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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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NO PLANALTO

Para ajudar MST, Incra flerta com improbidade

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo Lula está na bica de estrear como protagonista de um processo judicial por improbidade administrativa. Graças a um presente do ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) ao MST: R$ 191.100,00. Dinheiro de sua excelência o contribuinte.
Deu-se o seguinte:
1) em 14 de julho, em visita ao Pontal do Paranapanema (SP), Rossetto prometeu verbas para a Cocamp, cooperativa rural gerida pelo MST. Trata-se de uma usina de torrefação de verbas públicas, conforme revelado aqui em setembro de 2000;
2) autor de ação civil pública que apura "atos de improbidade" praticados pela Cocamp na aplicação de R$ 8,5 milhões, o Ministério Público enviou, em 16 de julho, ofício pedindo informações ao governo;
3) o Incra respondeu, em 23 de julho, que não havia "nenhum instrumento de repasse" para a Cocamp. Analisava-se um convênio com outra entidade gerida pelo MST, a CCA (Cooperativa Central de Reforma Agrária de São Paulo);
4) assina a resposta do Incra o superintendente da autarquia em São Paulo, Raimundo Pires Silva. Foi nomeado sob Lula, com o aplauso do MST. É agrônomo e militante petista;
4) em 18 de agosto, dois procuradores regionais do Incra compareceram à sede do Ministério Público em Presidente Prudente (SP). Chamam-se Isabella Mariana Sampaio Pinheiro de Castro e Ronald de Jong. Entregaram cópia do convênio. Embora firmado com a CCA, destina-se a repassar R$ 191.100,00 à Cocamp. Não se trata de empréstimo. É verba a fundo perdido. Uma doação;
5) há no corpo do processo que instrui a operação um parecer da procuradoria do Incra contrário à liberação do dinheiro. Apontaram-se violações a "princípios do direito público". O superintendente Pires Silva deu de ombros. Em despacho de 11 de agosto, aprovou a minuta do convênio. No mesmo dia, a despesa foi empenhada;
6) a verba destina-se à conclusão de um complexo agroindustrial da Cocamp (laticínio, despolpadeira de frutas e silos). Brasília já enterrou na obra R$ 3,7 milhões. São empréstimos vencidos e não pagos;
7) a coisa toda deveria estar funcionando desde 98. O projeto original teve de ser refeito. Revelou-se um aleijão. Não previa necessidades básicas como energia elétrica e rede de distribuição de água. Inconclusa, a obra ocupa lugar de destaque na ação do Ministério Público que investiga desvios de verbas públicas na Cocamp;
8) em 19 de agosto, os procuradores da República Fábio Bianconcini de Freitas e Luis Roberto Gomes protocolaram na Justiça Federal de Presidente Prudente uma ação cautelar para sustar o presente de Rossetto à Cocamp. O documento resume as malfeitorias praticadas pela cooperativa do MST -"um relatório quilométrico de pendências e restrições de toda ordem"- e aponta o risco de "grave lesão aos cofres públicos";
9) em 21 de agosto, o juiz federal Newton José Falcão concedeu liminar que proibiu o repasse de dinheiro novo à Cocamp. Para "salvaguarda do patrimônio público e preservação dos princípios da legalidade e da moralidade administrativa". Por via das dúvidas, determinou "o bloqueio" da conta bancária da CCA";
10) em carta de 28 de agosto, o superintendente Pires Silva pediu à cúpula do Incra em Brasília a transferência dos procuradores Isabella Mariana e Ronald de Jong, contrários ao regalo prometido à Cocamp. Acusa-os de "falta de compromisso com a reforma agrária". Escreveu que tornou-se impossível "uma boa conivência profissional" com os dois procuradores regionais do Incra. Não, você não leu errado. O vocábulo empregado foi mesmo "conivência";
11) o repórter tentou ouvir Rossetto. Foi atendido por Carlos Guedes, que acaba de assumir a Superintendência Nacional de Desenvolvimento do Incra. Ele disse: "No nosso entendimento, a operação é legal e viável. O complexo [agroindustrial da Cocamp] está lá. Com essas obras complementares é possível viabilizá-lo." Quanto à liminar que brecou o repasse, disse que o governo vai analisar a posição a ser adotada;
13) Pires Silva, o superintendente paulista do Incra, é mais taxativo: "Vamos recorrer, com certeza". Reconhece que o "passado" da Cocamp "deve ser averiguado". Mas acha "essencial" concluir o complexo agroindustrial. Sob FHC, diz ele, o governo já "pretendia repassar R$ 200 mil à Cocamp" por meio de um "convênio com a Prefeitura de Teodoro Sampaio";
O Ministério Público irá agora ajuizar ação para tentar anular definitivamente o convênio e responsabilizar os envolvidos, Rossetto inclusive, por suposto ato de "improbidade administrativa";
Lula começa a pagar a fatura por ter permitido que a engrenagem administrativa da reforma agrária se transformasse num ninho de simpatizantes do MST. A encrenca está apenas começando. O eco que ressoa das superintendências estaduais do Incra indica que vem por aí um barulho ensurdecedor.



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