São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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OUTRO LADO

Advogado afirma que prescrição é "incontroversa"

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O advogado da AGF Brasil Seguros, Dennis Phillip Bayer, afirmou que a prescrição da dívida tributária de R$ 46,4 milhões é "questão incontroversa". "O auto de infração da Receita, que constituiu formalmente a dívida, é de 1994. A Fazenda tinha cinco anos, até 1999, para executar. Não executou. Portanto, prescreveu."
Phillip Bayer acha que o despacho ministerial que reconheceu a prescrição "deve ter chamado a atenção da Controladoria Geral da União porque é inédito". Foi, segundo diz, "a primeira vez" que um ministro da Fazenda, neste caso o interino Bernard Appy, referendou decisão do gênero. "Cumpriu-se a lei", disse.
Executivos da AGF recusam-se a qualificar como "dívida" o objeto do contencioso tributário. Alegam que, em verdade, a empresa possuía um "crédito". O problema nasceu em 1990, com o Plano Collor.
A partir de março de 1990, o BTN Fiscal, índice então usado para o ajuste dos balanços das empresas, deixou de ter o seu valor determinado pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor). Com isso, o BTN não incorporou a inflação de 84,32% registrada à época.
Deu-se a confusão: empresas com ativo imobilizado maior do que o patrimônio líquido recolheram menos Imposto de Renda em 91 (exercício de 90). Já as companhias com ativo imobilizado menor do que o patrimônio líquido pagaram mais imposto. Foi o caso da AGF Seguros.
Em junho de 1991, uma lei aprovada no Congresso (8.200) reconheceu a distorção. Empresas que haviam recolhido menos imposto tiveram de pagar a diferença. As demais puderam compensar valores pagos a maior. Só que a lei obrigou-as a exercer a compensação em quatro parcelas anuais, a partir de 93 (uma outra lei, a 8.682, de julho de 2003, cresceu o prazo para seis exercícios).
A compensação em conta-gotas foi contestada na Justiça pela AGF Brasil Seguros. Como recorda o advogado Phillip Bayer: "Sustentamos que o parcelamento era inconstitucional, um empréstimo compulsório. Pleiteamos o direito de exercer a compensação de uma só vez".
A ação da AGF, um mandado de segurança, deu entrada na Justiça em 24 de abril de 1992. Em decisão liminar (provisória), o juiz mandou notificar a Receita de que deveria abster-se "da prática de qualquer ato tendente à cobrança do encargo financeiro".
Ao julgar o mérito da causa, o juiz ratificou o direito da AGF de corrigir o balanço de 1990 pelo IPC. Mas não fez reparos à constitucionalidade da compensação em parcelas prescrita na lei 8.200. A decisão judicial não fez menção à liminar concedida anteriormente.
Aferrada à primeira parte da sentença (o direito ao uso do IPC), a AGF fez a compensação tributária de uma só vez. Embaralhada pela ausência de uma referência explícita à cassação da liminar que a impedia de agir, a União recorreu, mas não bateu às portas da AGF.
Só em 5 de setembro de 1994, com o recurso ainda pendente de decisão, a AGF foi notificada de que a Receita formalizara a dívida por meio de um auto de infração que hoje soma R$ 46,4 milhões. O lançamento visou justamente evitar a prescrição.
No dia 27 de setembro de 1999, a Divisão de Fiscalização da Receita anotou num despacho interno uma conclusão que, dali a três anos, provocaria no advogado Phillip Bayer um "surto de lucidez" que o levaria a farejar a tese da prescrição da dívida de sua cliente, a seguradora AGF.
Disse o fisco no despacho de 1999: "o crédito tributário tornou-se exigível a partir da prolação da sentença em primeiro grau". Ou seja, as ações de cobrança contra a AGF estavam liberadas desde 1992. A máquina arrecadatória do Estado pôs-se em movimento em 2000. No dia 12 de agosto daquele ano, a AGF foi intimada a pagar. Não pagou. E o tributo foi à dívida ativa em 31 de outubro de 2000.
A seguradora AGF ainda recorreria à Justiça duas vezes, em 2001 e 2002. Ora para tentar anular a inscrição do débito, ora para questionar as cifras. Em maio de 2002, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) esvaziou as pretensões da empresa.
O STF declarou constitucional a lei 8.200, que impôs a compensação de diferenças de tributos em parcelas anuais. Sobreveio o "surto de lucidez" do advogado Phillip Bayer. Em 1º de julho de 2002, encaminhou à Procuradoria da Fazenda petição pedindo o reconhecimento da prescrição do débito. Em socorro da tese de que a dívida da AGF só não fora cobrada porque o governo não quis, o advogado desencavou o despacho redigido pelo fisco em 1999, aquele segundo o qual "o crédito tributável tornou-se exigível a partir da prolação da sentença" de 1992.
Refutado em parecer do escritório paulista da Procuradoria da Fazenda, o ponto de vista de Phillip Bayer foi integralmente acolhido em Brasília. O que levou à admissão, em nível ministerial, da prescrição do débito.
Phillip Bayer se dedica agora a nova missão. Em ação judicial já ajuizada, pleiteia a prescrição de outro débito atribuído à AGF Brasil Seguros: cerca de R$ 11 milhões. Refere-se à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, cujos recursos também são usados para pagamento de parte dos benefícios previdenciários.
Em relação a esse novo caso, a Fazenda Nacional afirma, em parecer, que a prescrição só ocorre em dez anos. Para o advogado, a lei que fala em uma década é inconstitucional. A contagem prescricional seria, acredita, a mesma aplicada aos demais tributos, ou seja, cinco anos. Constituída em 1994, junto com os R$ 46,4 milhões que viraram pó, a dívida da AGF com a Previdência faz aniversário de dez anos em setembro próximo. (JOSIAS DE SOUZA)


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