São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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Presidenciável afirma que PFL fará parte de seu governo e que, se passar pelo primeiro turno, será eleito

Ciro admite Tasso no ministério e diz que FHC "avassalou" o país

PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Pré-candidato do PPS à Presidência pela segunda vez, Ciro Gomes, 44, já admite a possibilidade de o ex-governador Tasso Jereissati (PSDB), seu padrinho político, vir a assumir um de seus ministérios caso seja eleito.
"Sem dúvida. Sem dúvida [poderia ser ministro"", declarou Ciro à Folha, durante entrevista concedida na noite da última quarta-feira, em São Paulo.
Mais do que uma troca de gentilezas, o gesto reafirma a sintonia fina entre os dois políticos, parceiros desde os anos 80 no Ceará.
Preterido pelo PSDB na escolha do pré-candidato tucano ao Palácio do Planalto, Tasso já chegou a declarar ter comunicado ao presidente Fernando Henrique Cardoso sobre uma aliança informal com o PPS em seu Estado.
Além do próprio ex-governador, o presidenciável defende a presença em seu governo de todos os que o ajudarem a chegar ao Planalto, incluindo o PFL, partido com o qual negocia uma troca de apoios em pelo menos 16 Estados.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
 

Folha - O sr. se define como um candidato de centro-esquerda, mas fez alianças com PTB, setores do PFL e também trabalha para ter parte do PMDB.
Ciro Gomes
- Tem também o PDT e o PPS. Isso é exatamente centro-esquerda. Você tem, em um processo político, o programa, que, no meu caso, não é uma peça de publicidade. Temos ainda algumas lacunas, mas o norte de centro-esquerda está afirmado ali. Mas é preciso, ao mesmo tempo em que se constrói a viabilidade eleitoral, construir a governabilidade do dia seguinte. Se você vir, não tenho nenhum atrito sistêmico com nenhuma força organizada. Tenho diálogo com todos.

Folha - Mas o sr. já teve atritos com várias das pessoas que hoje estão a seu lado.
Ciro
- Com pessoas sim, porque, não só a conjuntura brasileira foi variando, como minha posição mudou. Fui eleitor pró-ativo, central, do Fernando Henrique em 1994. Assumi o Ministério da Fazenda cumprindo uma missão que me honrou muito, cumpri meu dever, mas, naquele ato, fui um eleitor importante pela posição de FHC. Daquela perspectiva critiquei os antagonismos porque acreditava mesmo que ele ia cumprir o que tínhamos combinado.

Folha - O sr. se arrepende disso?
Ciro
- Não. Naquela circunstância ele era o melhor. O que não posso é dizer que eu estava certo ao criticar quem combateu o Fernando Henrique quando eu achava que ele seria a solução. Quem dizia que ele não era acertou. Eu errei. Mas é da vida pública. Isso é normal da democracia.

Folha - Como o eleitor pode ter certeza de que o caminho não será desvirtuado depois da eleição, como ocorreu com FHC?
Ciro
- O problema do Fernando Henrique nunca foi o PFL. O problema foi que ele perdeu a hegemonia moral e intelectual do processo. E, no meu caso, qual a concessão fisiológica que tenho para dar para alguém?

Folha - Mas sendo eleito terá.
Ciro
- Mas qual a razão subalterna para que as pessoas estejam comigo? Objetivamente não há. Só estão comigo os que acreditam que eu possa representar uma alternativa ao governo e ao PT.

Folha - Mas esperam fazer parte do poder com o sr. sendo eleito.
Ciro
- E vão fazer. Qual a segurança? Ofereço meu passado no poder, como ministro, governador, prefeito, deputado, líder do governo e da oposição.
Quem deve ocupar o terreno conquistado é o exército que vencer a batalha. Mas cargo não é ferramenta de aliciamentos espúrios, mas de pôr em prática idéias, propostas, compromissos.

Folha - Vale para o PFL?
Ciro
- Todo mundo que ajudar.

Folha - Serra não se viabilizando, pelo fato de o sr. ter sido do PSDB...
Ciro
- Parte do PSDB, uma boa parte, poderia ser um parceiro muito interessante. Deveria ser.

Folha - Que parte?
Ciro
- A parte ética, ideológica, que eu conheço de longa data. Depois o PSDB descaracterizou-se muito. Tem uma parte que não merece, que não tem nada a ver com aquilo que a gente imaginou.

Folha - Qual é?
Ciro
- Não vou particularizar, porque política não é fulanizar.

Folha - Entre os que o sr. acha que não poderiam estar...
Ciro
- Essa parte que contemporizou com a corrupção, com a fisiologia, que calou a boca diante dos desatinos éticos, econômicos, financeiros e sociais que se cometeu. A parte que entrou depois por razões fisiológicas. Dessa parte não quero saber.

Folha - Por seu discurso, pode-se deduzir que Serra e Fernando Henrique fazem parte desse setor?
Ciro
- Fernando Henrique não. Ele é o responsável funcionalmente por tudo, que é uma desgraça do presidencialismo. Podemos arrumar atenuantes para o seu desmantelo, mas há também agravantes. Agora o Serra foi contra tudo isso, contra o Plano Real. Ele sabotou, conspirou e no dia seguinte vira ministro, usufrui do privilégio, do poder, manipula despudoradamente o poder. Nas coisas todas o Serra estava ali e agora vem com papo de oposição.

Folha - Mas o sr. já deu declarações elogiando a honestidade do Serra. Isso mudou?
Ciro
- Não tenho mais essa convicção pelas evidências todas. Um cara que contrata uma firma de arapongagem telefônica com dinheiro público...

Folha - Serra é seu principal adversário?
Ciro
- Pela forma como está se comportando é o inimigo público número um do Brasil.

Folha - O ex-governador Tasso Jereissati pode ser seu ministro?
Ciro
- Sem dúvida. Sem dúvida. Tasso, ao lado do meu pai, e por valores completamente distintos, são as duas mais fortes influências na minha concepção pública. Meu pai, por razões óbvias, e o Tasso, na sequência. E ninguém vai apagar essa história.

Folha - Da Fazenda?
Ciro
- Meu ministro da Fazenda só nomeio depois de eleito. Posso dizer que Tasso daria um excelente presidente da República. E quem pode ser presidente da República pode ser qualquer coisa.

Folha - Pelos desentendimentos entre ele e Serra há a expectativa de que ele o apóie informalmente.
Ciro
- Isso é intriga da imprensa.

Folha - A relação entre eles está ótima, então?
Ciro
- Não digo ótima, mas já ouvi o Fernando Henrique dizer coisas muito sérias, graves, contra o Serra. E não é o candidato dele?

Folha - Como por exemplo?
Ciro
- Quando Serra deixou o Fernando Henrique em uma situação absolutamente desagradável, concluindo a negociação da dívida externa. Ele tinha garantido uma revisão constitucional como premissa da renegociação. Serra, líder do PSDB na Câmara, sem consultar ninguém, retirou o apoio à revisão. Fernando Henrique me ligou chocadíssimo, não vou reproduzir as palavras.

Folha - Mas isso não pode ser episódico, já que o senhor teve confrontos com ACM [que já declarou voto em Ciro" e Fleury?
Ciro
- Pode, mas o episódio era o Plano Real, contra o qual Serra pôs-se contra.

Folha - Voltando às alianças, o sr. foi o primeiro candidato a fechar a sua, apesar de ela ter passado por uma série de problemas.
Ciro
- Primeiro, não. Único. Enquanto vocês todos faziam a sabotagem. Vou pedir indenização por danos políticos.

Folha - Hoje o sr. tem certeza de que PTB e PDT não o abandonarão?
Ciro
- Certeza absoluta tenho de que estou vivo agora. Política é uma construção. Vá que eu amanhã diga uma bobagem. Amanheço maldormido e cometo uma grosseria com um líder desse. Pode ser uma causa.

Folha - O sr. tem um adversário dos sonhos para o segundo turno?
Ciro
- Minhas chances [de ir para o segundo turno" são mais duras de serem exitosas, embora muito fortemente possíveis, mas, se venço essa batalha, você está falando com o próximo presidente.

Folha - Se for com Lula?
Ciro
- Isso de ficar todo o mundo dando valor definitivo às pesquisas... Não consultam nem mesmo a experiência real dessa campanha. Há 60 dias davam Roseana e Lula no segundo turno.

Folha - A namorada do sr. tem aparecido como um ponto forte de sua candidatura. Ela vai participar da campanha?
Ciro
- Ela é minha mulher, e como minha mulher, tem todas as inerências disso. O que a minha mulher faz? O que as mulheres das outras pessoas fazem.

Folha - Com a diferença de que a mulher do sr. tem a popularidade um pouquinho mais alta...
Ciro
- Isso é a minha sorte e o meu privilégio [sorri". Mas não é por isso que ela vai fazer isso ou aquilo. Deveria ter um debate das primeiras-damas, né? [risos" Estou convocando um [assistindo à entrevista, Patrícia Pillar concorda com a cabeça e sorri".

Folha - O sr. tem reclamado do uso da máquina a favor de Serra.
Ciro
- Estamos vivendo a fisiologia desbragada, o pior momento de fisiologia da história moderna brasileira. Vamos ser sérios. Fernando Henrique Cardoso nomeou um secretário de Arapiraca. Com todo o respeito, pode ser um excelente quadro. [Mas há" claramente uma vinculação à agenda de cabalar votos na convenção do PMDB. Isso é uso de máquina.

Folha - Qual sua primeira medida na Presidência?
Ciro -
Só responde a essas perguntinhas quem não entende patavina ou é um mentiroso. Porque o ato de governar não é espetaculoso. É o ato de compor uma boa equipe e executar um bom planejamento simultâneo. Mas algumas coisas podem ser feitas no primeiro dia, rapidamente. Determinarei um controle central do caixa do Tesouro. A Presidência da República controla, mas não precisa ser o presidente. É proibido gastar. Quero saber todas as despesas e isso precisa de uma equipe, para não travar o fluxo. Simultaneamente vai sair um decreto, determinando a publicação de preços unitários e regionalizados de todos os itens de compra ou de contratação regular pela administração pública. Deflagro também no primeiro momento um programa de frente de trabalho nos bairros pobres das grandes cidades, ocupadas de executar um plano de urbanização de favelas, recuperação de moradias.

Folha - Maior mérito e maior defeito da administração FHC e uma nota para o governo?
Ciro
- Nota três e esse três acho que é porque ele deu majestade ao cargo, no lado bom. Embora a relação internacional do Brasil tenha se enfraquecido muito no que interessa. O país está avassalado diante do mundo rico e nossa economia guiada pelo FMI. Mas na parte de representação do Brasil, o Fernando Henrique merece elogio e é uma coisa que sempre me agradou e nunca me omiti de fazer essa menção. O lado ruim é que FHC tem desprezo pelo povo brasileiro. Ele parece uma pessoa que não tem o menor sentimento com o descalabro que está acontecendo com o Brasil.

Folha - O país melhorou ou piorou nesses últimos oito anos? Por quê?
Ciro
- Piorou dramaticamente. Pelos números. Muitas coisas melhoraram. A mortalidade infantil, o nível de escolarização, queda no analfabetismo. Ele deu ao país também um período de paz e de estabilidade política. Agora o Brasil tem o maior desemprego da história, a menor taxa média de crescimento econômico deste último meio século. O Brasil nunca esteve ilíquido patrimonialmente como está hoje. Antes tínhamos dívida preocupante, mas tínhamos ativos. O Fernando Henrique explode a dívida e aliena irresponsavelmente os ativos.


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