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CELSO PINTO
Falta uma pergunta na CPI
A CPI dos Bancos tem todo direito de apurar se alguém lucrou
com informações privilegiadas na
véspera da desvalorização cambial, em janeiro. É preciso, contudo, dar uma noção de proporção à
discussão.
A pergunta que ninguém fez, até
agora, na CPI, é quanto o mercado como um todo, investidores internos e externos, ganhou com a
defesa de uma política cambial
insustentável.
Na conta deixada pela política
cambial, seria preciso considerar
toda a transferência de riqueza
gerada pelas taxas de juros recordes de 30% ao ano acima da inflação, praticadas nos meses que antecederam o colapso, como uma
forma inútil de tentar defender o
real. Vamos, contudo, considerar
apenas o lucro de quem fugiu do
real e aplicou em dólares, ou em
títulos indexados ao dólar.
Quem apostou contra o Banco
Central teve três alternativas para ganhar dinheiro. Uma foi comprar dólares baratos vendidos das
reservas cambiais. A segunda foi
comprar títulos do governo federal indexados ao dólar. A terceira
foi apostar numa desvalorização,
no mercado futuro de dólares na
Bolsa de Mercadorias & Futuros.
A crise russa aconteceu no início
de agosto do ano passado, quando
os cofres do BC estavam recebendo a enorme receita da privatização da Telebrás. De meados de
agosto até janeiro deste ano, perderam-se mais de US$ 42 bilhões
de reservas cambiais.
Uma parte do dinheiro foi para
investidores externos desconfiados, com razão, de que o real não
iria se aguentar. Outra financiou
a saída de investidores, bancos,
empresas e indivíduos brasileiros
que também queriam se livrar dos
reais.
Todos os que saíram do país com
dólares baratos e resolveram voltar depois da desvalorização, realizaram um lucro, em reais, que
pode ter chegado a mais de 80%,
conforme a data da volta.
Quem não saiu do país, mas
também apostou na desvalorização, pôde comprar títulos federais
indexados ao dólar. Em dezembro, o total destes títulos era de R$
68 bilhões. No final de janeiro, depois da desvalorização, chegou a
R$ 110 bilhões. A diferença, de R$
42 bilhões, foi a conta que os contribuintes assumiram (ao câmbio
do final de janeiro: a conta muda
conforme a cotação e o estoque remanescente).
A terceira forma de ganhar às
custas do governo foi apostar no
mercado futuro de dólares. Havia
um grande vendedor de dólares
baratos, o BC, e uma legião de
compradores, apostando na desvalorização.
Quando veio o reajuste, segundo
depoimento do diretor de Fiscalização do BC, Luiz Alvarez, na
CPI, o BC tinha US$ 10 bilhões
vendidos a preços camaradas no
mercado futuro. Sabe-se que US$
4 bilhões foram vendidos nos dias
em torno da mudança cambial de
janeiro. Neste caso, o contribuinte
assumiu um prejuízo definitivo
de R$ 7,6 bilhões em favor dos
apostadores no dólar, segundo
dados do BC.
Nem todos estavam especulando. Empresas e bancos com dívidas em dólares, por exemplo, podiam estar apenas se protegendo
contra uma desvalorização. O fato é que o contribuinte pagou a
conta da defesa.
Tudo somado, o governo gastou
mais de US$ 42 bilhões em dólares
das reservas e apostou o equivalente a outros US$ 66 bilhões em
reais indexados ao dólar. É um
valor gigantesco, sem paralelo entre os outros países que passaram
por crises cambiais nos anos 90.
A justificativa, sempre repetida,
é que cabia ao BC defender a política cambial vigente. Pergunta-se:
em algum país desenvolvido o BC
teria tido autonomia para torrar
tanto dinheiro, tanto tempo, para
defender um câmbio tão frágil?
Na especulação monetária de 92,
na Europa, foram desvalorizadas
as moedas do Reino Unido, Itália,
Espanha, Portugal, Irlanda e,
mais tarde, Suécia. Nenhum país
perdeu tanta reserva quanto o
Brasil.
A equipe econômica insistiu,
nos últimos anos, que qualquer
mudança cambial traria reindexação, hiperinflação e enorme recessão. A reindexação não veio, a
alta inflação da desvalorização
durou dois meses e a recessão deste ano pode ser menor do que a
que estava prevista, caso o governo continuasse tentando defender
a política cambial anterior, como
insistia o ex-presidente do BC
Gustavo Franco até as vésperas da
flutuação.
Olhando o custo desta política
em perspectiva, os ganhos dos
bancos nos dias da flutuação viram um trocado.
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