São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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BRASIL PROFUNDO

"Quando um bandido entra na casa do branco, o branco mata o bandido. Assim é na nossa casa", diz líder

Índios explicam os motivos da chacina de 29 garimpeiros

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Soldados na barreira montada pela Operação Rondônia na estrada que vai a reserva Roosevelt


DA AGÊNCIA FOLHA, NA TERRA INDÍGENA ROOSEVELT (RO)

Os índios cintas-largas mataram 29 garimpeiros dentro da reserva Roosevelt, em Espigão d'Oeste (Rondônia), no último dia 7 de abril, para defender o território indígena, as mulheres e as crianças, disseram dois chefes da tribo à Agência Folha.
"Quando um bandido entra na casa do branco, o branco mata o bandido. Assim é na nossa casa. Eles [os guerreiros] queriam proteger os cintas-largas. Podiam [os garimpeiros] matar todos nós", disse à reportagem o chefe João Bravo Cinta Larga, uma das lideranças mais influentes da etnia.
Dos 1.300 indígenas que vivem na reserva Roosevelt, 700 são crianças e 400 são guerreiros. Na tribo, os guerreiros, que sempre andam armados com tacape, arco e flecha, são os encarregados de proteger a floresta, as crianças, as mulheres e os idosos.
Segundo João Bravo, os guerreiros tomam suas decisões sem consultar os chefes. Isso teria acontecido no dia 7 de abril, quando ocorreram as mortes dos garimpeiros, explica o chefe dos cintas-largas.

O que aconteceu
Naquele dia, em um local conhecido como Grota do Sossego, dentro da reserva Roosevelt, um grupo liderado por um garimpeiro chamado Baiano Doido trabalhava na extração de diamantes sem autorização dos índios. Ele e mais dois garimpeiros foram os primeiros a serem mortos pelos guerreiros.
Baiano Doido, segundo relatos de alguns índios, morreu xingando os indígenas. Em seguida, os 26 garimpeiros que presenciaram as três mortes foram amarrados.
De acordo com Oitina Matina Cinta Larga, outro chefe ouvido pela reportagem, os guerreiros relataram depois que a intenção era entregar os 26 garimpeiros para a polícia, que estava em uma barreira chamada Onça Preta.
Segundo ele, quando faltavam cerca de 50 minutos para chegar até os policiais, os guerreiros entenderam os diálogos dos garimpeiros: "Eles [garimpeiros] falaram que depois de soltos iriam pegar armas em Espigão para matar todos os cintas-largas. E [ouvindo isso] resolveram [os guerreiros] matar os garimpeiros", declarou o chefe.
Oitina Matina Cinta Larga disse também que, antes das mortes, os chefes indígenas já haviam retirado garimpeiros da reserva em quatro operações. Mas, como eles sempre voltavam, os guerreiros estavam "indignados com os líderes da tribo", disse o chefe.

Ameaças
Os guerreiros também estariam irritados com as supostas ameaças feitas pelo garimpeiro Baiano Doido, que teria dito que mataria qualquer índio que o questionasse dentro da reserva Roosevelt.
O chefe Oitina Matina afirmou que foi a primeira vez, desde o contato da tribo em 1969, que guerreiros mataram tantas pessoas ao mesmo tempo. Ele declarou que os cintas-largas não vão denunciar os guerreiros à Polícia Federal, porque eles [os guerreiros] estavam dentro da reserva.
"Cada cidadão tem direito de se defender e pagar pelo que fez de errado. Nesse assunto eu nem estou do lado do índio nem do lado do branco, todos os dois estão errados. Mas não vamos denunciar os guerreiros. Podem esquecer isso", afirmou Oitina Matina.
(KÁTIA BRASIL)



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