São Paulo, quarta-feira, 09 de agosto de 2000


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ANÁLISE
Disputa eleitoral em 2000 ilustra comportamento do paulistano, que prefere a direita, mas hoje pende à esquerda
Tradição e protesto marcam voto em SP


ALESSANDRO JANONI HERNANDES
DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA

O estudo realizado pelo Datafolha nos 11 e 12 de julho revela que a maior parte dos eleitores paulistanos afirma preferir um candidato a prefeito com posicionamento político de direita a um que seja de esquerda. Demonstram a mesma tendência ao se situarem mais à direita do que à esquerda na escala de identificação ideológica.
Causa estranhamento o fato dessa coerência na cultura política da cidade não se estender ao atual cenário eleitoral.
Na última pesquisa de intenção de voto, feita pelo instituto no dia 26 de julho, a soma das taxas obtidas pelas principais candidaturas consideradas de esquerda é praticamente o dobro da que se verifica em relação aos nomes de vínculo mais nítido com a direita.
Juntas, Marta Suplicy (PT) e Luiza Erundina (PSB) têm 50% das intenções, contra 24% de Paulo Maluf (PPB), Romeu Tuma (PFL) e Fernando Collor (PRTB).

Argumentos
É comum, em análises quantitativas, atribuir tais contradições à falta de informação da população e à influência de variáveis sociais desfavoráveis na composição da opinião pública.
Nesse casos, a baixa escolaridade dos eleitores e o desconhecimento declarado pelos entrevistados em relação ao assunto são utilizados como argumentos na justificativa dos resultados: a maioria estudou até o primeiro grau e historicamente demonstra não saber o significado político dos conceitos de esquerda e direita.
Conclusões desse tipo limitam a compreensão do comportamento eleitoral e diminuem o valor político do quadro que se desenha atualmente na capital paulista.
O jornalista André Singer propõe em seu livro "Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro" a inclusão da identidade ideológica nos estudos, apresentando testes realizados nas eleições presidenciais de 1989 e 1994.
Nas duas ocasiões, Singer encontrou correlação entre a autodefinição política do eleitorado brasileiro na época e os resultados das eleições desses anos. Afirma que o eleitor, apesar de não estruturar seu pensamento em termos ideológicos, acaba, por intuição, utilizando a ideologia como balizamento importante na escolha de um candidato.

Insatisfação
Na cidade de São Paulo, tão interessante quanto comprovar essa influência da identidade ideológica na decisão do voto é verificar os fatores de insatisfação dos cidadãos e seus respectivos pesos na ruptura com essa identidade: o voto de protesto.
Ao se considerar o atual posicionamento político dos paulistanos, com tendência à direita, seria fácil compreender eleições pós-redemocratização, como as de Jânio Quadros, Maluf e Celso Pitta, mas não a de Erundina.
Jânio, eleito em 1985 pela coligação PTB-PFL, alcançou 38% do total de votos, contra 34% de Fernando Henrique Cardoso, candidato pelo PMDB. Eduardo Suplicy (PT) ficou com 20%.
Em 1992, Maluf (PPB) manteve-se na liderança das pesquisas, atingindo 37% contra 23% de Suplicy ao final do primeiro turno. No segundo, 52% dos paulistanos optaram pelo pepebista.
Pitta, que concorreu pelo PPB na campanha de 1996, chegou a 44% da preferência do eleitorado durante a disputa do primeiro turno. Venceu essa fase da disputa com 45% do total de votos. No segundo turno, o pepebista foi eleito com 57%.

Protesto
Quanto ao desempenho de Erundina em 1988, apesar dos cenários político e econômico da época terem favorecido candidaturas de esquerda (impopularidade do governo federal e altos índices de inflação), a então petista não "decolava" em São Paulo.
Passou a maior parte da disputa em terceiro lugar, atrás de Maluf (então no PDS, antecessor do PPB) e João Leiva (PMDB).
A virada de Erundina se deu apenas na última semana da eleição, depois que uma ação do Exército na greve da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) resultou na morte de três funcionários da empresa.
O fato, com repercussão expressiva na mídia, foi capitalizado pela esquerda, com forte apelo popular. Em sete dias, a candidatura do PT cresceu de 15% para 30%. Maluf ficou com 24% do total de votos, e João Leiva caiu para 14%. A cidade de São Paulo exercia, pela primeira vez, o voto de protesto.

Conflito
Na disputa de 2000, o quadro de evolução das candidaturas no primeiro semestre já demonstra que o terreno é fértil para o conflito entre tradição e protesto.
A reprovação à administração Pitta, agora no PTN, beneficia as candidaturas de esquerda e potencializa o voto de protesto.
A liderança de Marta Suplicy nesse início de campanha, apesar de carregar reflexos do "recall" da disputa pelo governo em 1998, ilustra esse comportamento.
A maior parte (23%) dos que pretendem votar na petista justifica a escolha dizendo que Marta é honesta e sincera, valores opostos aos presentes na mídia durante as investigações dos casos de corrupção da atual gestão.

Análise
Mas, na análise das pesquisas feitas pelo Datafolha ao longo dos seis primeiros meses do ano, fica claro que essa insatisfação não é suficiente para anular a influência do posicionamento político do paulistano na decisão do voto.
A revelação mais significativa , tanto de possibilidade de ruptura com a identificação ideológica quanto de confirmação da tradição, se deu após as declarações de Nicéa Pitta, em março.
As denúncias da ex-primeira-dama fizeram com que o paulistano intencionasse exercer, outra vez, o voto de protesto. E a escolhida, novamente, seria Erundina.
A candidata do PSB disparou na pesquisa feita pelo Datafolha cinco dias após as declarações de Nicéa, passando de 12% para 22%. As intenções de voto em Maluf despencaram de 23% para 12%.
Erundina assumia a segunda colocação, ameaçando em alguns momentos a liderança isolada de Marta. Maluf, em terceiro lugar, conhecia os mais baixos índices de apoio à sua candidatura.
A prematura valorização da hipótese de um segundo turno entre duas candidaturas de esquerda provocou um emaranhado de desencontros estratégicos e discursos equivocados, tanto entre representantes da esquerda quanto entre os da direita.
Mas, o eleitor paulistano, como bom direitista, tratou logo de restabelecer a ordem. Encontrou no afastamento de Pitta pela Justiça, em maio, o argumento que precisava para retomar a tradição.
A intenção de voto em Maluf voltou a crescer gradualmente e o apoio à candidatura de Erundina caiu oito pontos percentuais. Hoje, com Pitta de volta à prefeitura, os dois candidatos se encontram empatados, com 17% das intenções cada. Marta é líder, com 33%.

Mudanças
Todas essas mudanças em um espaço de tempo tão curto não assustou apenas os principais atores da disputa.
O cartunista Angeli, em sua charge da edição da Folha de 16 de junho, atribui ao universo pesquisado, a culpa pelos resultados. Insinuou que as entrevistas foram feitas em um manicômio. Malucos e pinéis, na verdade, são aqueles que apostam desde já em um nome vitorioso para essa eleição.
A partir de agora, outras variáveis começam a compor a decisão do voto, dentre elas, principalmente, a habilidade dos eleitores no voto eletrônico, o desempenho dos candidatos no horário eleitoral gratuito e também nos debates da TV. Dependendo da imagem transmitida, Geraldo Alckimin (PSDB) e Romeu Tuma (PFL) também podem entrar no páreo.
As pesquisas provam que a adequação das peças publicitárias e do discurso às demandas do cidadão/consumidor geralmente fazem a diferença. Ninguém melhor do que profissionais do marketing político para transformar esquerda em direita, protesto em tradição, e vice-versa.


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