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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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JANIO DE FREITAS

Vinte anos

Esta coluna faz 20 anos. A rigor, porém, tal constatação é incerta. As datas conferem no calendário, e confirmam-se no alto das páginas do jornal. Mas o tempo brasileiro é único. Não acompanha o andar do tempo no restante do planeta, nem, muito menos, tem relação com o correr do tempo humano. Eis aí:
"Os gestores da administração financeira não conseguiram, em definitivo, chegar a um acordo a respeito das medidas que devem compor o novo pacote, nem tampouco conseguiram concluir, em suas respectivas áreas, os estudos conclusivos sobre as medidas em discussão".
Texto de hoje, sim, como um adendo, sob o conveniente título "Pacote de divergências", às notícias das conflitantes posições e declarações de vários governistas e do próprio presidente, sobre a política econômica. Texto, no entanto, do dia 7 de junho de 1983, primeiro dia do que podem ser 20 anos, iniciados ainda no regime militar. Ou uma data que não seria mais do que uma referência infinitesimal no dia interminável do mesmismo histórico brasileiro. Este longo dia sem ocaso do país onde, entre tantas, a única reforma verdadeira foi na Lei de Lavoisier, reduzida à brasilidade: tudo se perde, nada se cria, nada se transforma.
Na visão mais pessoal, os 20 anos significam, em estimativa razoável, em torno de uns 4.500 artigos. Por sua vez, equivalentes a 20 livros de bons dois dedos de espessura. Ainda assim, continuei não me sentindo articulista. Meu gosto e habilitação no jornalismo, se existem, estão em especialidades exercidas antes da chegada à Folha. Cada coluna me custou o esforço e a apreensão, quase sempre ao longo de todo o dia, e nunca respondida em prazo útil, de conseguir justificar, ou não, o espaço recebido e os minutos do possível leitor. Não invejo os que disparam seus textos na convicção, sempre, de que estão escrevendo coisas ótimas, mas percebo que este é um (ou o) modo de conviver bem com o jornalismo.
Esse convívio, para a maioria de nós, é um complexo de problemas incompreendido pelo leitor e pouco considerado entre jornalistas. O capítulo das tensões sempre me recorda Carlos Castello Branco, inigualável no artigo asséptico, em que só se percebia a existência de um autor pelo estilo brilhante. A aparência de frieza, por muitos tida como indiferença, vigorou mesmo para os amigos até que, ia a "Coluna do Castello" pelos dez anos no "Jornal do Brasil", os cardiologistas do primeiro enfarte de Castellinho decretaram: seu artigo precisava ser escrito pela manhã, apesar dos inconvenientes jornalísticos, para encurtar a tensão corrosiva, até o ponto final, detectada nos exames. São muito interessantes os estudos, feitos em países desenvolvidos, sobre as implicações pessoais da vida de jornalista.
Preferiria não ter escrito a maioria do que aqui escrevi. Não pelo que disse, mas pelo que o motivou. Nem por isso me fiz inimigo de ninguém, embora atraísse inimizades inúmeras. Paciência, é da regra do jornalismo, uma atividade que só existe quando não há acomodação ou comprometimento. E não é a mim que cabe o crédito de tê-la exercido nestes 20 anos. Nisso sou devedor. Pela oportunidade oferecida, quando a Folha me acolheu, em 1980, depois de mais de dez anos sem chance no jornalismo; pela idéia desta coluna, que não foi minha, foi de Octavio Frias pai; e pela incrível independência da Folha, que me permitiu exercer a minha própria. Mesmo sem juros brasileiros, a dívida já nasceu grande demais para que me fosse possível quitá-la.
Daqui para a frente, não sei como será. Ou se será. Por aqui, sinto que estamos todos cansados - leitores, jornal, personagens, autor.



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