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ELIO GASPARI
Pensando bem...
Osama bin Laden
Osama bin Laden tornou-se
o primeiro produto da falta
de cérebro da chamada revolução das comunicações. O poderio da máquina que o governo
americano mobiliza para
apoiar sua política o está transformando em algo que ele não
é. O milionário saudita tornou-se uma intrigante personalidade. É fisicamente frágil, frugal
nos hábitos, sereno na postura e
determinado na conduta. Desligue-se o som de um aparelho de
televisão e rodem-se dois discursos, um de George W. Bush e
outro de Bin Laden. Em seguida, faça-se a seguinte pergunta:
"Qual dos dois está matando
gente por aí?". Vai dar Bush.
Com grande frequência (inclusive no parágrafo anterior),
Bin Laden é caracterizado como "milionário saudita". Milionário ele é. Resta saber o que
vem a ser um "milionário saudita". Ou não é coisa nenhuma,
ou, pelo folclore, é um sujeito
que dá gorjetas de US$ 500, presenteia camareiras com relógios
Rolex e faz a festa das marafonas quando vai ao exterior. As
torneiras do iate do príncipe
Abdulaziz são de ouro. Um xeque do pedaço arrematou por
quase US$ 1 milhão a tiara de
diamantes e safiras da princesa
Isabel. No tempo dos petrodólares, o presidente da Agência
Monetária da Casa de Saud era
entretido por ases mundiais do
bridge, levados a Riad pelo Citibank.
Nesse plantel, aparece um
"milionário saudita" que mora
em cavernas e torra seu dinheiro por uma idéia. Se alguém diz
que um potentado saudita comprou uma praia no Ceará, a caracterização é útil. Já um "milionário saudita" destruindo as
torres do World Trade Center e
matando cerca de 6.000 pessoas
nada tem a ver com o fato dele
ser milionário nem saudita. Podia ser venezuelano e pobre, como Carlos, o Chacal (o grande
terrorista dos anos 70) e daria
na mesma. Bin Laden, como o
Chacal, é um terrorista.
Bin Laden só se mostra quando quer. Numa de suas aparições mais conhecidas, empunha
um cajado. Afora o papa, o último personagem notável a andar com cajado foi o Mahatma
Gandhi. Quando empunha sua
metralhadora, logo vem a explicação: tomou-a, no braço, de
um soldado russo. Por falar em
russos, desde que Davi matou
Golias, Bin Laden é o primeiro
fraco a enfrentar o forte depois
de já ter encestado um gigante
(a União Soviética). Infelizmente o fato de a história do povo
hebreu se confundir com a tradição religiosa judaico-cristã
faz com que, havendo um Davi
e um Golias, a torcida vá para
Davi. Não se admite a possibilidade de Golias estar certo. Mr.
Golias esteve certo, por exemplo, quando botou Saddam
Hussein para fora do Kuait.
Bin Laden construiu uma personalidade, se não simpática,
pelo menos livre da essência
odienta de seus atos. A fragilidade de sua figura atrai uma
compreensão jamais conseguida pelo exibicionismo megalômano do ditador líbio Muammar Gaddafi. Sua barba de pintura de El Greco é plácida, nada
tem a ver com a crina caótica de
Iasser Arafat. A idéia de que
Bin Laden vai de caverna em
caverna enquanto mísseis, porta-aviões e soldados profissionais caçam-no pelas montanhas é puro Tom e Jerry. Nunca
se soube de alguém que torcesse
pelo gato. (É possível que esse
tenha sido o caso de George W.
Bush, mas não há provas.)
Nos últimos 50 anos, foram
muitos os personagens que conseguiram parecer ao mundo algo que não eram ou que haviam deixado de ser. Houve o
Fidel Castro romântico, descendo das montanhas para destruir a ditadura de Fulgêncio
Batista. (Tornou-se o mais longevo dos ditadores latino-americanos.) Houve o misticismo
popular do aiatolá Khomeini,
que reunia jornalistas sentado
debaixo de uma árvore, no exílio francês. (Sua revolução islâmica matou mais gente que a
monarquia sanguinária do xá
Reza Pahlevi.) Isso para não falar da Revolução Cultural de
Mao Tse-tung, um guerrilheiro
de primeira que fazia poesias de
segunda. (Levou seu país à ruína e, em algumas regiões, a casos de antropofagia.) São personagens diferentes entre si e de
Bin Laden. Têm em comum
uma só coisa: pareciam ser uma
coisa que não eram, mas que
muita gente gostaria que fossem.
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