São Paulo, quinta-feira, 08 de julho de 2004

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JUSTIÇA

Temas polêmicos, como a súmula vinculante, passam no primeiro turno

Senado aprova reforma com controle externo do Judiciário

SILVANA DE FREITAS
FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O plenário do Senado aprovou ontem, em primeiro turno, o texto principal da reforma do Judiciário, que tramita no Congresso há 12 anos e altera o funcionamento desse Poder. Entre outras medidas, cria um órgão de controle externo, a chamada súmula vinculante e "blinda" as autoridades públicas contra processos.
O texto básico da proposta de emenda constitucional recebeu 62 votos -eram necessários 49 para aprovar a emenda constitucional. O único senador contrário foi Geraldo Mesquita (PSB-AC), para quem a reforma não resolverá o principal problema da Justiça, a lentidão. Heráclito Fortes (PFL-PI) chegou a votar contra, mas disse que havia registrado o voto errado.
Em agosto, o plenário do Senado deverá apreciar 175 pontos divergentes, denominados destaques, e depois a redação final da emenda, na votação em segundo turno. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), descartou o risco de mudanças relevantes no texto que foi aprovado ontem, dizendo que há "um acordo sólido" sobre o tema.
O relator da reforma, senador José Jorge (PFL-PE), disse que não há divergências políticas entre as bancadas dos partidos, mas sim diferentes interesses corporativos em jogo. Grande parte da reforma será promulgada imediatamente após aprovação em segundo turno, o que deve ocorrer em agosto ou setembro. Nela estão incluídos a criação dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público, os órgãos de controle externo e a adoção do mecanismo da súmula vinculante.

Conselho polêmico
O Conselho Nacional de Justiça terá 15 integrantes -nove juízes, dois advogados, dois membros do Ministério Público e dois cidadãos indicados pela Câmara e pelo Senado. Será instalado no prazo de 180 dias. Algumas de suas funções será fiscalizar magistrados suspeitos de corrupção e controlar gastos orçamentários dos tribunais, inclusive com obras.
Pelo texto aprovado ontem, ele não terá o poder de punir o juiz corrupto com a decretação da perda do cargo. Essa medida dependerá de decisão judicial. Todas as decisões do conselho poderão ser contestadas no STF (Supremo Tribunal Federal).
O controle externo tem forte resistência interna no Judiciário, principalmente de desembargadores (membros dos Tribunais de Justiça dos Estados), e poderá ser questionado no STF.
Tanto o STF como o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já firmaram, em votações internas feitas entre seus membros, posição contrária ao controle externo.
"Sou a favor de um conselho, mas formado apenas por ministros de tribunais superiores e Tribunais de Justiça. Creio que um órgão desses composto por juízes e advogados teria corporativismo. No Brasil, decide-se as coisas no emocionalismo, e saímos do nada para o tudo. Isso eu sou contra", afirmou ontem o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Vantuil Abdala.
Anteontem, o presidente do STF, Nelson Jobim, previu o questionamento e disse que o controle externo só será efetivado no próximo ano. "Se for promulgada [a reforma] em agosto, o conselho terá 180 dias para ser instalado. Ele só deverá entrar em funcionamento em 2005. Primeiro porque, no período eleitoral, o Senado e a Câmara não irão indicar os dois cidadãos que irão participar dele. Além disso, o STF deverá receber ação direta de inconstitucionalidade [contra a sua criação]."

Súmula
Já a chamada súmula vinculante é defendida pela maioria dos 11 ministros do STF como única forma de reduzir o volume de recursos sobre temas repetidos, mas tem a oposição da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do próprio ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, um dos mais enfáticos defensores da reforma.
Por ela, os juízes das instâncias inferiores terão de seguir o entendimento do STF sobre determinados temas. Hoje os tribunais já editam súmulas, que são resumos de decisões sobre as quais há vários julgamentos, mas elas não têm efeito vinculante, ou seja, não precisam ser seguidas pelas outras instâncias.

Segunda parte
Outra parte da reforma depende da aprovação da Câmara, porque surgiu no Senado e precisa do exame dos deputados. Nela está a "blindagem" das autoridades contra processos judiciais, por meio da ampliação das hipóteses de foro privilegiado.
O foro privilegiado já existe para ações penais, segundo a Constituição. Por ele, o presidente da República, ministros de Estado, senadores e deputados, por exemplo, só podem ser processados e julgados pelo STF.
Em 2002, uma lei ampliou o foro para autoridades que deixaram o cargo e ações de improbidade. Por chocar-se com o que é previsto na Constituição, ela está sendo contestada no STF.
Agora, por sugestão de José Jorge, a proposta de emenda que vai à Câmara faz a ampliação prevista na lei entrar na Constituição e ainda inclui o foro privilegiado em ações populares -aquelas que qualquer pessoa pode apresentar para tentar anular um ato de improbidade que lese o patrimônio público.
Tanto governistas quanto senadores da oposição comemoraram a aprovação. "O controle externo e a súmula vinculante são uma grande sinalização de que no Brasil a questão do Judiciário é uma das prioridades do Parlamento. Um país em que as instituições não merecem crédito não tem credibilidade", disse o líder do PFL, senador José Agripino (RN).
"O controle externo vai dar transparência ao Judiciário. O concurso público unificado para juízes e a quarentena são medidas moralizadoras, que contribuem para melhorar a imagem da Justiça", afirmou Mercadante.


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