São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002

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JANIO DE FREITAS

Carochinha

A história está muito interessante, mas só vale como carochinha para adulto. O que ali pode ser tomado como verdadeiro é que entre Ricardo Sérgio de Oliveira e Benjamin Steinbruch, pelo menos estes dois, houve um negócio de comissão e que ministros e presidente estavam informados -inutilmente.
Para começar, comissões são acertadas antecipadamente ao que as motiva, não são cobranças que alguém decida fazer a qualquer altura, pelo serviço prestado. Não faz sentido que só ano e meio depois desse serviço, feito na montagem da privatização da Vale do Rio Doce, Ricardo Sérgio fosse achacar Steinbruch e este corresse a queixar-se com Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Na versão da cobrança inopinada pode-se reconhecer a conveniência de não indicar a existência de interesses corruptos, na decisão do governo de montar um grupo para disputar (e ficar) com a Vale.
Não faz sentido, também, o corte que Mendonça de Barros se atribui na conversa com Steinbruch, ao ouvir sobre a cobrança de Ricardo Sérgio: "Nessa hora, pus um ponto final na conversa". Nem a mais comum das pessoas escaparia ao interesse pelo assunto. É inimaginável que alguém vivendo entre negócios e política, reconhecidamente ácido nos comentários pessoais, dispensasse informações tão ao gosto do seu meio e até de utilidade. Se a conversa foi tão sucinta ("Nunca mais nos falamos depois disso, nem por telefone"), como Mendonça de Barros saberia, agora, que a comissão "não teria sido paga" mesmo depois do seu encontro com Steinbruch?
Seria completamente fora dos hábitos entre políticos e gente de negócios que o assunto, mesmo que transcorrido como Mendonça de Barros o narra, ficasse restrito a ele e, por sua informação, a Fernando Henrique Cardoso. Mendonça de Barros, em suas rearrumações da entrevista à "Veja", dá uma pista: "Porque todos sabíamos que o processo tinha se desenvolvido com lisura, nenhum de nós deu maior importância ao episódio" (da denúncia de Steinbruch). "Nenhum de nós" para se referir só a Fernando Henrique, já por si Mendonça de Barros conta haver dado a devida importância, tanto que levou o caso ao conhecimento do presidente da República?
Acabou em melancólica frustração a expectativa criada por Mendonça de Barros para a entrevista que anunciou, com pormenores, para a noite de segunda. A impressão deixada foi a remendos urgentes -e inconvincentes, ainda mais-, como se desejasse evitar o contra-ataque que se anunciava no círculo de José Serra e no governo. A intenção mais evidente foi a de recompor-se com Serra e com Fernando Henrique, para isso, entre outros feitos, atribuindo a Steinbruch a iniciativa e a plena responsabilidade pela reportagem em que ele, Mendonça de Barros, entrou com a voz e o elemento mais corrosivos.
Seu argumento, agora, de que Steinbruch soltou a bomba por desejar novos favores do governo é, no mínimo, contrário à lógica de que tal desejo seria um motivo a mais para não causar desagrados tão graves.
De tudo, por ora fica o óbvio: um caso a mais denunciador da privatização e, claro, um caso a mais de prevaricação por recusa presidencial às providências devidas.



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