São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
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COMUNICAÇÕES
Doze pedidos de concessão já foram autorizados pelo presidente e estão tramitando no Congresso
Governo deve criar 180 emissoras de TV

OTÁVIO CABRAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O Ministério das Comunicações deve transformar em concessionárias de televisão 180 retransmissoras educativas que hoje atuam com licenças precárias. As concessões serão gratuitas, válidas por 15 anos e renováveis.
Os processos deverão estar concluídos até maio do ano que vem. Entre os potenciais beneficiários estão fundações ligadas a políticos, igrejas e grupos privados de rádio. Doze pedidos de concessão já foram autorizados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e estão sendo analisados pelo Congresso Nacional.
As novas concessões estão sendo dadas com base no decreto 3.541, assinado pelo presidente e pelo ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, em 6 de maio. Um decreto de igual teor, assinado em maio de 1998 por FHC e pelo ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, já previa essa possibilidade.
O novo decreto prorrogou por mais um ano (até maio de 2001) o prazo dado pelo decreto anterior para que as repetidoras enviassem a documentação exigida pelo Ministério das Comunicações.

100% local
O decreto permite a transformação de retransmissoras mistas de televisão educativa, figura criada por portaria durante o governo do presidente José Sarney (1985-90), em geradoras regionais.
Em tese, elas poderão ocupar toda a grade de programação com produção local, quando hoje estão obrigadas a retransmitir pelo menos 85% da programação gerada pelas chamadas cabeças-de-rede, como a TV Cultura, de São Paulo, e a TV Educativa, do Rio.
Além disso, o decreto permite que novas fundações recebam concessões onde houver canal de geradora disponível. Com a concessão de geradora em seu poder, as atuais retransmissoras -que hoje podem gerar no máximo duas horas de programação por dia- poderão chegar a 100% de produção local, desde que tenha um caráter educativo, e retransmiti-la para as cidades vizinhas.
Poderão também captar recursos com publicidade institucional, embora continuem proibidas de anunciar produtos.
O próprio Ministério das Comunicações admite que a mudança pode ser um atrativo para grupos políticos e religiosos.
""Todo o sistema de radiodifusão tem ligação com política, não há como não ser assim", admitiu Paulo Minicucci, secretário nacional de Radiodifusão do Ministério das Comunicações: ""O que nós estamos fazendo é criar meios para evitar o uso da política na programação das emissoras".

Promessa esquecida
A concessão dessas emissoras contraria promessa feita na primeira gestão do governo FHC. No dia da posse, em 1995, o então ministro Sérgio Motta afirmou que não haveria mais distribuição gratuita de canais de TV, os quais passariam a ser concedidos por meio de licitações públicas.
Contudo hoje existem 300 pedidos de concessão de geradoras educativas na Secretaria Nacional de Radiodifusão. Segundo Minicucci, 12 foram aprovados, 120 devem ser negados e 168 estão em estudo, podendo ser autorizados.
O governo dispensou licitações para TVs educativas. Os interessados precisam apenas registrar uma fundação e enviar a documentação ao ministério. Depois de aprovados pelo ministério e pela Presidência, precisam de aprovação por maioria simples no Congresso Nacional. Como há políticos governistas envolvidos e este é um ano de eleições municipais, o ministério não prevê dificuldades na aprovação.

Políticos
Os pedidos existentes no ministério revelam indícios de influência política, sobretudo em Minas Gerais, Estado do ministro Pimenta da Veiga (Comunicações), que conta com o maior número das tais retransmissoras mistas.
É o caso da Fundação Educacional e Cultural João Soares Leal Sobrinho, que administra a Rádio e TV Imigrantes, em Teófilo Otoni (MG). A emissora é controlada por Luís Leal, ex-prefeito e deputado federal pelo PMDB. Ele já teve a concessão autorizada pelo presidente da República.
Em Formiga (MG), reduto eleitoral de Pimenta da Veiga, a concessão (também já autorizada por FHC) foi para a Fundação Integração do Oeste de Minas. O presidente é Mozart Arantes, vice-prefeito na última legislatura na chapa do atual prefeito, Eduardo Bras Almeida (PSDB).
Em Ubá, a TV educativa local é administrada por uma fundação presidida por Daniel Coelho, filho do deputado federal Saulo Coelho (PSDB-MG), que até a semana passada ocupava o cargo de ouvidor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), órgão que fiscaliza as emissoras de TV.

Divinópolis
A retransmissora educativa da cidade de Divinópolis, também em Minas Gerais, está em nome da Fundação Jaime Martins, criada pelo pai do deputado federal Jaime Martins Filho (PFL). Ele confirma que encaminhou a documentação com o pedido de concessão ao ministério, mas declara não possuir vínculo com a administração da entidade.
O deputado diz que não tira proveito político ou financeiro da TV: ""Pago o aluguel do meu próprio bolso e fizemos uma campanha na cidade para levantar recursos e manter a emissora funcionando", afirmou.
Martins Filho diz estar convencido de que a vinculação com rádio e televisão mais prejudica do que beneficia os políticos, pelo menos nas cidades onde existem várias emissoras em funcionamento. ""Elas nos vêem como concorrentes", justifica.
Em pelo menos duas cidades mineiras, as retransmissoras são ligadas aos prefeitos: a de Três Corações e a de Lambari.
Entre os 12 pedidos de concessão já autorizados pelo governo, pendentes apenas de aprovação pelo Congresso, está o da Fundação Radiodifusão Rodesindo Pavan, do Balneário de Camboriú (SC). O nome da fundação é uma homenagem ao pai do prefeito Leonel Pavan (PDT), membro do conselho curador da entidade.
No Piauí, o deputado estadual Guilherme Xavier Oliveira (PL) possui uma retransmissora mista educativa na cidade de Regeneração que, pelo decreto, pode ser transformada em geradora.

São Paulo
No Estado de São Paulo, cerca de 70 retransmissoras educativas entraram com pedido de concessão de geradora no Ministério das Comunicações. Diversamente do que ocorre em Minas, os pedidos vêm, em sua maioria, de grupos de comunicação privados.
O presidente da Aesp (Associação das Emissoras de Rádio e TV de São Paulo), Orlando José Zovico, é o maior exemplo dessa situação. Ele é proprietário de uma rede de sete rádios no interior do Estado, atua há 38 anos no setor e tem uma retransmissora mista educativa na cidade de Limeira.
O empresário conta que entrou com o pedido de concessão em nome da Fundação Orlando Zovico (uma homenagem ao pai), criada especialmente para esse fim e que pretende ter em sua grade de programação pelo menos três horas diárias de produção local. A retransmissora, por enquanto, está registrada em nome da Rádio Jornal do Povo Ltda.
Há outros casos de retransmissoras ligadas a grupos de comunicação privados em São Paulo: Bertioga (Rádio Costa Norte), Birigui (Associação Sabioni de Comunicação), Sorocaba (Rede Metropolitana), Diadema (Antena Um) e Guarulhos (Rádio Líder).
Orlando Zovico diz que, até o momento, não percebeu reação negativa por parte das emissoras comerciais à transformação das retransmissoras em geradoras.
Embora minoritários, os políticos também estão presentes nos processos oriundos de São Paulo. A retransmissora de Mogi-Guaçu (SP) tem como sócios três políticos do PSDB: o prefeito da cidade, Walter Caveanha, o presidente municipal do partido, Mário Vedovelho Filho, e o vereador Elias Fernandes de Carvalho.


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