos hoje têm uma presença muito forte e devem ser grandes apoiadores de Serra".
Eremildo não entendeu qual é a relação entre a forte presença dos bancos na economia e a candidatura a presidente de um ex-ministro da Saúde. No entendimento do idiota, Furquim pretendeu dizer que todos os setores que cresceram nos últimos anos "devem ser grandes apoiadores" da candidatura oficial. Nesse caso, a eleição está decidida, pois o setor dos desempregados (sobretudo dos bancários) fará o possível para eleger seu candidato.
Eremildo consultou a lista de doadores das duas últimas campanhas presidenciais e verificou que o tucanato recebeu formalmente da banca algo como R$ 20 milhões, ervanário que sempre girou em torno de 20% das despesas declaradas. Os bancos Bradesco e Itaú deram a FFHH R$ 7,5 milhões e durante seu "oitão" lucraram pelo menos R$ 15 bilhões. Todas as doações feitas ao PT somaram R$ 5,3 milhões. O idiota não pode dar mais de R$ 100 ao doutor Furquim, mas, mesmo assim, acha que isso lhe trará uma sorte danada.

ENTREVISTA

Sérgio Miranda
(54 anos, deputado federal, PC do B-MG)

-O governo diz que desistiu de usar o dinheiro do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o Fust, para socorrer as concessionárias de telefonia fixa. Diante disso, quanto o senhor estima que as redes públicas de saúde e educação vão receber para investir em redes de computadores?
-Neste ano, muito provavelmente, nem um tostão. Até hoje essa relação entre o dinheiro do Fust e a informatização de serviços públicos só existiu na fantasia do marketing. O Fust tem em caixa R$ 1,8 bilhão, e nunca se aplicou um só real em escolas ou saúde. O dinheiro é arrecadado, embolsado e guardado para engordar o famoso superávit primário do qual a propaganda do governo tanto se orgulha. O dinheiro do Fust tem duas origens. Dois terços vêm das vendas de concessões e do patrimônio nacional. O outro terço vem dos cidadãos, por meio da cobrança de uma taxa de 1% sobre a receita das empresas de telefonia. Em vez de usar o dinheiro para os propósitos que anunciou, o governo o esteriliza guardando-o numa conta do Tesouro onde, no final de 2001, havia R$ 80 bilhões. Com essa manobra, que não se dá só com os recursos do Fust, habilita-se a emitir papéis da dívida pública, sobre os quais paga juros de 18,5%. Você telefona, paga uma taxa para informatizar as escolas, e o dinheiro é entesourado para produzir dívida. Essa é a lógica do superávit primário.

-O senhor nega que o governo esteja produzindo superávits?
-Eu afirmo que essa política vem sendo executada mal e porcamente. O governo está produzindo superávit à custa de um aumento extorsivo da carga tributária. Recorre a contribuições e taxas que oneram a produção e as faz passar por mágicas contábeis. Veja o caso do Fundo de Administração Fazendária, o Fundaf. Ele é alimentado por uma taxa cobrada sobre as multas e juros arrecadados pela Receita Federal. Destina-se a melhorar a qualidade da mão-de-obra e dos equipamentos da Receita. Esterilizaram R$ 3 bilhões do Fundaf e os aparelhos de raio-X da Alfândega do Galeão são insuficientes. Há também o Fistel, destinado a prover recursos para a Anatel. No ano passado, as emissoras brasileiras desembolsaram R$ 600 milhões, mas só R$ 200 milhões foram para a Anatel. Os outros R$ 400 milhões foram esterilizados. Com o Fundo da Marinha Mercante deu-se a mesma coisa. A economia nacional e os cidadãos estão sendo lesados, porque o governo cobra essa taxa, promete um serviço, não o dá e vale-se do expediente para endividar-se. É uma política mentirosa e fracassada. Praticam-na em nome de um projeto de redução do estoque da dívida em relação ao PIB. Em 1998 o governo comprometeu-se com o FMI a chegar a 2001 com essa relação em 44,5%. Pois estamos em 2002 e ela subiu para 56%. A dívida não cresceu por causa de gastos, mas por conta de uma política econômica fiscalmente irresponsável.

-Onde está a irresponsabilidade?
-O governo é irresponsável porque toma o dinheiro da sociedade dizendo que vai fazer uma coisa e o usa para outra. Além disso, apesar do discurso demagógico da austeridade, destinado a constranger o debate político, Fernando Henrique Cardoso deixará ao seu sucessor pelo menos R$ 8 bilhões em contas a pagar. Em 1998, esses restos a pagar somavam apenas R$ 2 bilhões. Deixará a maior dívida já produzida e também o maior aumento de carga tributária. Se um prefeito da oposição fizesse um décimo disso, o chamado mercado o apresentaria como símbolo da irresponsabilidade fiscal.



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