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ENTREVISTA
Afirmação é do crítico Antonio Candido
"Brasil não cultivou pensamento radical"
do Painel
A intenção de Lula ao conferir
ao crítico literário Antonio Candido a responsabilidade pela organização do seminário "Socialismo e Democracia" foi de dar
ao encontro uma legitimidade
que dificilmente conseguiria se a
tarefa fosse delegada a qualquer
outro quadro do partido.
Aos 80 anos, Antonio Candido,
autor do clássico a "Formação da
Literatura Brasileira" (1959),
"Tese e Antítese" (1964) e "Literatura e Sociedade" (1965), tem o
respeito e a admiração unânimes
do PT -e para além dele.
Fundador do partido, Candido, socialista convicto, está distante da cozinha partidária e
alheio às disputas internas entre
as correntes. Evita, já há vários
anos, aparecer em público ou dar
entrevistas. Discreto, abre poucas exceções, sempre por causas
que considera relevantes.
Em entrevista à Folha, Candido afirma que o socialismo é
"uma das maiores forças humanizadoras do mundo contemporâneo". Diz também que "o Brasil não tem pensamento radical
próprio de real importância".
(FERNANDO DE BARROS E SILVA)
Folha - O que, pessoalmente,
o sr. espera desses seminários
do PT sobre o socialismo?
Antonio Candido - Antes de
responder à pergunta, quero fazer um esclarecimento: estou
sendo entrevistado porque vocês
sabem que o Lula me pediu para
pensar na organização desses seminários. Eu procurei atuar como coordenador, mas a contribuição essencial foi dos meus
companheiros: Francisco de Oliveira, Paul Singer (economistas e
professores da USP) e Paulo
Vannuchi (assessor de Lula).
Pessoalmente, espero o que
com certeza esperam também
Lula e os companheiros que trabalham comigo no projeto: abrir
uma fase de debates sinceros e
aprofundados sobre o socialismo. Socialismo é um termo complexo, que abrange várias posições e teorias. E, como é o pressuposto doutrinário do PT, convém debatê-lo não apenas nas
discussões internas do dia-a-dia
partidário, mas de modo mais
sistemático e visível.
Folha - O socialismo é hoje
uma palavra um tanto estigmatizada, e os que se dizem vinculados de alguma forma às suas
aspirações são acusados de obsoletos. O que significa levantar agora essa discussão, suscitada pelo Instituto Cidadania a
pedido de Lula?
Candido - Creio que o socialismo, mais do que corpo doutrinário deste ou daquele partido, é
uma das maiores forças humanizadoras do mundo contemporâneo, e, neste sentido, está vivo,
apesar de fracassos aqui e ali.
Os próprios adversários de
boa-fé devem concordar que
sem ele e sem outros movimentos paralelos não haveria legislação social, direitos do trabalhador etc.. Além dele, penso no
anarquismo, em certas formas
de cooperativismo e de sindicalismo, no cristianismo social e
até em tendências como o georgismo. Mesmo sem chegar ao
poder, e mesmo cometendo erros, o socialismo vem conseguindo há quase dois séculos tornar
mais suportável a condição dos
trabalhadores, de tal forma que
os detentores dos meios de produção e as classes dominantes
em geral vêm sendo obrigados a
fazer concessões que não fariam
por sua própria iniciativa.
Visto assim, ele tem obtido vitórias constantes em benefícios
de todos, porque elas contribuem para humanizar a sociedade. Veja o caso do Vaticano, que
era tradicionalmente uma fortaleza aliada aos poderes do mundo. Foi a onda das reivindicações
sociais que chegou até lá e levou
Leão 13 a redigir a encíclica "Rerum Novarum", a partir da qual
a atitude da igreja foi se modificando até chegar em nossos dias
a ter muitos setores empenhados
na luta pelos oprimidos , os excluídos, as vítimas da dureza capitalista e das prepotências.
À vista disso, é lógico supor o
seguinte: se mesmo combatido
ou desfigurado o socialismo conseguiu humanizar tanto a sociedade capitalista, o que não conseguirá se for predominante?
Folha - Qual socialismo?
Candido - O próprio título dos
seminários diz que a nossa orientação é a do socialismo democrático. E aqui entra um problema
difícil, que é o da oposição polar
entre economia de mercado e
economia planificada. Como soluções teoricamente extremadas,
temos de um lado teorias liberais
do capitalismo que preconizam o
jogo livre da concorrência sem limite, coisa que obviamente nunca existiu, pois o que há na prática são as coligações do capital
que reduzem a bem pouco a liberdade. De outro lado temos a
estatização total para chegar à
comunhão dos bens, coisa que
também nunca existiu, e, quando tentou existir, tornou-se uma
outra maneira de cercear da liberdade. A dura lição do século
20 obriga a rejeitar esses extremos e estudar a possibilidade de
chegar a formas capazes de harmonizar o mais possível a liberdade com os estímulos econômicos que levam a produzir riquezas. Mas isso só pode ser tentado
se o alvo for a distribuição mais
equitativa dos bens.
Folha - O "post-scriptum" do
seu prefácio, na 18ª edição de
"Raízes do Brasil", do seu amigo e historiador Sergio Buarque de Holanda, menciona um
"radicalismo potencial das classes médias brasileiras". Seria
preciso retomar essa idéia no
debate nacional?
Candido - O que costumo dizer
e escrever é que o Brasil não tem
tido pensamento radical próprio
de real importância, ao contrário
de outros países latino-americanos. E que há um curioso radicalismo esporádico infiltrado em
autores liberais e até conservadores, formando um conjunto que
pode ser de interesse. É o caso de
Joaquim Nabuco na fase da propaganda abolicionista; é o caso
dos pontos de vista de Alberto
Torres com relação ao racismo; é
o caso dos fermentos renovadores da obra de Gilberto Freyre; é
o caso da obra de Manoel Bonfim na fase inicial.
Em Sergio Buarque de Holanda, no fim de "Raízes do Brasil",
há um clara manifestação disso.
Num tempo em que os melhores
diziam que o progresso viria graças a uma espécie de tutela esclarecida das elites guiando o povo,
ele deu indicações de que cabia a
este assumir a iniciativa. A conclusão é que nas classes médias
brasileiras há fermentos que tanto podem levar a posições de direita quanto de esquerda. Cabe a
uma política esclarecida puxar
para fora as tendências mais
avançadas.
Folha - O PT hoje está afastado dos movimentos populares
que o originaram. Como é possível recuperá-los?
Candido - Não sei se tem razão.
O PT sempre foi um partido integrador, depois do breve começo
de cunho sindical puro. Ele possui várias tendências, que a meu
ver são fator positivo de dinamismo, enquanto não extravasam os quadros básicos; e abrange militantes e simpatizantes de
várias origens culturais e sociais.
Isso produz alternâncias, com
momentos nos quais sobressaem intelectuais de classe média
e outros nos quais os trabalhadores rurais e urbanos vêm para o
primeiro plano.
Mas isso é sinal de abertura e
prova que o PT corresponde ao
nosso tempo cheio de reformulações. Há nele pano para muitas
mangas.
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