São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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ELIO GASPARI

Tucanos, invejai o êxito do PT

Primeiro os números, depois o palavrório: a zona leste de São Paulo tem 3,3 milhões de habitantes e 400 mil desempregados. De cada dez famílias pobres da cidade, quatro estão lá. Em 2000, a zona leste participava com 37,3% (2.233) na estatística dos homicídios e com 6,6% na arrecadação de ISS. Sua atividade econômica passava pouco dos 15% da produção do município. Um tremendo andar de baixo.
A Prefeitura de São Paulo entrou na zona leste com nove programas de alcance social em 21 dos 31 distritos da região. No início deste ano, as iniciativas atendiam a 125 mil famílias, a um custo de R$ 550 anuais para cada uma delas. O Banco do Povo do município concedeu 6.600 empréstimos num valor médio de R$ 582. Isso significou uma injeção de R$ 3,9 milhões na região. Criaram-se sistemas de capacitação empresarial que beneficiaram 7.756 pessoas e já resultaram em 153 empreendimentos. Entre 2000 e 2003, o emprego com carteira assinada cresceu 32% nos distritos atendidos pelos programas sociais, contra 8% no conjunto do município. (Isso não significa que a ruína da ekipekonômica tenha poupado a zona leste ou os distritos atendidos pela prefeitura. Ela produziu pelo menos 100 mil desempregados na região.)
A taxa de homicídios nos 23 distritos caiu 26,8% (de 57,8 por 100 mil habitantes para 42,3). Em 2003, morreram 543 pessoas a menos que em 2000. No Estado, a queda foi de 9,7%.
No ano passado, a arrecadação de ISS nos distritos atendidos pelos programas da prefeitura aumentou em 4,24%, enquanto caía 0,56% no município. A prefeitura botou R$ 207 milhões na zona leste. Em dinheiro, recuperou R$ 95,2 milhões. De cada R$ 10 investidos na pobreza, R$ 2,60 retornam sob a forma de tributos e R$ 2 em economia nas áreas de educação, segurança e saúde.
Palpite. O PIB da zona leste de São Paulo pode ter crescido entre 1% e 2% no ano em que a ekipekonômica produziu uma contração de 0,2% na produção nacional.
Agora o palavrório: os programas sociais da prefeitura paulistana são coordenados pelo professor Márcio Pochman, da Unicamp. O tucanato tem horror a ele. Quando o PT trabalha sem aparelhar a máquina do Estado, confiando no povo, produz êxitos. Ele sabe, mas quer esquecer: pobre é um grande negócio. Faz bem à economia.

Bacon viu Abu Ghraib antes de Bush

George Bush e Donald Rumsfeld levaram as Forças Armadas americanas para o mundo da fantasia açougueira do pintor inglês Francis Bacon (1909-1992). Entre os anos 50 e 70, ele pintou massas disformes que pareciam seres humanos em posições implausíveis. A genialidade dessas pinturas estava na percepção de que retratavam cenas que ofendiam os sentidos, mas eram deste mundo. Existiam, mas não se viam.
As fotografias saídas da prisão de Abu Ghraib, no Iraque, mostram como o mundo de Bacon está logo ali. Ele pintou em 1944 um bicho que, 30 anos depois, o cinema transformaria no primeiro monstro Alien. No caso dos corpos nus de Abu Ghraib, Bacon não fantasiou. Ele via e percebia aquelas situações.
Noves fora a sexualidade, Bacon pegava pesado na marginália, na bebida e no jogo. Preferia calcinhas a cuecas. Maquiava-se e vestia muito couro. Ganhava o que queria e jogava dinheiro fora como se precisasse vingar um passado de ladrão e michê.
A semelhança entre as imagens de Abu Ghraib e as telas de Bacon faz pensar. Culturalmente, Bush e Rumsfeld dormem todas as noites certos de que nada têm a ver com a obra daquele inglês maluco. Jamais pisariam numa de suas exposições. Eles produziram em Bagdá aquilo que Francis Bacon (e só ele) apenas imaginava.

Palocci: a culpa é dos contadores

Durante o histórico cenáculo empresarial de Comandatuba, no qual alguns dos maiores executivos do país aceitaram levar as mulheres com roupas de oncinha e receber em seus quartos mimosas caixinhas de Viagra, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, fez uma boa.
Atribuiu parte das dificuldades das microempresas nacionais ao alto custo dos serviços dos contadores.
Enganou-se e viu-se confrontado com outro número: estima-se que as empresas gastem 6% de seu faturamento mantendo estruturas destinadas a cumprir exigências do fisco. Nada a ver com a carga tributária de 38% nem com os honorários dos 320 mil contadores que ralam para botar comida na geladeira. Eles custam em torno de 1% do faturamento da microempresa. Se o doutor Palocci não se cuidar, poderá ter uma situação em que uma metalúrgica altamente automatizada gastará mais dinheiro na produção do papelório da Receita Federal do que na produção de aço.
(Em tempo. Palocci só participou do papo-cabeça de Comandatuba. Foi, falou e voou.)

Os comissários comem a própria carne

Primeiro pagou-se pelas estatais que não funcionavam. A Rede Ferroviária Nacional, por exemplo. Depois pagou-se pela privataria que trocou o patrimônio da Viúva por um prato de mingau prometendo serviços que jamais apareceram. Agora paga-se pela liquidação do que sobrou. A rede já teve um só liquidante, tem quatro e, se ninguém chamar o guarda, eles passarão a ser cinco. Cada um custando R$ 19 mil por mês. Isso tudo com apenas um ano, quatro meses e nove dias de governo.
Carregando as lembranças do velho sindicalismo dos ferroviários e as esperanças do antigo PT do Rio de Janeiro, alguns criadores de caso pedem que se pise no acelerador da auditoria rotineira que cairá neste mês sobre o Serviço Social das Estradas de Ferro.
Os donatários do PT Federal a quem foi entregue o Sesef criaram quatro novas diretorias (R$ 3.500 cada uma), empregaram 48 pessoas só no Rio (30% do quadro) e sacaram R$ 13 milhões do fundo da instituição. Prometeram ao Conselho do Serviço um plano para a aplicação do ervanário, mas até hoje ele não apareceu. Alguma coisa já foi gasta no patrocínio de pagodes, torneios esportivos e churrascos na zona oeste, onde está a base eleitoral do deputado federal Carlos Santana (PT-RJ), um ex-ferroviário.
O Sesef já teve dias dourados, mas hoje vive para honrar o plano de saúde de 30 mil ferroviários e dependentes. Se o dinheiro que os companheiros estão gastando acabar, fará falta.
A marca da bela

Há duas semanas, José Sarney foi tocaiado numa reunião do PMDB que abalou sua pretensão de permanecer na presidência do Senado. Perdeu uma votação por 12 a 2.
Na quarta-feira, quando o governo foi derrotado por 33 a 31 na votação da medida provisória dos bingos, viu-se um talho no rosto do comissariado petista.
Roseana Sarney, filha do senador, absteve-se.
Edison Lobão, seu fiel correligionário, votou contra o governo.
João Alberto, o senador maranhense que é capaz de acompanhar Sarney mesmo quando ele não sabe como votar, ficou contra o governo.
Papaléo Paes, senador pelo Amapá, ligado a Sarney, votou contra o governo.
Quem examinou o talho feito no sorriso do Planalto viu nele a delicadeza do fio da navalha de ouro incrustada com pedras preciosas, onde está a esmeralda que faísca com os olhos de sua dona, a bela Saraminda.

A marca do bingo

Para o registro histórico do governo Lula: Waldomiro Diniz começou a viver seus 15 meses de fama na sexta-feira, dia 13 de fevereiro. Na segunda-feira, 16, o ministro José Dirceu levou ao Congresso a mensagem presidencial que dizia assim: "A regulamentação da atividade dos bingos vai organizar o setor e assegurar recursos para o esporte social" (página 177).
No dia 17 de fevereiro, durante uma reunião, o secretário da Presidência, Luiz Dulci, disse que o parágrafo dos bingos o havia surpreendido. Na versão que passou pelo seu gabinete, nada havia sobre a regulamentação da jogatina.
Enormes são os poderes da sorte.

Batalha judicial

Foi parar no Supremo Tribunal Federal a seguinte questão:
Uma empresa viu-se condenada pelo 1º Juizado Especial Cível de Belford Roxo, no Rio, a pagar as custas de um processo e 10% de seu valor à Caixa de Assistência dos Advogados. Coisa de R$ 7,7659. A interessada depositou R$ 7,65, e a secretaria do juizado deu pela falta de R$ 0,009 (nove milésimos de real). A conta foi recusada. A menor moeda nacional vale R$ 0,01, ou um centavo de real.
Julgando o caso, o ministro Sepúlveda Pertence fez a mais elementar das perguntas: se o cidadão fosse ao banco pagar R$ 7,659 e desse ao caixa R$ 7,66, como é que o banco devolveria o troco de 0,001?
Só o Padre Eterno sabe quanto esse processo custou à Viúva e à empresa.

Doce abuso

No usufruto do que resta da era Vargas, o signatário exercerá nas próximas três semanas o seu direito ao abuso adquirido das férias.
Nesse período, como sempre, estará pronto para aderir a uma greve geral até a vitória final, desde que os empregadores paguem os dias parados.

Entrevista

Ib Teixeira

(65 anos, jornalista, com 20 anos de pesquisa sobre violência urbana)

O Brasil vive um novo surto de combate à violência. Em geral, esses surtos incluem uma briga do casal Garotinho com Brasília, uma passeata de grã-finos de camiseta branca e a discussão da entrada das Forças Armadas nos morros. Depois volta tudo ao normal, à espera do novo surto. O senhor acha que a tropa ajuda?
É uma maneira de jogar dinheiro fora, mas pode ter um efeito simbólico. Nada mais que isso. Pode botar o exército americano na periferia das cidades brasileiras e o problema continuará do mesmo tamanho. Nós precisamos informar aos bandidos que o crime não compensa, e isso os governos, os parlamentares e a imprensa não vêm fazendo. Entre 1995 e 2002, registraram-se 61,3 mil assassinatos no Rio. Só foram julgados 2.000, ou 2,6%. Ou seja, quando uma pessoa é morta, as chances de seu assassino ser julgado pela sociedade estão abaixo de 3%. Pode-se estimar que haja nas ruas do Rio algo como 60 mil homicidas em liberdade. No Brasil, esse número ultrapassa os 500 mil. É o equivalente à população de Niterói. Quando o homicida é preso, julgado e condenado, cumpre apenas 1/6 da pena em regime fechado. Temos uma legislação absurda pela qual se uma pessoa mata um trabalhador negro, pode pagar sua fiança e responder ao processo em liberdade. Se insulta esse mesmo trabalhador, chamando-o de negro, comete crime inafiançável. Lembra o José Carlos Alves dos Santos, o economista dos anões do orçamento que foi condenado a 20 anos de prisão por ter mandado matar a mulher, que provavelmente foi enterrada viva? Cumpriu quatro anos. Se um preso consegue que algum carcereiro o ajude a fugir, o preço dessa transgressão é, no máximo, uma pena de dois anos com uma multa, reduzida à metade se o facilitador é funcionário público. Isso tudo para não falarmos na maioridade penal dos bandidos e assassinos. Na Argentina, ela baixará para 14 anos. No Chile, está em 16.
A que o senhor atribui essa leniência?
Em parte a uma posição romântica e demagógica da esquerda brasileira. Uma ditadura delinqüente encarcerou esquerdistas, e eles saíram da cadeia solidários com os delinqüentes que encontraram lá, como os da ilha Grande. Eu fui cassado e vivi 11 anos no exílio, não vejo por que a esquerda deva ter compromisso com bandidos. O preso brasileiro tem 15 direitos e dez deveres. Já foram assassinados três diretores de presídios no Rio. A palavra "repressão" adquiriu um sentido maldito, como se embutisse uma violação da cidadania. Os 500 mil homicidas que andam pelas ruas precisam é de repressão. Os criminosos devem entender que o crime não compensa. Quando você ouve que "não há nada mais terrível do que uma prisão", vê o tamanho da demagogia. Aos 598.367 brasileiros assassinados entre 1990 e 2000 coube coisa pior que prisão. Eles perderam a vida.
O que o senhor propõe?
1) Prisão perpétua para uma quantidade de crimes. A sociedade deve discutir essa lista, com o objetivo de transmitir a seguinte informação aos delinqüentes: se eu fizer isso, vou passar o resto da vida na cadeia.
2) Retorno da lei penal ao princípio de que metade da pena de cadeia tem que ser cumprida na cadeia.
3) Redução da maioridade penal para 16 anos. Hoje a lei dá ao menor uma licença para matar.


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