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São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2003

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OPERAÇÃO SOCIAL

Chefe do Pnud considera "imprudente" programa social que não propicie "desenvolvimento sustentável"

Fome não é problema "isolado", diz ONU

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O chefe do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Mark Malloch Brown, afirma que o Brasil não deve atacar a fome "como um problema isolado" -referência ao Fome Zero, que distribui R$ 50 mensais a famílias carentes para a compra de alimentos. "Seria imprudente colocar todo o enfoque em uma ação de estilo humanitário", diz.
Brown terá um encontro amanhã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua organização desenvolve programas anuais com o país da ordem de US$ 300 milhões. Leia entrevista que ele concedeu à Folha em Washington.
 

Folha - Quais as expectativas em relação ao Brasil e ao novo governo na sua área?
Mark Malloch Brown -
A ONU sempre teve um grande programa direcionado ao Brasil e ficamos realmente impressionados com o tremendo trabalho que o governo de Fernando Henrique fez na área social, na redução da pobreza, na educação e no sistema de saúde.
Sabemos que o Brasil vem sendo pressionado pelas demandas ortodoxas do mercado. Mas acreditamos que muitos dos fundamentos da economia estão no lugar, e isso é muito importante para a redução da pobreza. Esse foi um trabalho do governo anterior, que criou uma plataforma para que o presidente Lula agora amplie essas conquistas.
Sabemos que é difícil controlar a situação macroeconômica sem minar todo o resto. Os programas realizados na área de redução da pobreza e educação nos anos FHC foram significativos. A adesão de crianças à escola primária cresceu dramaticamente. Na nossa visão, isso é o mais importante, pois se trata de uma mudança estrutural.

Folha - O sr. demonstra uma preocupação de que a maior prioridade seja a fome, em vez de programas de longo prazo. É isso?
Brown -
Acreditamos profundamente que não se pode atacar a fome como um programa isolado, como um único item em uma economia tão sofisticada como a brasileira. É preciso uma visão mais ampla e diversificada dos problemas para que se tenha geração de riquezas, saúde e educação. Esses são os programas de longo prazo, que oferecem uma solução sustentável para a fome.
Creio que seria imprudente colocar todo o enfoque em uma ação contra a fome de estilo humanitário, que subestime ou dê um papel secundário a outros programas básicos de desenvolvimento sustentável.
Mas creio que Lula pôs o dedo em algo importante: o fato de os anos 90 terem envolvido demais a América Latina no Consenso de Washington e em seus dogmas: reformas liberais, privatizações, orientação para o mercado. Sentimos isso na pele, vendo governos se afastarem da ONU e de seus programas em direção a grandes organismos de Washington, como o FMI. Lula deixou explícito que a América Latina ainda tem problemas de desenvolvimento antigos, como a pobreza e a falta de confiança nas instituições políticas. Ele falou para as pessoas que não viram a sua vida melhorar com o sistema que existe.

Folha - Politicamente, Lula vem dizendo isso. Mas, na prática, adota a mesma cartilha do consenso e de FHC. Faz o que pode para acalmar os mercados.
Brown -
Há uma forte correlação entre os dois. FHC frisou suas credenciais macroeconômicas. Lula procura externar as reformas sociais. Mas ambos estão juntos no fato de que não é possível sacrificar a ortodoxia na economia e se atirar em direção a reformas sociais sem sustentação.
Creio que o Brasil já tenha conquistado um teto mais elevado para suas reformas sociais. E não acredito que, para fazê-las, tenha de jogar fora as conquistas alcançadas. O chamado Consenso de Washington tem diretrizes que são boas para os negócios. Mas a ele devem ser somadas políticas sociais consistentes.


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