São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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NO PLANALTO

Vasco tabela com Brasília e derrota Viúva

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

Futebol e governo são parecidos. Não têm lógica. Só não são idênticos porque o governo é mais ilógico do que o futebol. No campo da repartição pública falta iluminação, a bola é quadrada, vale gol de mão e ninguém ouve as vaias da torcida.
Imagine-se um negócio envolvendo um time de futebol e o governo. Tem 100% de chances de acabar em encrenca. Foi o que aconteceu numa transação do glorioso Vasco da Gama com Brasília. A coisa rolou há 28 anos. Encontra-se embolada no meio de campo até hoje.
Aconteceu assim:
1) em 1976, o presidente Ernesto Geisel assinou o decreto 78.337. O texto autorizou a cessão gratuita de um terreno pertencente à União. Mede 485 mil m2. Fica em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro;
2) em 1990, sob Fernando Collor, a gerência regional da Secretaria do Patrimônio da União no Rio deu tratos à bola. Tabelando com o decreto de Geisel, firmou contrato com o Vasco da Gama;
3) sem levar a mão ao bolso, o time carioca assenhorou-se do megaterreno. Em troca, comprometeu-se a construir, em dois anos, um Centro Esportivo. Obrigou-se também a franquear pelo menos metade da área ao público. A bugrada de Caxias passaria a dispor de espaço para a "prática de esportes em geral". Um a zero;
4) em 1991, ainda sob Collor, o decreto que cedeu o terrenão ao Vasco foi revogado por um outro decreto, sem número. Foi às páginas do "Diário Oficial" em 18 de fevereiro de 1991;
5) o Vasco, que ainda não havia assentado um único tijolo sobre o solo de Caxias, pediu uma prorrogação de contrato. Brasília fez que não ouviu. Caiu Collor, entrou Itamar Franco, veio Fernando Henrique Cardoso. E nada. O Vasco não sossegou;
6) em 1996, gestão FHC, saiu, finalmente, um novo decreto. O texto rendeu homenagens à falta de lógica. No novo acerto, o Vasco foi liberado do compromisso de abrir os portões do seu futuro Centro Esportivo à súcia. Dois a zero;
7) em 24 de janeiro de 1997, o Vasco endereçou correspondência à delegacia do Patrimônio da União. Como ainda não havia deitado sobre o torrão de Caxias o tijolo inaugural, pediu prorrogação dos prazos contratuais;
8) o Vasco pediu mais. Queria autorização para usar 50% da área do superterreno "sob a forma de locação ou comodato a empresas privadas". Argumentou que atravessava "seriíssima crise financeira e absoluta carência de recursos";
9) decorridos escassos cinco dias, o governo baixou, em 29 de janeiro de 1997, mais um decreto. Estipulava o seguinte: o Vasco estava autorizado a destinar "até 50%" do terreno que recebeu de presente da Viúva para, "mediante locação, pelo prazo de até 30 anos, obter recursos financeiros destinados à execução do projeto" do Centro Esportivo. Três a zero;
10) recapitulando: o Vasco, que recebera um terreno de graça e já fora desobrigado de ceder parte dele para o lazer da galera de Caxias, agora poderia usá-lo para fazer caixa. Era o absurdo fazendo festa na grande área;
11) em 28 de janeiro de 2003, agora sob Lula, o governo recebeu mais uma carta do Vasco da Gama. Nem sinal dos alicerces do Centro Esportivo. O terrenão de Caxias encontrava-se invadido. O time informou que buscava na Justiça a retirada dos invasores;
12) o Vasco informou também ao governo que, motivado por razões ambientais, o Ministério Público se insurgiu contra as obras do Centro Esportivo. Obteve na Justiça decisão liminar proibindo a terraplenagem do torrão de Caxias. Feitos os esclarecimentos, o time cruzmaltino pediu nova prorrogação do prazo para a conclusão das obras;
13) no último mês de julho, os ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) analisaram em plenário o teor de relatório que contém um compacto da seqüência de dribles que o Vasco impõe ao contribuinte. O texto define os negócios do governo com o Vasco em uma palavra: "Imoral". Foi aprovado por unanimidade;
14) sob os efeitos do julgamento do TCU, a Secretaria do Patrimônio da União remeteu o caso à Advocacia da União. Se prevalecer a lógica, o governo deve retomar o terreno de Caxias.
15) o Vasco não descansa. Apega-se ao refrão do seu hino: "Avante então/Que pra vencer/ Sem discussão/Basta querer/Lutar, lutar/Os vascaínos/De terra e mar/Os paladinos".
Para evitar maledicências, o repórter esclarece que não é fanático pelo Flamengo. Torce pelo Gama, de Brasília.



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