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OPERAÇÃO ANACONDA
Ministério Público suspeita do envolvimento de magistrados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em irregularidades
Apuração pode chegar a juízes de 2ª instância
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O MPF (Ministério Público Federal) avalia que a Operação Anaconda deverá respingar, mais
adiante, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. As procuradoras da República que conduziram
as investigações estão convencidas de que a venda de sentenças
não se limitou à primeira instância, o primeiro patamar da Justiça
Federal em São Paulo, área de
atuação dos juízes criminais João
Carlos da Rocha Mattos e os irmãos Casem e Ali Mazloum.
Segundo a avaliação do MPF, os
envolvidos na quadrilha foram
beneficiados com liminares e decisões que revelam estreita ligação
entre a Justiça federal de primeiro
grau e a de segunda instância -o
tribunal, com jurisdição em São
Paulo e no Mato Grosso do Sul,
onde desembargadores julgam
recursos contra decisões de juízes.
Dois motivos explicam a estratégia do MPF de não estender ao
tribunal, por enquanto, o alcance
das denúncias, acusando apenas
alguns juízes de primeiro grau.
A primeira explicação: muitos
inquéritos com decisões de Rocha
Mattos e dos irmãos Mazloum
tramitaram na 1ª Turma do TRF
no período em que esse grupo era
formado pelos desembargadores
Sebastião de Oliveira Lima (aposentado por limite de idade), Roberto Luiz Ribeiro Haddad, Paulo
Theotonio Costa e o então juiz
convocado Casem Mazloum.
Haddad e Theotonio Costa foram afastados do cargo pelo STJ
(Superior Tribunal de Justiça) por
suspeita de enriquecimento ilícito
e falsificação de documentos,
após uma série de reportagens
publicadas pela Folha.
O jornal revelou, em julho de
1999, que Haddad e Theotonio
Costa possuem um patrimônio
que contrasta com o padrão comum dos juízes brasileiros.
A segunda razão está vinculada
à circunstância anterior. Como
esse grupo já havia sido desarticulado, não interessaria ao MPF estender, neste momento, as denúncias a membros do tribunal
regional, ainda que afastados e
sob investigação. Fazer isso, agora, seria levantar suspeição sobre
magistrados com direito a foro
privilegiado, e o efeito imediato
seria a remessa dos processos para o STJ, em Brasília.
Nessa hipótese, os procuradores que acompanham, desde o
início, os processos em São Paulo
seriam afastados das apurações,
pois os processos no STJ são
acompanhados por subprocuradores-gerais da República.
A denúncia de formação de
quadrilha contém indicações dessa vinculação entre as duas instâncias. Por exemplo, o caso envolvendo o contrabandista chinês
Law Kin Chong. Ele teve devolvidas, em liminar concedida por
Theotonio Costa, toneladas de
mercadorias e documentos
apreendidos pela Polícia Federal.
Na página 33 da denúncia, lê-se
que Chong teve suas atividades
investigadas em processo na 7ª
Vara Criminal Federal, cujo titular é o juiz federal Ali Mazloum.
Ainda segundo a denúncia -e
conforme a Folha registrou na reportagem de julho de 1999-,
Chong "logrou a concessão da ordem no HC [habeas corpus], por
maioria, em decisão da 1ª Turma
do TRF, sob a relatoria, com voto
vencedor, do desembargador federal Theotonio Costa, acompanhado pelo desembargador federal Roberto Haddad, diante do
impedimento do juiz federal aqui
acusado, Casem Mazloum".
Na sequência das investigações
sobre o patrimônio de Haddad e
Theotonio Costa, a Folha antecipou fatos que estão na denúncia,
como a revelação de que o apartamento em que Rocha Mattos mora, sem pagar aluguel, é de propriedade de offshore uruguaia cujo procurador é o advogado Carlos Alberto da Costa Silva, preso
pela Operação Anaconda.
O jornal também registrou investigações sobre o uso ilegal de
placas reservadas da Polícia Federal pelos juízes Rocha Mattos e
Adriane Pileggi de Soveral e a denúncia contra Soveral por abuso
de poder e prevaricação no chamado "Caso Funcef" (a denúncia
foi rejeitada pelo TRF, dia 30).
A previsão de que a Operação
Anaconda terá desdobramentos
no TRF também pode ser encontrada em trechos da denúncia. Na
página 31, cita-se que o delegado
José Augusto Bellini telefona para
um interlocutor comentando reportagem da Folha, na véspera,
em que trata da "briga de juízes".
É uma referência às representações que o juiz João Carlos da Rocha Mattos apresentou contra 13
desembargadores do TRF, em represália à investigação sigilosa, no
tribunal, sobre suspeitas de ligações do juiz com doleiros.
Na página 39 da denúncia, narra-se que "João Carlos [da Rocha
Mattos] liga para César [o agente
César Herman Rodriguez] e ambos conversam, inicialmente, sobre um documento elaborado pelo primeiro. Em seguida, João
Carlos e César conversam sobre
várias irregularidades, envolvendo nomes da Justiça Federal de
São Paulo".
Quando Haddad, Theotonio
Costa e Casem Mazloum estiveram na Primeira Turma, inúmeras decisões polêmicas foram tomadas, provocando manifestações de insatisfação por parte do
MPF e protestos reservados de
outros desembargadores.
São exemplares os processos
que envolviam indenizações milionárias a serem pagas pela
União, a partir de avaliações do
falso perito judicial Antonio Carlos Suplicy, portador de um falso
diploma de engenheiro.
O MPF tentou, sem sucesso,
anular perícias de Suplicy. Theotonio Costa, Haddad e Casem
Mazloum mantiveram avaliações
de Suplicy, mesmo depois da descoberta da falsidade do diploma.
Casem Mazloum foi o relator da
ação de desapropriação superavaliada de prédio usado pelo próprio TRF. Quando Suplicy avaliou
em R$ 66,4 milhões o que a União
deveria pagar por uma choupana
na serra da Bocaina, Mazloum
acompanhou o voto do relator
Theotonio, rejeitando anular o
laudo de Suplicy.
No ano passado, Suplicy foi
condenado a 3 anos de prisão por
João Carlos da Rocha Mattos, que
beneficiou o falso engenheiro ao
transformar a punição em multa
de 20 salários mínimos e serviços
à comunidade. O MPF recorreu,
pedindo a pena de 16 anos de prisão, em regime fechado.
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