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ENTREVISTA DA 2ª - JOSÉ GOMES TEMPORÃO
Debate sobre aborto ainda é muito precário no Brasil
Ministro da Saúde diz que pesquisa do Datafolha reflete discussão superficial
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
PARA O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, 56, a rejeição dos brasileiros à descriminalização do aborto -evidenciada em
pesquisa do Datafolha publicada ontem, segundo a qual 65% são contra a ampliação da lei atual-
é resultado de um debate "ainda muito precário" sobre o assunto no país.
No mês passado, logo após ser empossado por Lula
no cargo, ele defendeu a realização de um plebiscito
sobre o tema. Em sua avaliação, o aborto precisa ser
analisado do ponto de vista da saúde pública, mas ainda faltam elementos para subsidiar essa discussão.
FOLHA - O Datafolha mostrou que
65% dos brasileiros são contra mudanças na lei do aborto. A sociedade
está preparada para a discussão?
JOSÉ GOMES TEMPORÃO - O resultado da pesquisa não me surpreendeu porque acho que a
sociedade brasileira sempre
debateu o tema de maneira superficial. Meu objetivo, quando
toquei nesse tema há cerca de
duas semanas, era chamar a
atenção para um debate que
sempre foi feito dentro de um
contexto moral, filosófico ou
religioso, mas não no contexto
de saúde pública.
Acho que a pesquisa do Datafolha captou um nível de debate ainda muito precário no Brasil. Em Portugal, eles primeiro
fizeram um plebiscito há nove
anos -que manteve a legislação em vigor na época- e depois discutiram mais nove anos
para realizar um novo plebiscito [em fevereiro], quando a sociedade acabou tomando outra
posição.
Essa é uma questão que suscita muitos debates entusiasmados e apaixonados, mas que
colocam um véu sobre as questões que, para nós, sanitaristas,
são importantes, como as situações que levam mulheres e casais a passarem por esse sofrimento.
Para subsidiar esse debate,
temos que aperfeiçoar nosso
conjunto de informações para
que possamos ter uma discussão mais aprofundada. No ano
passado, o SUS (Sistema Único
de Saúde) realizou 2.000 abortos legais e 220 mil curetagens
pós-aborto na rede. Não posso
afirmar com segurança a percentagem desses 220 mil procedimentos que foram feitos
em decorrência de um aborto
espontâneo ou de abortos realizados em condições inseguras.
Essa é uma informação relevante para a discussão.
FOLHA - Se fosse feito hoje um plebiscito, o senhor votaria pela mudança na lei?
TEMPORÃO - Eu te diria que, do
ponto de vista da saúde pública,
hoje a minha visão é pela legalização, mas não gostaria de me
posicionar agora porque, quando o debate for aprofundado, eu
poderei captar com mais sutileza as diversas posições e nuances sobre o assunto. Isso vai depender de um conjunto de outras informações de que o sistema de saúde não dispõe ainda
para ver com mais clareza essa
situação. Acho que o mais saudável disso tudo será o debate.
FOLHA - O plebiscito é uma proposta sua ou de governo?
TEMPORÃO - Nesse momento
não há uma posição do governo
sobre isso. Eu explicitei essa
questão como uma opinião de
um ministro recém-assumido
apenas quando fui questionado
sobre o assunto numa entrevista ao jornal "O Dia".
Mas é evidente que essa é
uma questão latente. No Congresso, há uma série de projetos
sobre o tema. Vejo esse tema
como importante de ser discutido dentro da questão dos direitos sexuais e reprodutivos.
No futuro, o governo pode vir a
tomar uma posição.
FOLHA - Que medidas o sr. pretende tomar para ampliar o acesso a
meios contraceptivos como pílulas e
preservativos?
TEMPORÃO - Primeiro, é importante ter acesso a informação,
que começa na escola com educação sexual e conhecimento
dos métodos contraceptivos. A
pesquisa do Datafolha mostra
que a sociedade aprova plenamente [94% da população] o
uso do preservativo, o que destaca a importância da política
de conscientização.
No entanto, se você não garante a informação adequada
de um lado e o acesso aos métodos de outro, você apenas finge
que tem uma política de acesso
aos meios contraceptivos. Hoje, a população que procura os
postos de saúde em busca de
métodos contraceptivos distribuídos gratuitamente ou não
vai encontrá-los ou vai encontrá-los de maneira esporádica.
Isso acontece em grande parte
por causa da estratégia de aquisição e distribuição desses métodos por parte do ministério.
FOLHA - Onde o ministério falha?
TEMPORÃO - O ministério hoje
faz licitação nacional para aquisição de centenas de milhares
de cartelas de pílulas. Essa
compra é feita de maneira centralizada. O material é estocado
em Brasília e depois tem inicio
a distribuição pelos 5.500 municípios brasileiros.
É uma estratégia completamente equivocada. Basta ver o
custo e as perdas no processo
de distribuição. Temos que repensá-la. Esse processo tem
que ser feito em parceria com
os Estados e municípios.
Minha idéia é preparar um
levantamento, detectar onde
estamos falhando e sentar com
os secretários de saúde para
construir uma estratégia de
distribuição e de acesso. O objetivo é garantir que permanentemente na ponta as mulheres e casais possam ter acesso a métodos contraceptivos.
FOLHA - O senhor já foi presidente
do Inca (Instituto Nacional de Câncer), órgão que promoveu uma cruzada contra o tabagismo e hoje se
preocupa também com os hábitos
alimentares da população. Como
ministro, pretende adotar alguma
medida em relação ao consumo de
bebidas alcoólicas, por exemplo?
TEMPORÃO - Essa questão me
preocupa muito. Vejo com
muita restrição a maneira como a publicidade de bebidas alcoólicas hoje aparece para a sociedade. Diria que hoje essa publicidade é ofensiva aos profissionais de saúde por estimular
de maneira escancarada o consumo imoderado de bebidas,
sem falar na abordagem extremamente desrespeitosa às mulheres. A Anvisa realizou recentemente uma consulta pública
sobre essa questão e já existem
algumas propostas para regular
mais esse tipo de propaganda.
Sei que haverá uma polêmica
e que a indústria, as agências de
publicidade e os meios de comunicação podem, eventualmente, se contrapor a nossa visão para atender a interesses
específicos. Mas acho importante colocar em discussão o
que seria um conjunto de restrições que impeça que crianças de seis anos fiquem maravilhadas com as propagandas que
são passadas na televisão.
Como ministro, eu afirmo
que, da maneira como está hoje, é insustentável, e é evidente
que vou propor mudanças em
defesa da saúde da população.
FOLHA - E em relação a refrigerantes e outros alimentos prejudiciais à
saúde?
TEMPORÃO - Essa é uma questão
que se insere dentro de uma
política de promoção da saúde.
Eu diria que o Brasil hoje tem
uma política de assistência à
saúde, mas não de promoção.
Se você não trabalha com os determinantes dos processos de
adoecimento e morte, você fica
na superfície do problema.
Sabemos que morrem por
ano 550 mil pessoas por causa
de doenças cardiovasculares e
câncer. Sabemos também que
com duas medidas (a mudança
do padrão alimentar e a realização regular de exercícios físicos) poderíamos reduzir pela
metade essas mortes.
Essa é uma questão complexa por trabalhar com padrões
introjetados culturalmente e
que não são simples de mexer.
De um lado, são padrões familiares, mas, de outro, são colocados pela mídia e pelas indústrias de alimentos e bebidas.
FOLHA - Mas há quem defenda um
papel mais ativo do governo nessa
questão, não apenas investindo na
educação, mas também restringindo propaganda e venda desses alimentos em escolas. O sr. concorda?
TEMPORÃO - Acho que o eixo deve ser informação e prevenção.
Entendo que alimentos cujo
consumo exagerado ou em condições específicas possam,
comprovadamente, fazer mal à
saúde devem ter uma advertência estampada em seus rótulos.
No entanto, com relação às
proibições de venda desses alimentos em cantinas escolares,
acho sempre complicado impor. Toda medida que é muito
radical no sentido de proibir
acaba tendo uma reação que inviabiliza seu sentido original.
Eu apostaria mais no caminho
da educação e da mobilização.
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