São Paulo, domingo, 9 de maio de 1999

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CELSO PINTO

Falta uma pergunta na CPI

A CPI dos Bancos tem todo direito de apurar se alguém lucrou com informações privilegiadas na véspera da desvalorização cambial, em janeiro. É preciso, contudo, dar uma noção de proporção à discussão.
A pergunta que ninguém fez, até agora, na CPI, é quanto o mercado como um todo, investidores internos e externos, ganhou com a defesa de uma política cambial insustentável.
Na conta deixada pela política cambial, seria preciso considerar toda a transferência de riqueza gerada pelas taxas de juros recordes de 30% ao ano acima da inflação, praticadas nos meses que antecederam o colapso, como uma forma inútil de tentar defender o real. Vamos, contudo, considerar apenas o lucro de quem fugiu do real e aplicou em dólares, ou em títulos indexados ao dólar.
Quem apostou contra o Banco Central teve três alternativas para ganhar dinheiro. Uma foi comprar dólares baratos vendidos das reservas cambiais. A segunda foi comprar títulos do governo federal indexados ao dólar. A terceira foi apostar numa desvalorização, no mercado futuro de dólares na Bolsa de Mercadorias & Futuros.
A crise russa aconteceu no início de agosto do ano passado, quando os cofres do BC estavam recebendo a enorme receita da privatização da Telebrás. De meados de agosto até janeiro deste ano, perderam-se mais de US$ 42 bilhões de reservas cambiais.
Uma parte do dinheiro foi para investidores externos desconfiados, com razão, de que o real não iria se aguentar. Outra financiou a saída de investidores, bancos, empresas e indivíduos brasileiros que também queriam se livrar dos reais.
Todos os que saíram do país com dólares baratos e resolveram voltar depois da desvalorização, realizaram um lucro, em reais, que pode ter chegado a mais de 80%, conforme a data da volta.
Quem não saiu do país, mas também apostou na desvalorização, pôde comprar títulos federais indexados ao dólar. Em dezembro, o total destes títulos era de R$ 68 bilhões. No final de janeiro, depois da desvalorização, chegou a R$ 110 bilhões. A diferença, de R$ 42 bilhões, foi a conta que os contribuintes assumiram (ao câmbio do final de janeiro: a conta muda conforme a cotação e o estoque remanescente).
A terceira forma de ganhar às custas do governo foi apostar no mercado futuro de dólares. Havia um grande vendedor de dólares baratos, o BC, e uma legião de compradores, apostando na desvalorização.
Quando veio o reajuste, segundo depoimento do diretor de Fiscalização do BC, Luiz Alvarez, na CPI, o BC tinha US$ 10 bilhões vendidos a preços camaradas no mercado futuro. Sabe-se que US$ 4 bilhões foram vendidos nos dias em torno da mudança cambial de janeiro. Neste caso, o contribuinte assumiu um prejuízo definitivo de R$ 7,6 bilhões em favor dos apostadores no dólar, segundo dados do BC.
Nem todos estavam especulando. Empresas e bancos com dívidas em dólares, por exemplo, podiam estar apenas se protegendo contra uma desvalorização. O fato é que o contribuinte pagou a conta da defesa.
Tudo somado, o governo gastou mais de US$ 42 bilhões em dólares das reservas e apostou o equivalente a outros US$ 66 bilhões em reais indexados ao dólar. É um valor gigantesco, sem paralelo entre os outros países que passaram por crises cambiais nos anos 90.
A justificativa, sempre repetida, é que cabia ao BC defender a política cambial vigente. Pergunta-se: em algum país desenvolvido o BC teria tido autonomia para torrar tanto dinheiro, tanto tempo, para defender um câmbio tão frágil? Na especulação monetária de 92, na Europa, foram desvalorizadas as moedas do Reino Unido, Itália, Espanha, Portugal, Irlanda e, mais tarde, Suécia. Nenhum país perdeu tanta reserva quanto o Brasil.
A equipe econômica insistiu, nos últimos anos, que qualquer mudança cambial traria reindexação, hiperinflação e enorme recessão. A reindexação não veio, a alta inflação da desvalorização durou dois meses e a recessão deste ano pode ser menor do que a que estava prevista, caso o governo continuasse tentando defender a política cambial anterior, como insistia o ex-presidente do BC Gustavo Franco até as vésperas da flutuação.
Olhando o custo desta política em perspectiva, os ganhos dos bancos nos dias da flutuação viram um trocado.




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