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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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DE OLHOS ABERTOS

Sem infra-estrutura e com poucos mecanismos de apuração, atuação do órgão fica aquém de suas atribuições

Corregedorias são criticadas até por juízes

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

JOSÉ ALBERTO BOMBIG
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

As Corregedorias do Poder Judiciário, os únicos órgãos responsáveis pela fiscalização e pelo acompanhamento do trabalho dos magistrados brasileiros, apresentam problemas de infra-estrutura, dispõem de poucos mecanismos de apuração e são alvo de críticas do Ministério Público, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e até mesmo de juízes.
Em tese, os órgãos fiscalizam toda a parte operacional da Justiça, incluindo funcionários e cartórios, o que os transforma no principal elo entre a sociedade e o Poder Judiciário, mas acusações de falta de transparência, morosidade e corporativismo permeiam sua atuação no país.
Das 74 representações feitas neste ano contra juízes pela OAB-SP no Tribunal de Justiça de São Paulo, menos da metade obteve resposta. As que obtiveram, foi a mesma: arquivamento.
"Nos últimos três anos, não me lembro de ter recebido uma única informação que não fosse de arquivamento. Não sei do que os juízes têm medo. Os processos contra advogados podem ser acompanhados pelas partes. Os contra magistrados, não", afirmou o presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, José Luís Oliveira Lima.
"As apurações e eventuais punições são feitas em segredo de Justiça. Acho que isso deveria vir a público, estaria dentro do princípio da transparência", declarou o desembargador Vladimir Passos de Freitas, ex-corregedor-geral de Justiça e coordenador do livro "Corregedorias do Poder Judiciário" (Ed. Revista dos Tribunais).
A Folha solicitou às cinco Corregedorias da Justiça Federal dados sobre a atuação dos órgãos. O único tribunal a informar o número de processos administrativos abertos, nos últimos dez anos, foi o da 4ª Região, onde existem 136 varas federais. Os demais não divulgaram informações ou o fizeram de forma incompleta.
A OAB-SP já chegou a impetrar mandado de segurança para ter acesso ao encaminhamento de representação feita contra um juiz na Corregedoria do TJ paulista.
"A imensa maioria dos juízes brasileiros é a favor das corregedorias. Mas, por falta de critérios, elas não funcionam como deveriam. A existência de processos e o seu resultado final devem ser públicos. Sigilo, só em certos casos", defende o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), Paulo Sérgio Domingues.

Poucas punições
A relação entre o número de representações oferecidas às corregedorias e o de processos instaurados e penas aplicadas também é alvo de críticas. Em 2002, em São Paulo, as 680 representações feitas para a Corregedoria do Tribunal de Justiça resultaram em 20 processos e 11 punições. Seis delas são consideradas leves, como advertência. Há cerca de 1.300 magistrados no Judiciário paulista.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que abrange Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, por exemplo, em dez anos foram abertos 11 processos administrativos contra magistrados. Três resultaram em advertências e dois em censura, penas mais brandas previstas pela Lei Orgânica da Magistratura.
Nos Estados, a situação é semelhante. Pelo menos 9 das 28 corregedorias estaduais do país ainda não aplicaram penas neste ano, nem mesmo as mais leves, segundo levantamento da Folha.
O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Nicolao Dino, diz que "falta vontade política" aos corregedores para investigar seus pares. "Os poderes do órgão são satisfatórios, basta implementar", afirmou o procurador.
As corregedorias não têm competência para fiscalizar a segunda instância, o que, na opinião de Freitas, é um dos maiores problemas do Judiciário. "Se, de fato, for implementada uma reforma constitucional, é preciso aprimorar os órgãos. A lei orgânica está desatualizada", diz.
"Os desembargadores, tanto no âmbito federal quanto no estadual, praticamente não estão sujeitos a nenhum controle", completa o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Ari Pargendler, coordenador-geral e presidente do Fórum Permanente de Corregedores da Justiça Federal.
Também não há órgãos corregedores no STJ e no STF (Supremo Tribunal Federal). Atos ilícitos são julgados pelos ministros.

"Vínculos fortes"
O controle de juízes de segundo grau está previsto nos regimentos dos tribunais, mas, segundo especialistas, não faz parte da tradição jurídica brasileira. Infrações penais cometidas pelos desembargadores são analisadas pelo STJ.
"A apuração nem sempre é fácil. A convivência durante anos, a aproximação das famílias, a solidariedade nos momentos difíceis da vida, tudo isso cria vínculos fortes. É exigir demais, ainda que não seja impossível, que um colega investigue a falta funcional praticada por outro", afirma Freitas em trecho do livro.
No TRF da 5ª Região, em Pernambuco, desde 2001, o corregedor pode apurar fatos no segundo grau, desde que não sejam nos gabinetes de desembargadores.
No Tribunal de Justiça do Ceará, dois desembargadores e dois juízes foram afastados desde 2001.
Os desembargadores -Ernani Barreira e Edmilson Cruz-, depois de dois anos, foram reintegrados pelo mesmo tribunal que os havia punido. Eles haviam sido afastados sob acusação de venda de sentenças. Entre os beneficiados estava um narcotraficante.


Colaborou KAMILA FERNANDES, da Agência Folha


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