São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mistério e isolamento são marca de "bolha" de Bush

Assim é chamado o esquema de acompanhamento das viagens do americano ao exterior

Para poder participar de comitiva, jornalista tem que ter nome aprovado por 16 agências de inteligência e bagagem escrutinada


SÉRGIO DÁVILA
EM SÃO PAULO

O primeiro sinal de que você está entrando na "bolha", como os correspondentes veteranos chamam o esquema de acompanhamento do presidente norte-americano em suas viagens ao exterior, são os e-mails cifrados, parcos de informações, que sua caixa postal começa a receber de pessoas do Departamento de Viagens da Casa Branca nas semanas que antecedem o périplo.
O departamento é conhecido pela eficiência com que organiza tudo e pelas contas absurdamente altas que apresenta aos jornalistas ao final de cada giro de George W. Bush.
Na bolha, aliás, Bush não é Bush: é Potus, acrônimo de "president of the United States", presidente dos Estados Unidos. É mais seguro se seu nome não estiver escrito nas comunicações.
Para entrar na bolha, você tem de ter o nome "liberado" por 16 agências de inteligência, e sua bagagem deve passar pelo escrutínio da segurança da Casa Branca 12 horas antes do embarque no avião. Que sairá, você fica sabendo pouco antes, da Base Aérea Andrews.
Só dentro do 747 é divulgada a agenda oficial do presidente. É só então que se fica sabendo de verdade o destino de todos pelos próximos sete dias.
Na aeronave da bolha, há um sistema de castas. Nas últimas fileiras, sentam-se as estenógrafas, que cuidarão de transcrever todas as falas e entrevistas oficiais. Logo depois, vêm os 23 agentes do Serviço Secreto, que você reconhece pelo cabelo cortado à escovinha e pela quantidade de "Yes, sir" no ar.
Salpicados aqui e ali, funcionários da Casa Branca, das Embaixadas nos países a ser visitados, do serviço presidencial de imprensa. E a imprensa, 80 jornalistas espalhados pela classes econômica e executiva e pela primeira classe, embora todos paguem o mesmo valor. Dependendo da constância com que viajam e das amizades certas, recebem "upgrades".
Na nossa viagem, a primeira cadeira da primeira classe é ocupada pela Fox News, o canal de notícias claramente a favor do presidente republicano.
Outra constante: TVs são mais importantes que jornais, que são mais importantes que agências de notícias, que são mais importantes que Internet, que são mais importantes que rádios. No fim de todos, vem a Al Jazira. A emissora do Catar, crítica constante das políticas da Casa Branca, é a única a não ganhar uma fileira inteira para que sua correspondente se espalhe. Senta-se no meio da fileira central da econômica.
Em solo brasileiro, a bolha é recebida por dez veículos, e dezenas de policiais federais, funcionários do consulado americano em São Paulo e meia dúzia de militares. Será escoltada por batedores da PM, que pararão o trânsito impossível das marginais algumas vezes durante o trajeto até o hotel. Todos fazem o possível para evitar que a bolha tenha contato com a realidade. "Uma vez, fecharam uma cidade inteira para nós!", gaba-se uma americana.
Como único jornalista brasileiro na bolha, o repórter da Folha será obrigado a responder a perguntas constrangedoras. "Isso é um rio ou só água suja?" é a dúvida de um espanhol sobre o Tietê. "Onde estão os protestos?", indaga a equipe da Al Jazira. A norte-americana aponta dois cavalos pastando num terreno e parece aceitar o meio de transporte como fato consumado.
E a bolha chega ao hotel.


Texto Anterior: Protestos contra norte-americano se espalham pelo país
Próximo Texto: TV Al Jazira é expulsa do Viaduto do Chá
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.