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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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CASO SANTO ANDRÉ

Telefonema à PM contradiz Gomes da Silva, que não explica disparos e diz que ficou com arma na mão

Gravação compromete versão de empresário

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma gravação feita pelo 190 da Polícia Militar, minutos depois do sequestro de Celso Daniel (PT), compromete a versão apresentada pelo empresário Sérgio Gomes da Silva, denunciado pelo Ministério Público de São Paulo como um dos mandantes do assassinato do prefeito. A transcrição da gravação está no processo que apura o crime e nunca foi revelada.
Na noite de 18 de janeiro do ano passado, um morador da rua Antonio Bezerra, zona sul de São Paulo, escutou uma sucessão de tiros enquanto tomava banho. Assustado, olhou pela janela de sua casa e viu uma Pajero abandonada e um homem fora do carro com um revólver na mão. Às 23h20, ligou para o 190 da PM e, enquanto relatava a cena, ouviu dois novos disparos.
Tudo foi gravado pelo telefone da polícia. Com o primeiro tiro, cujo som é mais claro na gravação, o morador se assusta e pergunta ao telefonista se ele também ouviu o disparo. Em seguida, um novo estampido, aparentemente mais distante.
O homem com a arma na mão era o empresário Gomes da Silva. Minutos antes, no começo da rua Antonio Bezerra, o prefeito de Santo André havia sido levado por uma quadrilha da favela Pantanal -Daniel foi encontrado morto a tiros dois dias depois.
O que não se entende é por que dois novos tiros foram dados, se os três carros envolvidos no sequestro já teriam fugido com Daniel. Segundo o depoimento do morador, cujo nome é mantido em sigilo, entre ver a cena e ligar para a polícia, passaram-se de dois a três minutos.
Ao ser questionado sobre os disparos tardios, Gomes da Silva descreveu o momento em que Daniel foi levado pelos bandidos.
"Eles saíram correndo com o Celso [Daniel] para o carro deles, que estava a uns metros acima. Eu parei, coloquei a mão no banco de trás para pegar meu revólver dentro da minha bolsa. Desci com a arma na mão e fiquei na rua. Disquei para o 190, perguntei [a uns moradores] em que rua estava e chamei a polícia." O diálogo do empresário com a Polícia Militar também foi gravado e está nos autos do processo.
Novamente questionado sobre os estampidos posteriores, foi lacônico: "Foi isso que aconteceu. Foi isso que aconteceu", disse referindo-se à história contada.
Para o Ministério Público, os disparos teriam sido efetuados pelo empresário com o objetivo de simular um violento sequestro.
A essa versão os promotores acrescentam que, quando os oito tiros atingiram a Pajero, o carro estava parado -a trajetória das balas é perpendicular, impossível em uma situação de movimento.
Segundo o laudo, a Pajero tinha um tiro no vidro do motorista, outros dois no lado do passageiro, quatro no vidro traseiro direito e um no pneu traseiro direito.
A pistola 380 que estava com Gomes da Silva foi apreendida. Perícia revelou vestígios de disparos recentes. No local, foi encontrado um cartucho de uma 9 mm. Não é possível saber, de maneira conclusiva, que tipo de arma atingiu a blindagem do carro.
A conclusão de que o carro estava parado quando foi alvejado entra em conflito com o primeiro depoimento de Gomes da Silva, no dia do sequestro. Ele havia dito que, com um pneu furado, a Pajero havia parado, as portas destravaram, e Daniel foi arrancado -a perícia concluiu que as travas não apresentavam defeito.
Depois, à polícia, disse que parou o carro em razão de um problema mecânico. "Por que o carro estava parado?", pergunta ele, que responde: "Na fuga, de repente, o carro... E foi isso que eu disse, o motor girava em falso, a marcha não engatava e, mesmo depois, pensava que isso era impossível".
O empresário afirmou ter recebido uma explicação de um homem de São Paulo. "Esse homem, que nem sei quem é, disse que, ao esbarrar no câmbio 4X4, não sei explicar, o motor gira em falso, não engata a marcha."
Sobre uma suposta versão de que o carro teria morrido, ele afirmou nunca ter dito isso. Ontem, a Folha tentou ouvir o advogado do empresário sobre a gravação da PM, mas não conseguiu contato.



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