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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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Para ex-assessor de FHC, governo confunde marketing eleitoral e estratégia no período governamental

Lula deve solenizar fala, afirma Lavareda

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

A comunicação do governo Lula incorre num erro comum a gestões iniciantes, segundo o publicitário e sociólogo Antônio Lavareda: confunde marketing eleitoral com comunicação nos períodos de governo. "É como comparar corrida de cem metros com uma maratona", diz Lavareda, que assessorou Fernando Henrique Cardoso em parte de seu governo.
Um exemplo do equívoco, afirma, foi a campanha para o Fome Zero, que ele julgou precipitada.
Para Lavareda, a imagem do governo federal corre grande risco se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva virar cabo eleitoral de Marta Suplicy (PT-SP) na campanha para a Prefeitura de São Paulo no ano que vem.
Estrategista dos tucanos na situação, ele ataca as inserções do PSDB na TV -erraram o "timing". Leia trechos da entrevista.
 
Folha - Qual a sua avaliação da comunicação do governo Lula?
Antônio Lavareda -
É muito cedo para fazer essa avaliação. O importante a ser levado em consideração é que são bastante diferentes comunicação de governo e comunicação eleitoral. Frequentemente você observa que alguns governos, sobretudo no início, as suas equipes de comunicação se equivocam porque adotam estilos e estratégias de comunicação eleitoral. Do ponto de vista metafórico, era como se comparassem uma corrida de cem metros e uma maratona. O "timing" é diferente, a seleção de mensagens também.

Folha - Esse fenômeno está acontecendo agora? Em que erraram?
Lavareda
- Tudo ainda está começando. No quesito propaganda, a única coisa que eu vi que não faria ou não aconselharia é a campanha do programa Fome Zero. Quando foi feita, na forma que foi feita e no estágio em que o programa se encontrava. Isso pode ser um exemplo dessa confusão na utilização de estilo e estratégia do marketing eleitoral em período governamental. Foi inadequado. De qualquer forma, na comunicação de governo, a chamada "free media" -a imprensa de uma forma geral- tem muito mais importância do que ao longo das campanhas eleitorais.

Folha - O que sr. achou da escolha das agências para a Secom (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica)?
Lavareda -
Esse modelo é um avanço. Não conheço exatamente o perfil das agências. Mas o que vale chamar atenção é que a comunicação de governo não pode ser vista como um mero exercício, uma espécie de balé publicitário. Precisa de ligação muito forte entre comunicação, administração e política para produzir uma boa comunicação governamental.

Folha - Como gerir esse carisma de Lula, que é visto como trunfo?
Lavareda -
Esse é o pilar central de sustentação da imagem do governo. Esse carisma, esses atributos percebidos pela população. O que aumenta bastante a responsabilidade da administração da imagem pessoal do presidente. O governo depende nesse primeiro ano, basicamente, da imagem de Lula e precisa zelar dela.

Folha - E tem zelado?
Lavareda -
Às vezes me parece que ela [a imagem de Lula] pode ser submetida a arranhões.

Folha - Sob seus conselhos, Lula falaria tanto de improviso?
Lavareda -
Não. Falaria menos sobre temas os mais diversos. O discurso dele seria mais focado, teria um cunho mais estratégico. Seria mais zelado nos detalhes. Ainda não há políticas públicas valorizadas pela população. Nessa situação, o presidente precisa ter uma agenda de temas a abordar mais reduzida, tem de solenizar mais suas falas, não pode se expor como tem se exposto. Tem que valorizar ao máximo esses momentos em que fala à nação para aproveitar esse capital incrível, essa ligação afetiva.

Folha - O imagem da era FHC teve como âncora o Plano Real. O governo Lula tem algo do gênero?
Lavareda -
Não tem. E isso é uma diferença importante. No primeiro ano do governo FHC, mesmo nessa altura de seis, sete meses, o governo já tinha entregado à população o Plano Real e essa é uma diferença marcante. Lula é eleito na expectativa de mudança. Ele começa o mandato, tem que tomar medidas razoavelmente duras para a preservação da estabilidade, mas a população vai cobrar -e já começa a cobrar- o cumprimento do prometido. E aí não há nada visível no horizonte que possa sugerir que o governo vai dispor do seu primeiro grande marco. O governo não tem apresentado até agora idéias mais originais na política social. É preciso lembrar o seguinte: mudança é o metro com o qual o governo precisaria avaliar cada uma das medidas e das ações que anuncia para a sociedade. Qual o conteúdo de mudança? Porque é nisso que as pessoas votaram. Por outro lado, se isso é fácil de ser verbalizado nas campanha, nota-se que é muito difícil imprimir isso no cotidiano das administrações. É muito difícil. Outro desafio é a eleição municipal ano que vem.

Folha - O que é esse desafio? É um risco Lula fazer campanha para Marta Suplicy, em São Paulo?
Lavareda -
É um ano especialíssimo. O ano de eleição municipal é quando os governos podem dar uma respirada. O foco da atenção sai do governo federal e vai lá para a base da sociedade. No governo Fernando Henrique, em 96 [ano de eleição municipal] a popularidade do governo sobe e tem seu pico entre 96 e 97. O que permitiu que o governo capitalizasse isso? FHC se envolveu o mínimo possível -e foi cobrado por causa disso- com as campanhas municipais e pôde adquirir oxigênio para alavancar a imagem do seu governo. Em 2000 novamente.
O desafio do governo Lula é que, dada a natureza do PT, dos quadros do ministério, do próprio estilo do presidente, tudo isso talvez faça com que o governo se envolva demasiadamente com as eleições municipais e, em vez de ter esse momento privilegiado, pode chegar a uma taxa mais do que razoável de nacionalização do pleito, um grande plebiscito de avaliação do governo Lula.
Um governo federal de qualquer partido pode se beneficiar mais se ele se distingue do pleito municipal. O apoio do presidente, principalmente no segundo turno, é muito importante, mas promover uma aproximação estreita entre governo federal e candidatos locais pelo país pode tirar do governo um respiro inestimável.

Folha - O senhor foi estrategista do PSDB na situação. Qual a sua avaliação da estratégia dos tucanos na oposição?
Lavareda -
Ainda estamos todos titubeantes. E aí é um aprendizado no campo do governo e da oposição. Em geral, graças a Deus, no campo da oposição os problemas são mais fáceis de serem administrados porque são, frequentemente, problemas no campo retórico. Vez por outra você ainda vê adjetivações, alguns documentos que lembram a retórica do MR8 [risos]... Mas tudo isso vai se decantando e creio que a partir do final desse ano a oposição vai ter encontrado tanto o seu lugar como o tom correto.
O PSDB se marcou por estratégias diferenciadas. O candidato [derrotado] José Serra [PSDB-SP], por exemplo, disse nos jornais: "Não vou torcer para que o desemprego cresça no país para que o governo Lula seja penalizado". Ao passo que você tem a propaganda do PSDB na televisão cobrando o governo, colocando a questão do desemprego. Pode ser discutida a eficácia desse tipo de mensagem produzida pelo PSDB, que se ausentou do poder há muito pouco tempo...
A população não percebe, como eles provavelmente gostariam, que o partido não tem nenhuma responsabilidade no quadro de desemprego atual. Ou seja, há determinadas mensagens para as quais o timing é o mais importante. Ela pode ser usada dois meses, três meses depois, com muito mais eficácia

Folha - E o papel de FHC no PSDB? O sr. falou de solenização da fala do presidente. E a dos ex-presidentes?
Lavareda -
A mídia tem assediado em demasia o ex-presidente e acho que corre o risco de banalizar a importância da instituição da ex-Presidência. Quem perde não é só o PSDB, mas o país. Porque o papel institucional dele é muito mais importante do que o de mero militante, embora militante de luxo, do PSDB.

Folha - O sr. diz que há assédio, mas ele tem aceitado falar ...
Lavareda -
Ele é uma pessoa afável. Vejo isso como uma responsabilidade da mídia...



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