São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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NO PLANALTO

Palocci precisa de um intervalo de meia hora

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Fiel à imagem que construiu em 2003, Antonio Palocci Filho, espécie de samurai da Esplanada, prepara-se para passar na lâmina um naco do Orçamento do governo federal para 2004. Coisa indigesta. Na casa dos R$ 6 bilhões.
Sabe-se que o ministro é pessoa atarefada. Nos últimos dias, ainda teve de se submeter a uma calculada maratona de entrevistas. Esforçou-se para debelar um súbito surto de desconfianças do mercado.
A despeito da azáfama que envenena o seu cotidiano, Palocci deveria discar para Waldir Pires, chefe da Controladoria Geral da União. Recomenda-se que peça ao colega que retomem um diálogo telefônico que tiveram no final de 2003.
Falaram do resultado de uma inspeção realizada por um time de auditores a serviço da repartição de Waldir. Varreram-se oito escritórios da Procuradoria da Fazenda Nacional, braço jurídico da Fazenda. Palocci deu pouca importância ao telefonema. Um erro.
Do ciclo de auditorias, resultaram dois relatórios. Ao que parece, só um (número 124.538) chegou à equipe de Palocci. É o menos importante. Resume os achados dos inspetores em linguagem edulcorada.
Recomenda-se a Palocci que peça a Waldir o outro documento (número 129.312). Contém descobertas feitas no escritório da Procuradoria da Fazenda em São Paulo, coração do PIB nacional.
No essencial, o conteúdo da papelada já foi exposto nas páginas da Folha. Mas o ministro não acredita em tudo o que vê nos jornais. Faz bem. Nesse caso, é melhor que beba direto da fonte.
Aconselha-se a Palocci que embainhe a espada por 30 minutos. Meia hora é o tempo que levará para deglutir o relatório. A leitura pode encurtar uma encrenca que começa a se formar na cozinha do seu ministério. Confusão desnecessária e improdutiva.
A máquina bisbilhoteira de Waldir foi posta em movimento a pedido do procurador-geral da Fazenda Nacional, Manoel Felipe Rêgo Brandão. O advogado assentou praça na tropa de Palocci em maio de 2003. Com a requisição de auditoria, quis dimensionar o "abacaxi" que foi acomodado em suas mãos.
Confrontado com a exposição pública do papelório, adensado por apurações jornalísticas, Rêgo Brandão mastiga a casca do abacaxi sem aproveitar-lhe a polpa.
Preocupa-se mais em identificar autores de "vazamentos" do que em corrigir rumos. Ocupa-se da defesa da corporação sem se dar conta de que o que está em jogo é a discussão de modelo ar- recadatório permeado de vícios históricos.
Depois da leitura do relatório de auditoria, Palocci talvez se dê conta de que está radicalizando um equívoco praticado sob FHC. Ao submeter a Procuradoria da Fazenda à mesma política de cortes que impõe aos demais órgãos públicos, o ministro fatia o próprio pé.
Gestores de uma dívida ativa que roça a casa dos R$ 200 bilhões, os procuradores fazendários cobram anualmente de devedores relapsos algo como R$ 2 bilhões. É pouco, pouquíssimo, quase nada. Azeitando a máquina, Palocci pode buscar facilmente os R$ 6 bilhões que está prestes a podar no Orçamento.
Em documentos internos, a Procuradoria da Fazenda exalta um tal "projeto de modernização do terceiro milênio". Vende a parola da revitalização do sistema eletrônico que armazena os dados da dívida ativa. Uma utopia que morre nas evidências de violações fraudulentas à rede fazendária de computadores.
Nos papéis oficiais, a Procuradoria da Fazenda se apresenta como moderno escritório público de advocacia. No interior das divisórias de seus escritórios estaduais, não passa de um aglomerado de procuradores cujo desempenho se perde no desânimo da baixa remuneração e na sobrecarga do acompanhamento de 4.500 a 7.500 processos simultâneos.
Escudada no argumento de que cabe a um comitê gestor a administração do malfadado Refis, a advocacia pública engole processos de parcelamento de débito em até 890 mil anos, com recolhimentos mensais de R$ 12.
O acinte atropela a atribuição legal do órgão: "examinar previamente a legalidade dos contratos, concessões, acordos, ajustes e convênios que interessam à Fazenda Nacional".
Festeja-se a exclusão de empresas do programa de parcelamento como evidência da eficiência da engrenagem coletora de tributos. Bobagem. O excesso de exclusões evidencia, antes, a ineficiência do processo de seleção dos condôminos da mamata.
Abundam motivos para que Palocci desperdice um naco do seu tempo com um passeio pelos subterrâneos da Procuradoria da Fazenda. Antes que a limonada da auditoria solicitada em boa hora vire o limão azedo das providências retardadas. Meia hora. É o tempo de que precisa.


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