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ANÁLISE
Disputa eleitoral em 2000 ilustra comportamento do paulistano, que prefere a direita, mas hoje pende à esquerda
Tradição e protesto marcam voto em SP
ALESSANDRO JANONI HERNANDES
DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA
O estudo realizado pelo Datafolha nos 11 e 12 de julho revela que
a maior parte dos eleitores paulistanos afirma preferir um candidato a prefeito com posicionamento
político de direita a um que seja
de esquerda. Demonstram a mesma tendência ao se situarem mais
à direita do que à esquerda na escala de identificação ideológica.
Causa estranhamento o fato
dessa coerência na cultura política da cidade não se estender ao
atual cenário eleitoral.
Na última pesquisa de intenção
de voto, feita pelo instituto no dia
26 de julho, a soma das taxas obtidas pelas principais candidaturas
consideradas de esquerda é praticamente o dobro da que se verifica em relação aos nomes de vínculo mais nítido com a direita.
Juntas, Marta Suplicy (PT) e
Luiza Erundina (PSB) têm 50%
das intenções, contra 24% de Paulo Maluf (PPB), Romeu Tuma
(PFL) e Fernando Collor (PRTB).
Argumentos
É comum, em análises quantitativas, atribuir tais contradições à
falta de informação da população
e à influência de variáveis sociais
desfavoráveis na composição da
opinião pública.
Nesse casos, a baixa escolaridade dos eleitores e o desconhecimento declarado pelos entrevistados em relação ao assunto são utilizados como argumentos na justificativa dos resultados: a maioria
estudou até o primeiro grau e historicamente demonstra não saber
o significado político dos conceitos de esquerda e direita.
Conclusões desse tipo limitam a
compreensão do comportamento
eleitoral e diminuem o valor político do quadro que se desenha
atualmente na capital paulista.
O jornalista André Singer propõe em seu livro "Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro" a
inclusão da identidade ideológica
nos estudos, apresentando testes
realizados nas eleições presidenciais de 1989 e 1994.
Nas duas ocasiões, Singer encontrou correlação entre a autodefinição política do eleitorado
brasileiro na época e os resultados
das eleições desses anos. Afirma
que o eleitor, apesar de não estruturar seu pensamento em termos
ideológicos, acaba, por intuição,
utilizando a ideologia como balizamento importante na escolha
de um candidato.
Insatisfação
Na cidade de São Paulo, tão interessante quanto comprovar essa influência da identidade ideológica na decisão do voto é verificar os fatores de insatisfação dos
cidadãos e seus respectivos pesos
na ruptura com essa identidade: o
voto de protesto.
Ao se considerar o atual posicionamento político dos paulistanos, com tendência à direita, seria
fácil compreender eleições pós-redemocratização, como as de Jânio Quadros, Maluf e Celso Pitta,
mas não a de Erundina.
Jânio, eleito em 1985 pela coligação PTB-PFL, alcançou 38% do
total de votos, contra 34% de Fernando Henrique Cardoso, candidato pelo PMDB. Eduardo Suplicy (PT) ficou com 20%.
Em 1992, Maluf (PPB) manteve-se na liderança das pesquisas,
atingindo 37% contra 23% de Suplicy ao final do primeiro turno.
No segundo, 52% dos paulistanos
optaram pelo pepebista.
Pitta, que concorreu pelo PPB
na campanha de 1996, chegou a
44% da preferência do eleitorado
durante a disputa do primeiro
turno. Venceu essa fase da disputa com 45% do total de votos. No
segundo turno, o pepebista foi
eleito com 57%.
Protesto
Quanto ao desempenho de
Erundina em 1988, apesar dos cenários político e econômico da
época terem favorecido candidaturas de esquerda (impopularidade do governo federal e altos índices de inflação), a então petista
não "decolava" em São Paulo.
Passou a maior parte da disputa
em terceiro lugar, atrás de Maluf
(então no PDS, antecessor do
PPB) e João Leiva (PMDB).
A virada de Erundina se deu
apenas na última semana da eleição, depois que uma ação do
Exército na greve da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) resultou na morte de três funcionários da empresa.
O fato, com repercussão expressiva na mídia, foi capitalizado pela
esquerda, com forte apelo popular. Em sete dias, a candidatura do
PT cresceu de 15% para 30%. Maluf ficou com 24% do total de votos, e João Leiva caiu para 14%. A
cidade de São Paulo exercia, pela
primeira vez, o voto de protesto.
Conflito
Na disputa de 2000, o quadro de
evolução das candidaturas no primeiro semestre já demonstra que
o terreno é fértil para o conflito
entre tradição e protesto.
A reprovação à administração
Pitta, agora no PTN, beneficia as
candidaturas de esquerda e potencializa o voto de protesto.
A liderança de Marta Suplicy
nesse início de campanha, apesar
de carregar reflexos do "recall" da
disputa pelo governo em 1998,
ilustra esse comportamento.
A maior parte (23%) dos que
pretendem votar na petista justifica a escolha dizendo que Marta é
honesta e sincera, valores opostos
aos presentes na mídia durante as
investigações dos casos de corrupção da atual gestão.
Análise
Mas, na análise das pesquisas
feitas pelo Datafolha ao longo dos
seis primeiros meses do ano, fica
claro que essa insatisfação não é
suficiente para anular a influência
do posicionamento político do
paulistano na decisão do voto.
A revelação mais significativa ,
tanto de possibilidade de ruptura
com a identificação ideológica
quanto de confirmação da tradição, se deu após as declarações de
Nicéa Pitta, em março.
As denúncias da ex-primeira-dama fizeram com que o paulistano intencionasse exercer, outra
vez, o voto de protesto. E a escolhida, novamente, seria Erundina.
A candidata do PSB disparou na
pesquisa feita pelo Datafolha cinco dias após as declarações de Nicéa, passando de 12% para 22%.
As intenções de voto em Maluf
despencaram de 23% para 12%.
Erundina assumia a segunda
colocação, ameaçando em alguns
momentos a liderança isolada de
Marta. Maluf, em terceiro lugar,
conhecia os mais baixos índices
de apoio à sua candidatura.
A prematura valorização da hipótese de um segundo turno entre duas candidaturas de esquerda provocou um emaranhado de
desencontros estratégicos e discursos equivocados, tanto entre
representantes da esquerda quanto entre os da direita.
Mas, o eleitor paulistano, como
bom direitista, tratou logo de restabelecer a ordem. Encontrou no
afastamento de Pitta pela Justiça,
em maio, o argumento que precisava para retomar a tradição.
A intenção de voto em Maluf
voltou a crescer gradualmente e o
apoio à candidatura de Erundina
caiu oito pontos percentuais. Hoje, com Pitta de volta à prefeitura,
os dois candidatos se encontram
empatados, com 17% das intenções cada. Marta é líder, com 33%.
Mudanças
Todas essas mudanças em um
espaço de tempo tão curto não assustou apenas os principais atores
da disputa.
O cartunista Angeli, em sua
charge da edição da Folha de 16
de junho, atribui ao universo pesquisado, a culpa pelos resultados.
Insinuou que as entrevistas foram
feitas em um manicômio. Malucos e pinéis, na verdade, são aqueles que apostam desde já em um
nome vitorioso para essa eleição.
A partir de agora, outras variáveis começam a compor a decisão
do voto, dentre elas, principalmente, a habilidade dos eleitores
no voto eletrônico, o desempenho
dos candidatos no horário eleitoral gratuito e também nos debates
da TV. Dependendo da imagem
transmitida, Geraldo Alckimin
(PSDB) e Romeu Tuma (PFL)
também podem entrar no páreo.
As pesquisas provam que a adequação das peças publicitárias e
do discurso às demandas do cidadão/consumidor geralmente fazem a diferença. Ninguém melhor
do que profissionais do marketing político para transformar esquerda em direita, protesto em
tradição, e vice-versa.
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