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Mistério e isolamento são marca de "bolha" de Bush
Assim é chamado o esquema de acompanhamento das viagens do americano ao exterior
Para poder participar de comitiva, jornalista tem que ter nome aprovado por 16 agências de inteligência
e bagagem escrutinada
SÉRGIO DÁVILA
EM SÃO PAULO
O primeiro sinal de que você
está entrando na "bolha", como
os correspondentes veteranos
chamam o esquema de acompanhamento do presidente
norte-americano em suas viagens ao exterior, são os e-mails
cifrados, parcos de informações, que sua caixa postal começa a receber de pessoas do
Departamento de Viagens da
Casa Branca nas semanas que
antecedem o périplo.
O departamento é conhecido
pela eficiência com que organiza tudo e pelas contas absurdamente altas que apresenta aos
jornalistas ao final de cada giro
de George W. Bush.
Na bolha, aliás, Bush não é
Bush: é Potus, acrônimo de
"president of the United States", presidente dos Estados
Unidos. É mais seguro se seu
nome não estiver escrito nas
comunicações.
Para entrar na bolha, você
tem de ter o nome "liberado"
por 16 agências de inteligência,
e sua bagagem deve passar pelo
escrutínio da segurança da Casa Branca 12 horas antes do embarque no avião. Que sairá, você fica sabendo pouco antes, da
Base Aérea Andrews.
Só dentro do 747 é divulgada
a agenda oficial do presidente.
É só então que se fica sabendo
de verdade o destino de todos
pelos próximos sete dias.
Na aeronave da bolha, há um
sistema de castas. Nas últimas
fileiras, sentam-se as estenógrafas, que cuidarão de transcrever todas as falas e entrevistas oficiais. Logo depois, vêm os
23 agentes do Serviço Secreto,
que você reconhece pelo cabelo
cortado à escovinha e pela
quantidade de "Yes, sir" no ar.
Salpicados aqui e ali, funcionários da Casa Branca, das Embaixadas nos países a ser visitados, do serviço presidencial de
imprensa. E a imprensa, 80 jornalistas espalhados pela classes
econômica e executiva e pela
primeira classe, embora todos
paguem o mesmo valor. Dependendo da constância com
que viajam e das amizades certas, recebem "upgrades".
Na nossa viagem, a primeira
cadeira da primeira classe é
ocupada pela Fox News, o canal
de notícias claramente a favor
do presidente republicano.
Outra constante: TVs são
mais importantes que jornais,
que são mais importantes que
agências de notícias, que são
mais importantes que Internet,
que são mais importantes que
rádios. No fim de todos, vem a
Al Jazira. A emissora do Catar,
crítica constante das políticas
da Casa Branca, é a única a não
ganhar uma fileira inteira para
que sua correspondente se espalhe. Senta-se no meio da fileira central da econômica.
Em solo brasileiro, a bolha é
recebida por dez veículos, e dezenas de policiais federais, funcionários do consulado americano em São Paulo e meia dúzia
de militares. Será escoltada por
batedores da PM, que pararão o
trânsito impossível das marginais algumas vezes durante o
trajeto até o hotel. Todos fazem
o possível para evitar que a bolha tenha contato com a realidade. "Uma vez, fecharam uma
cidade inteira para nós!", gaba-se uma americana.
Como único jornalista brasileiro na bolha, o repórter da Folha será obrigado a responder a
perguntas constrangedoras.
"Isso é um rio ou só água suja?"
é a dúvida de um espanhol sobre o Tietê. "Onde estão os protestos?", indaga a equipe da Al
Jazira. A norte-americana
aponta dois cavalos pastando
num terreno e parece aceitar o
meio de transporte como fato
consumado.
E a bolha chega ao hotel.
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