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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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JANIO DE FREITAS

O negócio da negociação

Em discurso muito parecido, pela arrogância e pelo tom autoritário, com os que cansamos de ouvir e só mereciam ficar esquecidos, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou - entre desnecessidades como "nós vamos ensinar esse país a negociar", "esta nau tem comandante", e por aí- que o governo negociou a aprovação da "reforma" tributária sem praticar "a política do é dando que se recebe".
Na votação da "reforma" anterior, a previdenciária, o governo Lula foi salvo por deputados do PFL e do PSDB, que lhe deram 62 votos e lhe permitiram ultrapassar os 308 mínimos para evitar a derrota. Agora o governo não contava com o mesmo apoio do PSDB e do PFL, reduzido a 39. A perda de 23 foi suprida pelo PMDB, que antes dera ao governo 45 votos e agora deu 70.
Por quê? O aliciamento foi feito à custa, preliminarmente, de dois ministérios, a serem entregues a peemedebistas em futuro próximo. Quem se reuniu com o comando peemedebista, para acertar os termos do apoio na votação, foi o próprio Lula.
Mas os ministérios não são nada. As nomeações para outros cargos da máquina de administração, nos mais variados níveis, é que são elas. Um único ministério não faria 70 peemedebistas darem seus votos ao governo, sem a promessa de que todos serão agraciados.
Os inúmeros cargos para recompensar os votos peemedebistas são públicos, o que significa, primeiro, que são pagos; além disso, pagos com dinheiro dos cofres públicos. Dinheiro que assim se destina a parentes e agentes eleitorais dos parlamentares em questão.
Negociações políticas se fazem em torno de programas de ação e, nos melhores casos, em torno de idéias. Aliciamento em cima de votação e com recompensa não é negociação. Lula foi especialista nessa diferença entre negociação política e negócio político. Tanto que ele e seu partido fizeram a primeira muitas vezes no governo Itamar, mas não entraram na segunda em nenhuma das numerosas oportunidades no governo Fernando Henrique Cardoso. A adesão ao método antes condenado não muda a essência e o nome da coisa.

Reação
O governo não deu a explicação devida pela destituição do presidente do Incra, Marcelo Resende. O ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento (sic) Agrário, disse alguma coisa meio ridícula sobre afinação com ou do novo nomeado, e pronto. O ministro e o governo não respeitaram a imagem do destituído nem o direito dos cidadãos de saber o que se passa no governo, que não é ente privado.
Marcelo Resende é ligado à Comissão Pastoral da Terra, à qual Lula pediu, e recebeu, indicações para o Incra. A demissão de Marcelo Resende expressou a irritação palaciana com a segunda crítica feita pela CNBB ao governo Lula.

Enfim
Por iniciativa do senador peessedebista Arthur Virgílio, o Senado aprovou a criação da CPI do loteamento de cargos. Que bom. Pode ser que assim o governo Lula se ponha em brios e, em resposta, investigue um dos vários casos cujos inquéritos, na Polícia Federal ou como CPI, o governo Fernando Henrique impediu.
E Arthur Virgílio ainda abriu a possibilidade de que o governo levante o loteamento de cargos, sem precedente em número e no compra-e-vende, durante o governo de que o próprio Arthur Virgílio foi líder na Câmara.

Cabeça
Deve estar vindo aí uma nova Teoria dos Números, ou algo ainda mais fantástico para o futuro da matemática. Indagado sobre a nova estimativa do IPEA, entidade do governo, para o crescimento econômico deste ano, de miserável 0,5%, o ministro Antonio Palocci foi categórico: "Números não se comentam".
Pensa que acabou? Pois o complemento foi à altura: "E perspectivas são perspectivas".
Quem diria? Mas é melhor não comentar essas novidades. Ainda mais diante da originalidade que veio pouco depois: "A vida é dura. A agenda também".



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