São Paulo, Segunda-feira, 08 de Novembro de 1999
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ENTREVISTA DA 2ª

CPI investiga conexão ligando Campinas a PC Farias, diz relator

ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília
ABNOR GONDIM
da Sucursal de Brasília

O relator da CPI do Narcotráfico, deputado Moroni Torgan (PFL-CE), está na pista da conexão entre o crime organizado de Campinas (SP) e o de Alagoas. Quer entender por que algumas empresas da cidade paulista só existiram durante o governo Collor (1990-92).
"Temos notícias sobre firmas de Campinas que foram feitas durante o governo Collor e que foram rapidamente desfeitas depois. Dão idéia de uma conexão (do crime organizado) com Alagoas", disse à Folha, às 23h30 da quinta-feira passada, num intervalo da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Gaúcho eleito pela segunda vez deputado federal pelo Ceará, 43 anos, Torgan disse que essas empresas seriam utilizadas como ""laranjas" do empresário William Sozza, foragido sob a acusação de comandar uma quadrilha de roubo de cargas e narcotráfico com ligações em 14 a 16 Estados.
Alguns dos nomes citados em denúncias, disse Torgan, são de pessoas ligadas de alguma forma a PC Farias, que foi tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor e acabou assassinado em Alagoas.
Delegado da Polícia Federal, 1,90 m de altura, Torgan foi relator da primeira CPI do Narcotráfico (1991) e o grande idealizador da atual, mas diz que não tem medo de morrer: "Acredito na vida depois da morte".
Seguem trechos da entrevista:

Folha - No Brasil há um cartel de quadrilhas estaduais ou uma grande quadrilha nacional?
Moroni Torgan -
Existe um crime organizado nacional. O roubo das cargas, por exemplo, deixa isso muito evidente. Envolve o pessoal que rouba a carga, o que recebe a mercadoria roubada, o que troca o caminhão roubado por droga fora do país, o que recebe e repassa a droga. Todo esse dinheiro chega e de alguma forma é lavado por meio de empresas "fantasmas", de contas de "laranjas". O crime organizado é diferente da quadrilha por isso: porque começa e acaba nele mesmo, até o usufruto do dinheiro.

Folha - Está comprovada a conexão entre Hildebrando Pascoal, no Acre, William Sozza, em Campinas, José Gerardo, no Maranhão, e Viriato Correia Lima, no Piauí?
Torgan -
Os próprios caras dizem. O pistoleiro José Humberto Gomes de Oliveira, o Bel, que foi um dos assassinos do delegado Stenio Mendonça, em 1997, e também morreu, recebeu no Maranhão vários telefonemas do William Sozza, de Campinas.
O Bel era ligado ao Joaquim Lauristo (foragido), que era ligado ao deputado estadual José Gerardo de Abreu (PPB-MA), acusado de comandar o crime organizado no Maranhão. Há uma conexão forte entre eles. Os caminhões e mercadorias roubados em São Paulo eram levados para o Nordeste e vice-versa.

Folha - O que há, até agora, envolvendo Campinas com Alagoas, com a família Farias?
Torgan -
Por meio das denúncias que continuamos recebendo, pelo número 0800-619619, nós temos tido notícias de "laranjas" ligados ao William Sozza, de firmas que foram feitas durante o governo Collor (90-92) e que foram rapidamente desfeitas depois do governo Collor. Dão idéia de uma conexão com Alagoas, mas, por enquanto, é apenas uma idéia.

Folha - E a situação do legista Badan Palhares?
Torgan -
Segundo o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), a denúncia seria que um gerente de banco negou empréstimo ao José Gerardo e, posteriormente, o filho desse gerente sumiu. Houve muitas contradições no laudo do Badan Palhares sobre o corpo de um menino encontrado naquela ocasião. O que o Badan Palhares foi fazer no Maranhão? Por isso, nós aprovamos um requerimento para ouvi-lo. Nós, na CPI, temos de ter muita responsabilidade para não enxovalhar o nome de qualquer pessoa de maneira irresponsável, mas queremos tudo bem esclarecido.

Folha - E as ligações entre Alagoas e Maranhão?
Torgan -
Rogério Farias, irmão do deputado Augusto Farias (PPB-AL), foi comprar uma fazenda justamente na rota do crime do Maranhão, ao lado da base eleitoral de José Gerardo. Os bandidos disseram que usaram o carro da fazenda para assaltos e até a própria fazenda para fazer reuniões. Isso é um fato relevante, sem dúvida nenhuma.

Folha - A Folha publicou reportagens em 1997 mostrando ligações entre PC Farias e a máfia italiana. A CPI está aprofundando as conexões entre máfias brasileiras e estrangeiras?
Torgan -
A CPI pediu informações aos governos dos Estados Unidos, da Itália, do Paraguai, da Holanda e da África do Sul. Estamos esperando os relatórios.

Folha - Quem já caiu na rede da CPI?
Torgan -
Já tivemos várias pessoas presas no Acre e no Maranhão, inclusive policiais militares e civis. Diretamente pela CPI, dois delegados já foram presos, dois prefeitos e um ex-deputado. Também foram pedidas as prisões dos deputados estaduais Chico Caíca (PST-MA) e José Gerardo, além de William Sozza.

Folha - Até onde o sr. acha que a CPI vai chegar?
Torgan -
Diretamente pela CPI, acredito que a gente deva chegar à prisão de 150 pessoas. Para desarticular, é preciso pegar primeiro os cabeças.

Folha - Quais informações quentes a CPI vem recebendo sobre Campinas?
Torgan -
São endereços, locais, nomes de pessoas que estariam sendo utilizadas como ""laranjas" de Sozza, nomes de pessoas ligadas de alguma forma à atuação de PC. Não falaram de Augusto Farias, mas de Paulo César Farias.
Há denúncias de que algumas das empresas seriam "laranjas", de certa forma confirmando o que disse o motorista Jorge Meres (ex-integrante da suposta quadrilha de Sozza e Gerardo).
Há indícios bem fortes contra Sozza. Tanto é que o pedido de prisão já foi decretado e ele está, inclusive, foragido. Há um esquema de policiais que lhe dão cobertura. Como, aliás, há um esquema de empresários dando cobertura à lavagem de dinheiro dele. Há indícios muito fortes de tudo isso.
Já temos também os locais de descarregamento de cargas, tudo direitinho. São seis ou sete e, quando formos a Campinas, nos dias 16 e 17, vamos andar nesses locais. O Jorge Meres vai junto.

Folha - A Polícia Federal já foi lá. O que encontrou? Garagens? Depósitos?
Torgan -
O presidente da CPI já encaminhou as denúncias para a PF, que já começou as checagens. São várias empresas de fachada, só para lavagem de dinheiro. Uma era do próprio Meres.

Folha - E a boate que o William Sozza tinha em Campinas?
Torgan -
Essa boate servia para aliciamento de policiais. Dizem que era um prostíbulo, uma boate de striptease, com mulheres de programa. Os maiores frequentadores eram policiais. Muitas vezes, a boate era até franqueada para eles.

Folha - Há quem desconfie que Sozza esteja sob proteção da CPI. É verdade?
Torgan -
William Sozza? Não, não. Meu medo, inclusive, é que tenham acabado com ele.

Folha - E o traficante Fernandinho Beira-Mar, do Rio?
Torgan -
Ele só tem uma opção. É se apresentar à CPI e tentar o melhor acordo possível. O potencial do Fernando Beira-Mar é grande, como o do Sozza.

Folha - Eles correm risco de vida?
Torgan -
São arquivos vivos, aos quais foi dada publicidade. Para o narcotráfico, arquivo vivo ao qual é dada publicidade é praticamente arquivo morto.
Se o Fernandinho Beira-Mar decidir colaborar com a CPI, nós teremos um grande instrumento. Se ele decidir não colaborar, o azar vai ser dele, porque eu acredito que, mais dia, menos dia, ele não vai poder colaborar com mais ninguém. Ele vai acabar é debaixo da terra.

Folha - Toda vez que aparece um suposto chefão do tráfico no Rio é um garoto de 18 anos, pé-rapado, que mal sabe ler...
Torgan -
Uns porcaria (sic)... Aquilo são soldados descartáveis, que podem ser mortos a qualquer momento.

Folha - Ainda há pouco, o sr. falou que a intenção é pegar os cabeças, os chefões. No Rio, isso pode significar o quê? Políticos, empresários, juízes, policiais?
Torgan -
Onde há narcotráfico há infiltração nos Três Poderes. Não posso acreditar que no Rio seja diferente, sendo que o Rio é um dos maiores centros de tráfico de drogas do país. Sem dúvida nenhuma, e o Fernandinho Beira-Mar já disse publicamente que há autoridades envolvidas nisso.

Folha - O pessoal da Polícia Civil do Rio apontou que Beira-Mar é um traficante de segunda no esquema.
Torgan -
Se apontou, apontou errado. Todo mundo no Rio sabe que ele trabalha no Paraguai e é um grande abastecedor de droga do Rio. Eu estranho quando tentam minimizar esse negócio. Ou são muito desinformados, e aí se explica porque nunca se resolveu o problema do narcotráfico, ou então tem alguma culpabilidade.

Folha - Qual a importância dos relatórios do governo do Rio e do Ministério Público do Estado entregues à CPI?
Torgan -
O primeiro relatório era tão primário que parecia história para criança ouvir. Se vier um dossiê sério, ele vai nos dar a oportunidade de começar a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico e vai ser possível fechar as conexões que existem. Eu acho, aliás, que homem público não tem que ter sigilo nenhum. Deveria ser tudo aberto.
Estamos investigando cerca de 70 casas de câmbio, não só no Rio, mas no Ceará, em vários Estados. Elas estão na lavagem de dinheiro e têm ainda a possibilidade de usar a CC-5 (conta para estrangeiro residente no país) e mandar o dinheiro para fora.

Folha - Quando o sr. fala "nós estamos investigando", está se referindo a quem?
Torgan -
Nós estamos atuando com a estrutura da Polícia Federal, do Banco Central, da Receita Federal, da Anatel, do Tribunal de Contas da União. Mas precisamos aumentar nossa estrutura na área bancária. Temos dois do BC, mas precisaríamos no mínimo de dez. Esse, aliás, é um dos motivos da visita da CPI ao presidente Fernando Henrique Cardoso na terça-feira (amanhã).

Folha - A morte da prefeita Dorcelina Folador (PT) é um caso para a CPI?
Torgan -
Pode ser, mas vamos esperar de 15 a 20 dias para definir se o assassinato está ou não ligado ao narcotráfico.

Folha - A CPI vai entrar em Estados não falados até agora?
Torgan -
Vamos tentar chegar aos cabeças de Campinas e talvez se chegue até a uma conexão com o tráfico no interior de São Paulo, que praticamente se equivale ao de qualquer país da Europa, de tão grande.

Folha - É exagero dizer que Campinas pode ser o centro do narcotráfico do país?
Torgan -
Talvez não seja centro, mas não é exagero dizer que é a sede desse crime organizado que atua em 14 ou 16 Estados, com subsedes no Norte e no Nordeste.
Depois, vamos rumar para o Rio e vamos até São Paulo, onde a máfia nigeriana está entrando com muita força de uns três anos para cá, devido à facilidade que eles encontraram. E mais: Mato Grosso, Goiás, Polígono da Maconha, em Pernambuco.

Folha - A CPI ganhou mais 120 dias. Não vai acabar se tornando fixa?
Torgan -
É o que todo mundo pergunta, mas não sei se os membros da comissão aguentam.

Folha - O sr. não tem medo de levar um tiro no peito, ali na esquina?
Torgan -
Um dia um cara me ligou e disse: "Você vai morrer". Eu respondi: "E você, não vai?".




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