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REAÇÃO SUL-AMERICANA
Documento tenta se contrapor ao Consenso de Washington
Brasil e Argentina lançam o "Consenso de Buenos Aires"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Os presidentes do Brasil e da Argentina, Luiz Inácio Lula da Silva
e Néstor Kirchner, assinarão na
semana que vem, em Buenos Aires, um documento cujo título
("Consenso de Buenos Aires") foi
cuidadosamente escolhido para
sinalizar um contraponto ao Consenso de Washington.
Este último é uma codificação
de propostas de política econômica feita pelo economista John Williamson e tido como uma espécie
de bíblia das políticas neoliberais
que foram hegemônicas na América Latina nos anos 90.
Seus principais aspectos foram
as privatizações em grande escala,
a abertura comercial e a desregulamentação das economias.
Agora, o "Consenso de Buenos
Aires", embora de forma necessariamente genérica, põe a ênfase
em outros tipos de políticas. Vai
defender políticas tanto macro
como microeconômicas favoráveis à produção e à geração de
emprego, bem como enfatizar a
prioridade para atender as questões sociais.
Ressalve-se que este ano foi divulgada uma espécie de revisão
do Consenso de Washington em
que a atenção ao social ganhou
uma prioridade que não figurava
na versão original.
O documento Lula/Kirchner,
em fase final de elaboração, não
detalha as políticas concretas do
novo "Consenso", o que evita
uma armadilha: há no Brasil uma
sensação, talvez majoritária, de
que o governo Lula segue, no geral, as políticas de seu antecessor,
que era acusado, pelo próprio PT,
de submissão ao Consenso de
Washington e suas políticas neoliberais. Na Argentina, essa sensação é mais forte, e o próprio
Kirchner parece compartilhá-la.
Quando ele e Lula participaram
da reunião, nas imediações de
Londres, da Governança Progressista (ex-Terceira Via), a mídia argentina informou que Kirchner
havia criticado Lula por estar se
submetendo demais ao Fundo
Monetário Internacional (FMI).
A informação não tinha fonte,
mas nunca foi desmentida. Pior:
no mês passado, quando a Argentina deu um efêmero calote no
FMI, Kirchner tratou de arrebanhar apoios entre governantes latino-americanos. O chileno Ricardo Lagos e o mexicano Vicente
Fox deram apoio. Lula, não. A
versão que o Palácio do Planalto
tem dado para o episódio é a de
que, bem antes, quando esteve em
Washington, Lula insistira com
George Walker Bush para que ele
ajudasse a Argentina a fechar um
bom acordo com o FMI.
Bush foi reticente, alegando que
Kirchner, que havia assumido
pouco antes, não estava fazendo a
lição de casa.
Mas o fato real é que Lula preferiu não se envolver no episódio do
calote com o Fundo, por duas razões: primeiro, porque sabia que
havia uma profunda divergência
entre Kirchner e seu ministro da
Economia, Roberto Lavagna,
contrário ao não-pagamento da
dívida com o FMI. Segundo, o
Brasil começa a buscar novos parâmetros para negociar a eventual
renovação de seu acordo com o
Fundo (ou um novo acordo) e seria inconveniente respaldar uma
negociação argentina que passava, primeiro, pelo calote.
Resíduo
Embora os dois presidentes já
tenham se encontrado em Nova
York, no mês passado, e, de público, dado por encerrado o mal-entendido, a Folha apurou que não
é bem assim. Ainda há, da parte
argentina, um certo resíduo de
mal-estar ao menos em alguns setores do governo Kirchner.
Talvez por saber disso, Lula, em
um dos discursos que fará em
Buenos Aires, dirá com muita ênfase que a relação Brasil/Argentina tem objetivos maiores diante
dos quais os ruídos recentes entre
os dois governos são miudezas
que têm que ser deixadas de lado.
A expectativa de diplomatas dos
dois países é a de que os dois presidentes tenham uma conversa
franca e definitiva durante o vôo
de cerca de três horas que farão
juntos para Calafate, na Patagônia, a terra de Kirchner, na sexta-feira, dia 18.
Acontece que, na véspera, na
parte da visita relativa a Buenos
Aires, dificilmente haverá tempo
para muita conversa, porque o
programa de Lula está muito carregado e porque serão assinados
muitíssimos documentos de cooperação conjunta, além do "Consenso de Buenos Aires".
Embora não pareça dirigido aos
Estados Unidos, o novo "Consenso" surge a um mês exato da Conferência Ministerial da Alca (Área
de Livre Comércio das Américas),
a se realizar em Miami.
Tiroteio verbal
A negociação está motivando
um intenso tiroteio verbal entre
Brasil e Estados Unidos e, mais
que isso, forte pressão norte-americana sobre países sul-americanos, que envolve agora, segundo a
Folha ouviu no Planalto, a assessora de Segurança Nacional, Condoleeza Rice.
Coincidência adicional: segunda e terça-feira próximas, o assessor diplomático de Lula, Marco
Aurélio Garcia, participa em
Washington de reunião da Internacional Socialista com políticos
norte-americanos do Partido Democrata, entre eles a senadora Hillary Clinton.
Hillary nega, mas continua sendo citada com frequência como
eventual candidata democrata à
eleição de 2004, contra Bush.
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