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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

"Bico" para empresa deflagrou apuração

Investigação sobre agenciamento, em Alagoas, de agentes federais para espionagem industrial revelou esquema com juízes

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ironicamente, a Operação Anaconda nasceu de um gesto de honestidade do policial federal José Elizon Machado Pacheco. Estava lotado em Maceió. Revelou, em depoimento, que recebera proposta para integrar uma rede de espionagem econômica e política.
Contou que o autor do convite foi o delegado aposentado da PF Jorge Luiz Bezerra da Silva. Ofereceu-lhe remuneração paralela de R$ 5.000 mensais. Um agente da Polícia Federal ganha R$ 4.515.
Ao abordar o agente Pacheco, o delegado Bezerra da Silva disse que falava em nome da empresa Kroll. É mundialmente conhecida no ramo da investigação privada. Possui escritório em São Paulo. A Operação Anaconda foi conduzida por equipe da Diretoria de Inteligência da PF, em Brasília. É de 16 de abril de 2002 o primeiro documento da investigação (número 2002.80.00.002311-7).
Trata-se de pedido de interceptação telefônica das linhas utilizadas por Bezerra da Silva, sua mulher, Severina Cristina Rodrigues de Lima, e de pessoa identificada apenas como "Edilmo de tal". O pedido foi autorizado pela 4ª Vara da Justiça Federal alagoana.
Sucederam-se novos pedidos de escuta, sempre homologados pela Justiça. Detectaram-se negócios escusos em vários Estados, entre eles Pará, Tocantins, Rio Grande do Sul e São Paulo, centro operacional da quadrilha.
Por 17 meses, os papéis da Anaconda transitaram no eixo Brasília-Maceió em pastas azuis. Traziam na capa a expressão "segredo de Justiça". Para resguardar o sigilo, foram transportadas de mão em mão.
Em documento de 11 de junho de 2003, a PF pede à Justiça alagoana a migração do caso. Diz o texto: "Considerando a existência de indícios de participação de membros da Justiça Federal de São Paulo, solicito [...] o envio do procedimento criminal ao Tribunal Regional Federal 3ª Região, para doação de providências de respeitável mister". No dia 13 de agosto passado, um portador entregou o processo ao TRF-3.
As páginas do processo já apresentavam uma quadrilha de porte nacional. Entre os negócios que tocavam havia, por exemplo, um caso sob investigação na delegacia da PF em Santarém.
Envolvia uma empresa de processamento de sardinhas. A quadrilha monitorava o processo em contatos com a delegada Maria das Graças Malheiros Monteiro.
Os agentes da PF sob investigação administravam interesses também em Passo Fundo (RS). Eram auxiliados, segundo revelam os grampos, pelo delegado federal Mário Luiz Vieira. Controlavam processo de suposta sonegação de tributos previdenciários da cooperativa rural Cotrel. A quadrilha chegou mesmo a comprar notas frias para justificar pagamentos recebidos da cooperativa.
O esquema tinha ramificações também no município de Araguaína (TO). Ali, cobraria suposta dívida de um frigorífico chamado Free Norte. Os diálogos gravados mencionam pedido de ajuda que seria feito ao delegado da PF local, Deuselino Valadares dos Santos.
Na capital paulista, o Ministério Público acompanhou escutas telefônicas realizadas de 5 a 19 de setembro. O conteúdo das conversas robusteceu a investigação, culminando, em 30 de outubro, com oito prisões, 15 operações de busca e apreensão de documentos e a revelação do suposto envolvimento dos juízes federais João Carlos da Rocha Mattos, Casem e Ali Mazloum. Os três foram denunciados pelo Ministério Público por formação de quadrilha.


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