São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Os jagunços do PT micaram com o senador Heráclito

A tolerância dispensada às truculências do PT atingiu um nível perigoso. Na semana passada, sem grande sucesso, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI) foi à tribuna para denunciar o que lhe aconteceu na cidade maranhense de Barreirinhas, na tarde do dia 2 de outubro. Nas suas palavras: "Aqui já se falou (...) do PT milionário, do PT prepotente, do PT vitorioso, mas quero discorrer sobre uma nova faceta do PT: o que pratica violência sob a proteção de jagunços. Essa é uma novidade na biografia desse partido, que tanto combatia ações dessa natureza".
Acontecera o seguinte:
Ele voou com cinco amigos e dois tripulantes de um jatinho para a franja dos lençóis maranhenses. Desembarcou na cidade de Barreirinhas às 12h. Contratara um passeio pelas dunas. Estava no ancoradouro do rio Preguiça quando foi interpelado pelo juiz da comarca, Fernando Barbosa de Oliveira Junior:
- Quero saber onde o senhor colocou as quatro malas que trouxe com dinheiro para a campanha do candidato do PMDB. Disse o juiz.
- O senhor recebeu alguma denúncia por escrito? Respondeu o senador.
- Não. Recebi uma denúncia verbal e isso para mim é suficiente. Vou abrir as malas do senhor e dos seus convidados.
Heráclito Fortes contou: "Perguntei-lhe se era correto abrir, sem uma prova formal, as malas de um senador da República, e ele disse que, naquele momento, a lei era ele".
O doutor la-loi-c'est-moi revistou as malas. Tremendo mico. A essa altura a cena estava povoada por uns oitos cidadãos enormes, que o senador definiu como "armários". Estavam armados e exibiam seus revólveres.
Heráclito Fortes supôs que fossem guarda-costas do juiz. Engano. Eram a escolta do companheiro Miltinho, candidato a prefeito pelo Partido dos Trabalhadores, que acompanhou pessoalmente a cena.
Reconhecendo que nada achara nas sacolas dos turistas, o juiz comprometeu-se a dar uma certidão ao senador. Pediu-lhe que o procurasse no fórum, às 16h30. Fortes saiu para seu passeio e, quando voltou, cadê o juiz? Sumira. Sobraram os armários, que continuaram seguindo o grupo. Quando o avião dos visitantes decolou, dispararam rojões em sua direção.
Heráclito Fortes só conseguiu falar com o juiz no dia seguinte. Recebeu a prometida certidão. Denunciou a bizarria à Mesa do Senado e o presidente da Casa, José Sarney (candidato à reeleição), determinou ao corregedor Romeu Tuma que tomasse as providências cabíveis. É de Tuma a seguinte constatação: "Juiz acompanhado de capangas é uma coisa profundamente esquisita dentro do arcabouço jurídico de procedimentos de um juiz. (...) Deviam estar presos, pelo abuso que praticaram".
O Senado vai chamar o juiz para contar sua história. Tudo bem, mas o senador Sarney conhece a história da cadeira que ocupa. Ao tempo em que a Casa era presidida pelo vozeirão do senador Auro Moura Andrade (1961-1967) um caso como esse não saía tão barato. Era uma época em que não passava pela cabeça de candidato a prefeito humilhar senador da República, obrigando-o a uma revista sem a apresentação de nenhum papel, nem pela idéia de um juiz negar-lhe o imediato acesso à certidão de registro do mico da operação.
Como diria o bandido Elias Maluco aos policiais que o prenderam: "Não esculacha".

Chantagem

A quem interessar possa: a chantagem com os dados colhidos pela CPI do Banestado continua.
Um dos maiores sobrenomes do empresariado nacional viu-se diante de um encosto e resolveu conferir suas insinuações, consultando os CDs da comissão.
General bate Lula
O consultor sindical João Guilherme Vargas Neto atualiza sua lista de milionários eleitorais.
Lula, com 52,8 milhões de votos, caiu para o terceiro lugar. A lista passou a ser encabeçada pelo general Susilo Bambang Yudhoyono, presidente eleito da Indonésia, com 69 milhões de votos. O general é ex-chefe de polícia, mas gosta de ser chamado de doutor.
O segundo lugar fica com Ronald Reagan. Na eleição de 1984 ele teve 54,5 milhões de votos.

Livro de feriadão

Um bom livro para o próximo feriadão: "A Economia da Fraude Inocente" (66 páginas), 21ª obra de John Kenneth Galbraith (96 anos). Impiedosa e elegante denúncia do tal "mercado" e da deificação de uma cultura de mutretas. Sai no final do mês.

Uma cena brasileira, em duas contas

Uma conta besta e grosseira para se ver como o andar de cima nacional está arrumando uma encrenca com o de baixo:
Desde agosto, a Prefeitura de São Paulo adota o sistema de bilhete único para os ônibus municipais. Com uma passagem de R$ 1,70, a patuléia pode tomar quantos ônibus quiser, num período de duas horas.
A diarista Marinete (Cláudia Rodrigues, fenomenal), que tomava dois ônibus para ir ao trabalho, deixou de gastar R$ 3,40 por dia. Uma despesa de R$ 136 por mês encolheu para R$ 68. Era uma quantia que estava incorporada ao custo da colega.
Diante da mudança, o patrão teve dois caminhos. Em alguns casos repassou o dinheiro (ou o vale-transporte) ao andar de baixo. Quando isso aconteceu, a choldra teve um aumento de R$ 68, equivalente a 7% do salário médio do trabalhador da cidade.
Em outros (a maioria), embolsou a diferença. Fez isso amparado no argumento de que continuou a custear o benefício do transporte. Para que essa justificativa fique de pé, esse empregador precisa sustentar a seguinte proposição: "O bilhete único é uma política social destinada a reduzir o custo da mão-de-obra de minha empresa".
A cada dia útil, o número de pessoas que tomam dois ônibus para ir ao trabalho e outros dois para voltar está em torno de 800 mil. É possível que os patrões de mais da metade desses trabalhadores tenham capturado a diferença. A R$ 68 mensais, são R$ 27,2 milhões que trocam de destinatário num cruzamento de contas do andar de cima com de baixo.
Coisas da vida de um país presidido por um sindicalista que comprou um avião de US$ 58 milhões enquanto a renda do trabalhador caía 7% durante o seu primeiro ano de mandato.
Nessa mesma cidade, a média mensal de roubos e furtos notificados à polícia está em torno de 20 mil. (Noves fora carros e seqüestros.) Aí estão os assaltos sem lesão corporal, do bandido do canivete no cruzamento ao do revólver no restaurante. Admitindo que cada assalto rendeu R$ 200, o ervanário apropriado pelos bandidos foi de R$ 4 milhões mensais. Multiplicando-se essa cifra por cinco, pois o índice de notificação desse crimes é baixo, vai-se a R$ 20 milhões.
Os R$ 27 milhões do benefício social trazido pelo bilhete único embolsados por empregadores e os R$ 20 milhões roubados por delinqüentes não guardam relação de causa e efeito. São apenas cifras que, como os carros blindados de muitos empregadores, trafegam na mesma cidade. E tem gente acreditando que isso tudo é normal, parte da paisagem, como o Pão de Açúcar, à esquerda de quem entra na barra da baía de Guanabara.

Teste dominical

Um curioso dos métodos e das almas das empresas descobriu uma preciosa catalogação dos bípedes, feita pelo general Helmuth von Moltke, chefe do Estado-Maior alemão de 1857 a 1888. A raça dos oficiais (ou executivos de empresas) divide-se em quatro grupos:
1) Os mentalmente vazios e fisicamente preguiçosos. (A esses, Von Moltke dava tarefas simples e repetitivas.)
2) Os mentalmente vazios e fisicamente ativos. (O general considerava esse grupo mais perigoso que o primeiro. São fábricas ambulantes de problemas. É necessário vigiá-los.)
3) Os mentalmente brilhantes e fisicamente ativos. (Von Moltke nunca levou um oficial desse grupo para o coração do Estado-Maior. Convenceu-se de que são pessoas hiperativas, obcecadas com irrelevâncias, incapazes de se tornar líderes.)
4) Os mentalmente brilhantes e fisicamente preguiçosos. (Esse era o herói do general. A preguiça faz com que essas pessoas busquem sempre a maneira menos trabalhosa de resolver um problema, inclusive o seu.) Questões sem importância não conseguem parar na mão desse tipo de executivo.
Teste: a que grupo pertencem FFHH, Getúlio Vargas, José Genoino, Zagalo, Guido Mantega e Tarso Genro?

A "Turma do Jiu-Jitsu" poderá fundar uma PitPuc

O reitor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Antonio Carlos Ronca, reverteu no último dia 24 a pena de expulsão sugerida por uma comissão de sindicância preliminar da Faculdade de Direito contra sete pitboys acusados de terem espancado dois colegas durante os Jogos Jurídicos de Avaré, em maio de 2003. Uma das vítimas foi surrada em duas ocasiões, em dois lugares diferentes e saiu da cena do crime para a Santa Casa da cidade, onde ficou por algumas horas, com suspeita de fratura do osso temporal direito. Alguns dos acusados integram uma dissidência da ciência do direito, chamada "Turma do Jiu-Jitsu".
A sindicância foi formalmente pedida pela Associação Atlética 22 de Agosto, entidade ligada ao diretório estudantil. Sua conclusão foi referendada "por inteiro" pelo diretor da Faculdade de Direito.
Os três professores da comissão recomendaram que os pitboys fossem expulsos da escola, pois "não reúnem as mínimas condições pessoais de se graduarem como bacharéis em direito por uma faculdade cujo primado é da solidariedade e do convívio humanitário". Pelo ritual, o rigor da sugestão remeteu o caso para a Reitoria.
O professor Ronca formou uma nova comissão, composta por dois professores de direito e uma de psicologia. Ouviram a defesa dos acusados, as vítimas e mais de uma dezena de testemunhas. Não houve consenso. Um professor recomendou três expulsões, outro pediu três suspensões. A professora decidiu que podia aceitar uma advertência, mesmo assim só para dois agressores, "aqueles que claramente estiveram desferindo socos contra seus colegas". Diante desse resultado, o reitor Ronca ficou na posição intermediária.
Absolveu quatro acusados e suspendeu três por 90 dias. Como reitor em Sorocaba, Ronca acabou com o trote violento e expulsou cerca de uma dezena de pitboys.
Os jovens punidos recorreram ao Conselho Universitário. Numa boa briga, mais de cem estudantes assinaram um manifesto perguntando: "Qual o futuro de uma das melhores universidades do país, nossa PUC-SP, onde a impunidade prevalece em suas próprias decisões?".
Grande caso para um seminário público sobre a eficácia do estudo na PUC para a prática do direito na rua.


Texto Anterior: No Planalto - Josias de Souza: Vasco tabela com Brasília e derrota Viúva
Próximo Texto: Fortaleza: Medo da violência foi explorado por pefelista
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.