São Paulo, segunda-feira, 07 de agosto de 2006

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Entrevista da 2ª
Caleb McCarry


Coordenador da transição quer cubanos informados

Segundo americano, os EUA darão aos cubanos subsídios para decidir o futuro

Coordenador da transição quer cubanos informados

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O FICIALMENTE , ele é o coordenador da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, órgão do Departamento de Estado criado por George W. Bush e a secretária Condoleezza Rice em 2003 para "cuidar da transição de Cuba para a democracia", mesmo antes de Fidel Castro dar qualquer sinal de que deixaria o poder.
Extra-oficialmente, é o que analistas chamam de "o Paul Bremer de uma Cuba sem Fidel", referência ao enviado de Bush que comandou o Iraque pós-invasão. Para o "Granma", órgão de imprensa oficial de Cuba, ele é "o procônsul de Bush para a anexação de Cuba".
Na tarde de sexta, enquanto Condoleezza Rice gravava a mensagem ao povo cubano, McCarry deu uma entrevista exclusiva à Folha.

FOLHA - O sr. tem se mantido longe dos holofotes nos últimos cinco dias, sem dar entrevistas ou fazer declarações públicas. O que o sr. está fazendo?
MCCARRY
- Obviamente fazendo o que nosso governo prometeu, que é estar preparado para respeitosamente oferecer nosso apoio total a uma transição democrática genuína em Cuba.

FOLHA - Ok, mas o sr. tem falado com suas fontes em Cuba ou entre os grupos de exilados em Miami?
MCCARRY
- Sim, estamos monitorando a situação de muito perto e continuamos a acompanhar o desenrolar dos fatos... Ok, não é só isso. A comissão é um órgão interagências dentro do governo dos EUA, e o nosso objetivo é preparar nosso governo para estar habilitado a prover apoio aos cubanos para um momento de mudança, em que eles poderão comandar seu próprio país para uma transição genuína que leve a uma eleição livre e democrática.

FOLHA - Qual será, então o primeiro passo da comissão no caso da morte de Fidel Castro?
MCCARRY
- Na verdade, nós não estamos esperando que as coisas aconteçam, já estamos trabalhando muito ativamente nesse momento, mandando mensagens de apoio e esperança aos cubanos na ilha e nos preparando para oferecer apoio total dos EUA para um governo de transição que esteja comprometido a soltar prisioneiros políticos, restaurar liberdades fundamentais e convocar rapidamente eleições livres, justas e multipartidárias.

FOLHA - Os EUA terão relações diplomáticas com Raúl Castro, caso ele seja eleito?
MCCARRY
- (pausa) O processo de transição, um processo que tem de culminar em eleições democráticas livres e justas, é um processo que deve ser liderado por cubanos; somente os cubanos podem definir seu futuro democrático e os cubanos devem ter o direito de eleger seus líderes livremente em Cuba. A imposição de Raúl Castro, a imposição de outro ditador, não é o suficiente.

FOLHA - Sim, mas os EUA estarão dispostos a ter relações com quem quer que seja o eleito pelos cubanos numa escolha livre e democrática, mesmo que essa pessoa tenha como sobrenome Castro?
MCCARRY
- Claro, a política dos EUA é apoiar um processo que restaure a soberania do povo cubano para eleições justas e livres. Esse é um problema para que eles resolvam.

FOLHA - Mesmo que eles resolvam por Raúl Castro?
MCCARRY
- O povo cubano tem o direito de definir seu futuro democrático e o povo cubano tem o direito de gozar das mesmas liberdades de que gozam povos em países democráticos.

FOLHA - Muitos dizem que o sr. será o Paul Bremer de uma Cuba livre. Qual sua resposta?
MCCARRY
- Você sabe, isso é... Isso... O contato com o povo cubano e o comando da comissão deixam muito claro: os protagonistas aqui são o povo cubano. Eles que vão liderar seu país... Cuba deve ser de e para os cubanos e para eles apenas.

FOLHA - Um dos pontos principais do plano já preparado por sua comissão é "minar a estratégia de sucessão" de Fidel Castro.
MCCARRY
- Sim.

FOLHA - Como fazer isso sem ser golpista, sem ser acusado de patrocinar um golpe de Estado? Ou como responder à acusação de que os EUA são um país estrangeiro interferindo na soberania de outro país?
MCCARRY
- Obviamente, os planos de sucessão da ditadura parecem estar delineados. (hesita) E o propósito de nossa política é se comunicar com os cubanos, para que eles contem com os EUA enquanto eles procuram definir um futuro diferente. Um futuro em que eles tenham uma transição, um futuro em que eles possam assegurar seus direitos básicos, um futuro em que eles possam ir às urnas e eleger livremente seus líderes. Minar a estratégia de sucessão, francamente... Não há nada mais potente do que falar dos direitos dos cubanos, que é o de escolher seu futuro.

FOLHA - Então o sr. está dizendo que a arma principal da comissão aqui é informação?
MCCARRY
- Claro, informação. Pois, como você sabe, Cuba é uma sociedade fechada, em que a informação independente é banida, e a oposição e os que discordam do governo são severamente punidos. Estamos comprometidos em prover fontes de informações independentes aos cubanos e em apoiar o direito dos cubanos de pensar o que queiram.

FOLHA - Além de informação, com que outra ferramenta importante a comissão conta?
MCCARRY
- Nesse momento, a comissão está focalizada no futuro de Cuba. Nosso presidente, nossa secretária de Estado estão ao telefone agora ligando para todas as nações democráticas para se juntar e falar oficialmente e apoiar a restauração dos direitos democráticos dos cubanos, de não ter outra ditadura imposta, de eleger livremente seus líderes.

FOLHA - Seria, então, uma espécie de coalizão?
MCCARRY
- Exatamente. Há uma responsabilidade especial que todos nós temos, como nações democráticas de defender o direito dos outros, particularmente por países que sofreram tantos anos sob uma ditadura.

FOLHA - Uma das principais preocupações dos cubanos em Havana e dos cubanos exilados em Miami e seus herdeiros é a questão da propriedade. No caso de uma mudança de regime, qual seria a posição dos EUA? As casas desapropriadas pela Revolução Cubana voltariam para seus donos originais, como querem os exilados?
MCCARRY
- Em primeiro lugar, e principalmente, nós queremos afirmar aos cubanos que o que tem sido dito não é verdadeiro. Nós reconhecemos o direito dos cubanos de permanecerem em suas casas. Nós também sabemos que vai ser uma questão difícil, mas acreditamos que os cubanos vão preferir que um governo eleito legítima e democraticamente cuide dessa questão. Há vários modelos para lidar com essa questão que podem ser emprestados de outros países, de Estados que deixaram de ser comunistas.

FOLHA - O presidente Bush disse na quinta que os EUA estão "atentos àqueles que, no atual regime cubano, obstruem o desejo do povo por uma Cuba livre". Um dos pontos da sua comissão é manter "listas atualizadas" de membros do regime atual que teriam violado direitos humanos na ilha. Qual será afinal o uso dessas listas?
MCCARRY
- Isso é muito importante. O plano da comissão, no tocante às forças militares cubanas, fala do fato de que nós acreditamos que o povo cubano vai apoiar a neutralidade política e o profissionalismo e a dignidade de suas próprias Forças Armadas. E também é verdade incontestável que há elementos das forças de segurança em Cuba que orquestram ataques vis à oposição e intimidam cidadãos. Estamos observando isso, e os indivíduos envolvidos em orquestrar esse tipo de ato violento contra seus cidadãos não terão direito de obter vistos dos EUA.

FOLHA - Organizações de exilados cubanos, como a Democracy Movement, estão dizendo que voltarão a Cuba assim que Fidel morrer, com ou sem os EUA. O sr. não teme que se repita um êxodo em massa de duas mãos, como nos anos 80 e 90?
MCCARRY
- Obviamente, nossa mensagem é: os cubanos devem permanecer em Cuba, estar lá, trabalhar pelo seu próprio futuro em Cuba, um futuro melhor, um futuro democrático. Os EUA estão comprometidos a apoiá-los. Há uma necessidade humanitária enorme em Cuba. O regime não conseguiu suprir essas necessidades.

FOLHA - O que o sr. diz dos boatos de que Fidel Castro está mal ou já teria morrido?
MCCARRY
- (Não responde).

FOLHA - Desde a internação de Fidel, Raúl não fez nenhuma aparição pública. O sr. tem informações sobre seu destino?
MCCARRY
- (Não responde).

FOLHA - Na possibilidade de Fidel Castro voltar ao poder, o que sua comissão fará? MCCARRY - Essa comissão olha para o futuro, não para o passado. É tempo para todos nós, todos os que nos importamos com Cuba e com o futuro do povo cubano, de fazer o mesmo, de ajudar os cubanos a ter um futuro melhor.


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