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São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Em conversa telefônica gravada em abril, policial federal disse a João Carlos da Rocha Mattos que ele teria saldo de R$ 130 mil

Para PF, juiz tinha "caixa" com quadrilha

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O juiz João Carlos da Rocha Mattos, preso na última sexta-feira, mantinha um caixa com a quadrilha desbaratada pela Polícia Federal na Operação Anaconda. No dia 25 de abril de 2003, o saldo do "caixa" era favorável ao magistrado em R$ 130 mil, de acordo com a PF.
Naquele dia, Rocha Mattos conversou por telefone com o agente da PF César Herman Rodriguez, preso há duas semanas. Falaram sobre dinheiro. O juiz reivindicava um depósito de R$ 48 mil em sua conta bancária. Combinaram os detalhes. Rodrigues disse a Rocha Mattos que ele estava com "130 de caixa". Avisou que o repasse seria abatido do "seu caixa".
Em entrevista à Folha no dia 31 de outubro, quando ainda não havia surgido a informação sobre o caixa, Rocha Mattos justificou o recebimento dos R$ 48 mil como um empréstimo.
A quadrilha tinha na estrutura do Estado a principal fonte de inspiração para a prática de delitos. Dispunha de livre acesso a arquivos da PF. Contava com informantes em companhias telefônicas e repartições públicas. Inclusive no Deic, departamento da polícia civil de São Paulo.
Abaixo, um resumo de três casos que expõem o estilo do grupo:
1) em telefonema de 17 de janeiro de 2003, dois policiais integrantes da organização conversaram sobre "um cara que mexe com tráfico de dólar". Definiram-no como "pessoa muito rica", dono de "carros importados" e três casas no condomínio paulistano de Alphaville. Queriam "dar uma sacudida nele e pegar cem paus". Dizem que, se confiada a um agente da PF "ponta firme", a extorsão pode "render mais". O doleiro, afirmam, "é mais sujo que pau de galinheiro";
2) em 20 de setembro de 2002, o agente federal Herman Rodriguez tratou de um negócio que farejara em Recife (PE). Seu interlocutor perguntou se seria possível "tomar uma grana forte" do cliente, dono de "muito dinheiro". Havia levantado a ficha da vítima potencial: "Está com quase US$ 20 milhões lá fora, fruto da lavagem de dinheiro de bingo";
3) em 23 de outubro de 2002, o delegado aposentado Jorge Luiz Bezerra da Silva, outro integrante do grupo preso pela PF, conversa sobre dificuldades que estava tendo para obter informações a respeito de determinada empresa suíça. Seu interlocutor diz que conseguirá "um boletim frio", para "intimar alguém da firma". Falam também sobre uma corretora uruguaia. Ouve-se na fita do grampo o seguinte comentário do delegado Bezerra da Silva: "Isso é um bom prato para a Federal. Nós passamos para o nosso delegado daqui de São Paulo, para botar para a frente".

Ironia
Parceiro de Herman Rodriguez e de Bezerra da Silva, o delegado federal José Augusto Bellini era expansivo ao telefone. Em diálogo de 8 de maio de 2002, o delegado disse, em tom irônico, que estava "fodido". Só havia faturado, naquele dia, "US$ 50 mil".
No dia seguinte, em conversa com um subordinado, o delegado Bellini deu-lhe uma dura pelo telefone: "Você sai, ganha uma puta de uma grana e me liga três horas da tarde". Cobra a sua "porcentagem". O interlocutor disse que ainda não recebera o dinheiro. Marca um encontro numa churrascaria.

Negócios
Os funcionários da PF falavam de cifras incompatíveis com o contracheque de um policial. Em conversa de 12 de dezembro de 2002, o agente federal Herman Rodriguez negociava a compra de um apartamento de R$ 550 mil.
Dispunha-se a pôr no negócio dois carros ("um Jipe NL 320 e uma perua Mitsubishi") e dois imóveis (um no bairro paulistano do Morumbi e outro na praia de Maranduba, em Ubatuba).
No dia 28 de outubro de 2002, Herman Rodriguez conversa ao telefone sobre outro negócio imobiliário. Dessa vez, fala de um terreno de 4.500 m2. O preço: R$ 1,5 milhão.
Seu interlocutor sugere que compre a propriedade em parceria com um amigo. Recomenda que ponha no negócio "o apartamento de Santana", avaliado em "R$ 600 mil".
O agente da PF revela na conversa que, em meio a um litígio matrimonial, estava transferindo os seus imóveis para o nome de outra pessoa.

Carros e prédio
O grampo da PF captou ainda um diálogo de 24 de março de 2003 em que o agente Herman Rodriguez conversa sobre automóveis de luxo. Diz ao interlocutor que vendera um Mercedes Benz blindado e que manteria, para uso pessoal, outro carro da mesma marca. No mesmo diálogo, conta que estava construindo um prédio. Encontrava-se na terceira laje. Depois de pronto, lhe renderia "trezentos paus" mensais de renda.
Em outro diálogo sobre dinheiro, de 14 de maio de 2003, o nome do juiz Rocha Mattos é mais uma vez citado, de modo cifrado. Um companheiro de quadrilha diz ao delegado Bellini estar sabendo que "pegaram o Jotinha". Teria sido descoberto que o juiz mantém "oito paus de verde na Suíça".


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