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São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Ministério Público suspeita do envolvimento de magistrados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em irregularidades

Apuração pode chegar a juízes de 2ª instância

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O MPF (Ministério Público Federal) avalia que a Operação Anaconda deverá respingar, mais adiante, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. As procuradoras da República que conduziram as investigações estão convencidas de que a venda de sentenças não se limitou à primeira instância, o primeiro patamar da Justiça Federal em São Paulo, área de atuação dos juízes criminais João Carlos da Rocha Mattos e os irmãos Casem e Ali Mazloum.
Segundo a avaliação do MPF, os envolvidos na quadrilha foram beneficiados com liminares e decisões que revelam estreita ligação entre a Justiça federal de primeiro grau e a de segunda instância -o tribunal, com jurisdição em São Paulo e no Mato Grosso do Sul, onde desembargadores julgam recursos contra decisões de juízes.
Dois motivos explicam a estratégia do MPF de não estender ao tribunal, por enquanto, o alcance das denúncias, acusando apenas alguns juízes de primeiro grau.
A primeira explicação: muitos inquéritos com decisões de Rocha Mattos e dos irmãos Mazloum tramitaram na 1ª Turma do TRF no período em que esse grupo era formado pelos desembargadores Sebastião de Oliveira Lima (aposentado por limite de idade), Roberto Luiz Ribeiro Haddad, Paulo Theotonio Costa e o então juiz convocado Casem Mazloum.
Haddad e Theotonio Costa foram afastados do cargo pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) por suspeita de enriquecimento ilícito e falsificação de documentos, após uma série de reportagens publicadas pela Folha.
O jornal revelou, em julho de 1999, que Haddad e Theotonio Costa possuem um patrimônio que contrasta com o padrão comum dos juízes brasileiros.
A segunda razão está vinculada à circunstância anterior. Como esse grupo já havia sido desarticulado, não interessaria ao MPF estender, neste momento, as denúncias a membros do tribunal regional, ainda que afastados e sob investigação. Fazer isso, agora, seria levantar suspeição sobre magistrados com direito a foro privilegiado, e o efeito imediato seria a remessa dos processos para o STJ, em Brasília.
Nessa hipótese, os procuradores que acompanham, desde o início, os processos em São Paulo seriam afastados das apurações, pois os processos no STJ são acompanhados por subprocuradores-gerais da República.
A denúncia de formação de quadrilha contém indicações dessa vinculação entre as duas instâncias. Por exemplo, o caso envolvendo o contrabandista chinês Law Kin Chong. Ele teve devolvidas, em liminar concedida por Theotonio Costa, toneladas de mercadorias e documentos apreendidos pela Polícia Federal.
Na página 33 da denúncia, lê-se que Chong teve suas atividades investigadas em processo na 7ª Vara Criminal Federal, cujo titular é o juiz federal Ali Mazloum.
Ainda segundo a denúncia -e conforme a Folha registrou na reportagem de julho de 1999-, Chong "logrou a concessão da ordem no HC [habeas corpus], por maioria, em decisão da 1ª Turma do TRF, sob a relatoria, com voto vencedor, do desembargador federal Theotonio Costa, acompanhado pelo desembargador federal Roberto Haddad, diante do impedimento do juiz federal aqui acusado, Casem Mazloum".
Na sequência das investigações sobre o patrimônio de Haddad e Theotonio Costa, a Folha antecipou fatos que estão na denúncia, como a revelação de que o apartamento em que Rocha Mattos mora, sem pagar aluguel, é de propriedade de offshore uruguaia cujo procurador é o advogado Carlos Alberto da Costa Silva, preso pela Operação Anaconda.
O jornal também registrou investigações sobre o uso ilegal de placas reservadas da Polícia Federal pelos juízes Rocha Mattos e Adriane Pileggi de Soveral e a denúncia contra Soveral por abuso de poder e prevaricação no chamado "Caso Funcef" (a denúncia foi rejeitada pelo TRF, dia 30).
A previsão de que a Operação Anaconda terá desdobramentos no TRF também pode ser encontrada em trechos da denúncia. Na página 31, cita-se que o delegado José Augusto Bellini telefona para um interlocutor comentando reportagem da Folha, na véspera, em que trata da "briga de juízes".
É uma referência às representações que o juiz João Carlos da Rocha Mattos apresentou contra 13 desembargadores do TRF, em represália à investigação sigilosa, no tribunal, sobre suspeitas de ligações do juiz com doleiros.
Na página 39 da denúncia, narra-se que "João Carlos [da Rocha Mattos] liga para César [o agente César Herman Rodriguez] e ambos conversam, inicialmente, sobre um documento elaborado pelo primeiro. Em seguida, João Carlos e César conversam sobre várias irregularidades, envolvendo nomes da Justiça Federal de São Paulo".
Quando Haddad, Theotonio Costa e Casem Mazloum estiveram na Primeira Turma, inúmeras decisões polêmicas foram tomadas, provocando manifestações de insatisfação por parte do MPF e protestos reservados de outros desembargadores.
São exemplares os processos que envolviam indenizações milionárias a serem pagas pela União, a partir de avaliações do falso perito judicial Antonio Carlos Suplicy, portador de um falso diploma de engenheiro.
O MPF tentou, sem sucesso, anular perícias de Suplicy. Theotonio Costa, Haddad e Casem Mazloum mantiveram avaliações de Suplicy, mesmo depois da descoberta da falsidade do diploma.
Casem Mazloum foi o relator da ação de desapropriação superavaliada de prédio usado pelo próprio TRF. Quando Suplicy avaliou em R$ 66,4 milhões o que a União deveria pagar por uma choupana na serra da Bocaina, Mazloum acompanhou o voto do relator Theotonio, rejeitando anular o laudo de Suplicy.
No ano passado, Suplicy foi condenado a 3 anos de prisão por João Carlos da Rocha Mattos, que beneficiou o falso engenheiro ao transformar a punição em multa de 20 salários mínimos e serviços à comunidade. O MPF recorreu, pedindo a pena de 16 anos de prisão, em regime fechado.



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