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ENTREVISTA DA 2ª
CPI investiga conexão ligando
Campinas a PC Farias, diz relator
ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília
ABNOR GONDIM
da Sucursal de Brasília
O relator da CPI
do Narcotráfico,
deputado Moroni
Torgan (PFL-CE),
está na pista da conexão entre o crime
organizado de Campinas (SP) e o
de Alagoas. Quer entender por
que algumas empresas da cidade
paulista só existiram durante o
governo Collor (1990-92).
"Temos notícias sobre firmas de
Campinas que foram feitas durante o governo Collor e que foram rapidamente desfeitas depois. Dão idéia de uma conexão
(do crime organizado) com Alagoas", disse à Folha, às 23h30 da
quinta-feira passada, num intervalo da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Gaúcho eleito pela segunda vez
deputado federal pelo Ceará, 43
anos, Torgan disse que essas empresas seriam utilizadas como
""laranjas" do empresário William
Sozza, foragido sob a acusação de
comandar uma quadrilha de roubo de cargas e narcotráfico com ligações em 14 a 16 Estados.
Alguns dos nomes citados em
denúncias, disse Torgan, são de
pessoas ligadas de alguma forma
a PC Farias, que foi tesoureiro do
ex-presidente Fernando Collor e
acabou assassinado em Alagoas.
Delegado da Polícia Federal,
1,90 m de altura, Torgan foi relator da primeira CPI do Narcotráfico (1991) e o grande idealizador
da atual, mas diz que não tem medo de morrer: "Acredito na vida
depois da morte".
Seguem trechos da entrevista:
Folha - No Brasil há um cartel
de quadrilhas estaduais ou uma
grande quadrilha nacional?
Moroni Torgan - Existe um crime organizado nacional. O roubo
das cargas, por exemplo, deixa isso muito evidente. Envolve o pessoal que rouba a carga, o que recebe a mercadoria roubada, o que
troca o caminhão roubado por
droga fora do país, o que recebe e
repassa a droga. Todo esse dinheiro chega e de alguma forma é
lavado por meio de empresas
"fantasmas", de contas de "laranjas". O crime organizado é diferente da quadrilha por isso: porque começa e acaba nele mesmo,
até o usufruto do dinheiro.
Folha - Está comprovada a conexão entre Hildebrando Pascoal, no Acre, William Sozza, em
Campinas, José Gerardo, no Maranhão, e Viriato Correia Lima,
no Piauí?
Torgan - Os próprios caras dizem. O pistoleiro José Humberto
Gomes de Oliveira, o Bel, que foi
um dos assassinos do delegado
Stenio Mendonça, em 1997, e
também morreu, recebeu no Maranhão vários telefonemas do William Sozza, de Campinas.
O Bel era ligado ao Joaquim
Lauristo (foragido), que era ligado ao deputado estadual José Gerardo de Abreu (PPB-MA), acusado de comandar o crime organizado no Maranhão. Há uma conexão forte entre eles. Os caminhões e mercadorias roubados
em São Paulo eram levados para o
Nordeste e vice-versa.
Folha - O que há, até agora,
envolvendo Campinas com Alagoas, com a família Farias?
Torgan - Por meio das denúncias que continuamos recebendo,
pelo número 0800-619619, nós temos tido notícias de "laranjas" ligados ao William Sozza, de firmas
que foram feitas durante o governo Collor (90-92) e que foram rapidamente desfeitas depois do governo Collor. Dão idéia de uma
conexão com Alagoas, mas, por
enquanto, é apenas uma idéia.
Folha - E a situação do legista
Badan Palhares?
Torgan - Segundo o deputado
Pompeo de Mattos (PDT-RS), a
denúncia seria que um gerente de
banco negou empréstimo ao José
Gerardo e, posteriormente, o filho
desse gerente sumiu. Houve muitas contradições no laudo do Badan Palhares sobre o corpo de um
menino encontrado naquela ocasião. O que o Badan Palhares foi
fazer no Maranhão? Por isso, nós
aprovamos um requerimento para ouvi-lo. Nós, na CPI, temos de
ter muita responsabilidade para
não enxovalhar o nome de qualquer pessoa de maneira irresponsável, mas queremos tudo bem
esclarecido.
Folha - E as ligações entre Alagoas e Maranhão?
Torgan - Rogério Farias, irmão
do deputado Augusto Farias
(PPB-AL), foi comprar uma fazenda justamente na rota do crime do Maranhão, ao lado da base
eleitoral de José Gerardo. Os bandidos disseram que usaram o carro da fazenda para assaltos e até a
própria fazenda para fazer reuniões. Isso é um fato relevante,
sem dúvida nenhuma.
Folha - A Folha publicou reportagens em 1997 mostrando
ligações entre PC Farias e a máfia italiana. A CPI está aprofundando as conexões entre máfias
brasileiras e estrangeiras?
Torgan - A CPI pediu informações aos governos dos Estados
Unidos, da Itália, do Paraguai, da
Holanda e da África do Sul. Estamos esperando os relatórios.
Folha - Quem já caiu na rede
da CPI?
Torgan - Já tivemos várias pessoas presas no Acre e no Maranhão, inclusive policiais militares
e civis. Diretamente pela CPI, dois
delegados já foram presos, dois
prefeitos e um ex-deputado.
Também foram pedidas as prisões dos deputados estaduais
Chico Caíca (PST-MA) e José Gerardo, além de William Sozza.
Folha - Até onde o sr. acha que
a CPI vai chegar?
Torgan - Diretamente pela CPI,
acredito que a gente deva chegar à
prisão de 150 pessoas. Para desarticular, é preciso pegar primeiro
os cabeças.
Folha - Quais informações
quentes a CPI vem recebendo
sobre Campinas?
Torgan - São endereços, locais,
nomes de pessoas que estariam
sendo utilizadas como ""laranjas"
de Sozza, nomes de pessoas ligadas de alguma forma à atuação de
PC. Não falaram de Augusto Farias, mas de Paulo César Farias.
Há denúncias de que algumas
das empresas seriam "laranjas",
de certa forma confirmando o
que disse o motorista Jorge Meres
(ex-integrante da suposta quadrilha de Sozza e Gerardo).
Há indícios bem fortes contra
Sozza. Tanto é que o pedido de
prisão já foi decretado e ele está,
inclusive, foragido. Há um esquema de policiais que lhe dão cobertura. Como, aliás, há um esquema
de empresários dando cobertura
à lavagem de dinheiro dele. Há indícios muito fortes de tudo isso.
Já temos também os locais de
descarregamento de cargas, tudo
direitinho. São seis ou sete e,
quando formos a Campinas, nos
dias 16 e 17, vamos andar nesses
locais. O Jorge Meres vai junto.
Folha - A Polícia Federal já foi
lá. O que encontrou? Garagens?
Depósitos?
Torgan - O presidente da CPI já
encaminhou as denúncias para a
PF, que já começou as checagens.
São várias empresas de fachada,
só para lavagem de dinheiro.
Uma era do próprio Meres.
Folha - E a boate que o William
Sozza tinha em Campinas?
Torgan - Essa boate servia para
aliciamento de policiais. Dizem
que era um prostíbulo, uma boate
de striptease, com mulheres de
programa. Os maiores frequentadores eram policiais. Muitas vezes, a boate era até franqueada para eles.
Folha - Há quem desconfie
que Sozza esteja sob proteção
da CPI. É verdade?
Torgan - William Sozza? Não,
não. Meu medo, inclusive, é que
tenham acabado com ele.
Folha - E o traficante Fernandinho Beira-Mar, do Rio?
Torgan - Ele só tem uma opção.
É se apresentar à CPI e tentar o
melhor acordo possível. O potencial do Fernando Beira-Mar é
grande, como o do Sozza.
Folha - Eles correm risco de vida?
Torgan - São arquivos vivos, aos
quais foi dada publicidade. Para o
narcotráfico, arquivo vivo ao qual
é dada publicidade é praticamente arquivo morto.
Se o Fernandinho Beira-Mar
decidir colaborar com a CPI, nós
teremos um grande instrumento.
Se ele decidir não colaborar, o
azar vai ser dele, porque eu acredito que, mais dia, menos dia, ele
não vai poder colaborar com mais
ninguém. Ele vai acabar é debaixo
da terra.
Folha - Toda vez que aparece
um suposto chefão do tráfico no
Rio é um garoto de 18 anos, pé-rapado, que mal sabe ler...
Torgan - Uns porcaria (sic)...
Aquilo são soldados descartáveis,
que podem ser mortos a qualquer
momento.
Folha - Ainda há pouco, o sr.
falou que a intenção é pegar os
cabeças, os chefões. No Rio, isso
pode significar o quê? Políticos,
empresários, juízes, policiais?
Torgan - Onde há narcotráfico
há infiltração nos Três Poderes.
Não posso acreditar que no Rio
seja diferente, sendo que o Rio é
um dos maiores centros de tráfico
de drogas do país. Sem dúvida nenhuma, e o Fernandinho Beira-Mar já disse publicamente que há
autoridades envolvidas nisso.
Folha - O pessoal da Polícia Civil do Rio apontou que Beira-Mar é um traficante de segunda
no esquema.
Torgan - Se apontou, apontou
errado. Todo mundo no Rio sabe
que ele trabalha no Paraguai e é
um grande abastecedor de droga
do Rio. Eu estranho quando tentam minimizar esse negócio. Ou
são muito desinformados, e aí se
explica porque nunca se resolveu
o problema do narcotráfico, ou
então tem alguma culpabilidade.
Folha - Qual a importância dos
relatórios do governo do Rio e
do Ministério Público do Estado
entregues à CPI?
Torgan - O primeiro relatório
era tão primário que parecia história para criança ouvir. Se vier
um dossiê sério, ele vai nos dar a
oportunidade de começar a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico e vai ser possível fechar as
conexões que existem. Eu acho,
aliás, que homem público não
tem que ter sigilo nenhum. Deveria ser tudo aberto.
Estamos investigando cerca de
70 casas de câmbio, não só no Rio,
mas no Ceará, em vários Estados.
Elas estão na lavagem de dinheiro
e têm ainda a possibilidade de
usar a CC-5 (conta para estrangeiro residente no país) e mandar o
dinheiro para fora.
Folha - Quando o sr. fala "nós
estamos investigando", está se
referindo a quem?
Torgan - Nós estamos atuando
com a estrutura da Polícia Federal, do Banco Central, da Receita
Federal, da Anatel, do Tribunal de
Contas da União. Mas precisamos
aumentar nossa estrutura na área
bancária. Temos dois do BC, mas
precisaríamos no mínimo de dez.
Esse, aliás, é um dos motivos da
visita da CPI ao presidente Fernando Henrique Cardoso na terça-feira (amanhã).
Folha - A morte da prefeita
Dorcelina Folador (PT) é um caso para a CPI?
Torgan - Pode ser, mas vamos
esperar de 15 a 20 dias para definir
se o assassinato está ou não ligado
ao narcotráfico.
Folha - A CPI vai entrar em Estados não falados até agora?
Torgan - Vamos tentar chegar
aos cabeças de Campinas e talvez
se chegue até a uma conexão com
o tráfico no interior de São Paulo,
que praticamente se equivale ao
de qualquer país da Europa, de
tão grande.
Folha - É exagero dizer que
Campinas pode ser o centro do
narcotráfico do país?
Torgan - Talvez não seja centro,
mas não é exagero dizer que é a
sede desse crime organizado que
atua em 14 ou 16 Estados, com
subsedes no Norte e no Nordeste.
Depois, vamos rumar para o
Rio e vamos até São Paulo, onde a
máfia nigeriana está entrando
com muita força de uns três anos
para cá, devido à facilidade que
eles encontraram. E mais: Mato
Grosso, Goiás, Polígono da Maconha, em Pernambuco.
Folha - A CPI ganhou mais 120
dias. Não vai acabar se tornando fixa?
Torgan - É o que todo mundo
pergunta, mas não sei se os membros da comissão aguentam.
Folha - O sr. não tem medo de
levar um tiro no peito, ali na esquina?
Torgan - Um dia um cara me ligou e disse: "Você vai morrer". Eu
respondi: "E você, não vai?".
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