São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2001

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ELIO GASPARI

Pensando bem... Osama bin Laden

Osama bin Laden tornou-se o primeiro produto da falta de cérebro da chamada revolução das comunicações. O poderio da máquina que o governo americano mobiliza para apoiar sua política o está transformando em algo que ele não é. O milionário saudita tornou-se uma intrigante personalidade. É fisicamente frágil, frugal nos hábitos, sereno na postura e determinado na conduta. Desligue-se o som de um aparelho de televisão e rodem-se dois discursos, um de George W. Bush e outro de Bin Laden. Em seguida, faça-se a seguinte pergunta: "Qual dos dois está matando gente por aí?". Vai dar Bush.
Com grande frequência (inclusive no parágrafo anterior), Bin Laden é caracterizado como "milionário saudita". Milionário ele é. Resta saber o que vem a ser um "milionário saudita". Ou não é coisa nenhuma, ou, pelo folclore, é um sujeito que dá gorjetas de US$ 500, presenteia camareiras com relógios Rolex e faz a festa das marafonas quando vai ao exterior. As torneiras do iate do príncipe Abdulaziz são de ouro. Um xeque do pedaço arrematou por quase US$ 1 milhão a tiara de diamantes e safiras da princesa Isabel. No tempo dos petrodólares, o presidente da Agência Monetária da Casa de Saud era entretido por ases mundiais do bridge, levados a Riad pelo Citibank.
Nesse plantel, aparece um "milionário saudita" que mora em cavernas e torra seu dinheiro por uma idéia. Se alguém diz que um potentado saudita comprou uma praia no Ceará, a caracterização é útil. Já um "milionário saudita" destruindo as torres do World Trade Center e matando cerca de 6.000 pessoas nada tem a ver com o fato dele ser milionário nem saudita. Podia ser venezuelano e pobre, como Carlos, o Chacal (o grande terrorista dos anos 70) e daria na mesma. Bin Laden, como o Chacal, é um terrorista.
Bin Laden só se mostra quando quer. Numa de suas aparições mais conhecidas, empunha um cajado. Afora o papa, o último personagem notável a andar com cajado foi o Mahatma Gandhi. Quando empunha sua metralhadora, logo vem a explicação: tomou-a, no braço, de um soldado russo. Por falar em russos, desde que Davi matou Golias, Bin Laden é o primeiro fraco a enfrentar o forte depois de já ter encestado um gigante (a União Soviética). Infelizmente o fato de a história do povo hebreu se confundir com a tradição religiosa judaico-cristã faz com que, havendo um Davi e um Golias, a torcida vá para Davi. Não se admite a possibilidade de Golias estar certo. Mr. Golias esteve certo, por exemplo, quando botou Saddam Hussein para fora do Kuait.
Bin Laden construiu uma personalidade, se não simpática, pelo menos livre da essência odienta de seus atos. A fragilidade de sua figura atrai uma compreensão jamais conseguida pelo exibicionismo megalômano do ditador líbio Muammar Gaddafi. Sua barba de pintura de El Greco é plácida, nada tem a ver com a crina caótica de Iasser Arafat. A idéia de que Bin Laden vai de caverna em caverna enquanto mísseis, porta-aviões e soldados profissionais caçam-no pelas montanhas é puro Tom e Jerry. Nunca se soube de alguém que torcesse pelo gato. (É possível que esse tenha sido o caso de George W. Bush, mas não há provas.)
Nos últimos 50 anos, foram muitos os personagens que conseguiram parecer ao mundo algo que não eram ou que haviam deixado de ser. Houve o Fidel Castro romântico, descendo das montanhas para destruir a ditadura de Fulgêncio Batista. (Tornou-se o mais longevo dos ditadores latino-americanos.) Houve o misticismo popular do aiatolá Khomeini, que reunia jornalistas sentado debaixo de uma árvore, no exílio francês. (Sua revolução islâmica matou mais gente que a monarquia sanguinária do xá Reza Pahlevi.) Isso para não falar da Revolução Cultural de Mao Tse-tung, um guerrilheiro de primeira que fazia poesias de segunda. (Levou seu país à ruína e, em algumas regiões, a casos de antropofagia.) São personagens diferentes entre si e de Bin Laden. Têm em comum uma só coisa: pareciam ser uma coisa que não eram, mas que muita gente gostaria que fossem.


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