São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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ESPIONAGEM

Relatórios sigilosos liberados pelo Departamento de Estado mencionam "fontes" na Eletrobrás e em Furnas

EUA vigiavam programa nuclear no Brasil

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo americano se valeu de fontes não identificadas na Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras) e em Furnas Centrais Elétricas, de encontros com ambientalistas e autoridades do governo brasileiro e de dados oficiais para monitorar o programa nuclear brasileiro na década de 90.
Segundo quatro documentos tornados em parte públicos pelo governo americano -há trechos ainda sob censura-, o acompanhamento do programa era feito pelo Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro.
O Departamento de Estado americano liberou os documentos no site da internet do Foia (Freedom of Information Act, a lei de acesso à informação, no endereço http://foia.state.gov).
"Esses documentos mostram como os americanos estão atentos a cada passo que dá o programa brasileiro", disse o engenheiro Edson Kuramoto, 45, diretor da Aben (Associação Brasileira de Energia Nuclear), que reúne cerca de mil técnicos do setor.
Os relatórios americanos, despachados entre 1993 e 1995 e subscritos pelos cônsules David Eugene Zweifel e Donald Bramante, descrevem estudos oficiais, notícias divulgadas pela imprensa e resultados de entrevistas feitas pelo próprio consulado e procuram apontar cenários possíveis na política nuclear brasileira.
Os americanos, nos informes, ressaltam a polêmica sobre os custos ambientais e financeiros das usinas nucleares Angra 1, 2 e 3. "Relatório aponta altos custos para o projeto de Angra", "Projetos de energia Angra 1 e 2" e "Usina nuclear Angra 1 deverá voltar a funcionar em fevereiro" são os títulos de três dos informes.
O quarto documento é intitulado "O programa de energia nuclear do Brasil sob a administração Cardoso", datado de junho de 1995, seis meses após a posse de Fernando Henrique Cardoso.
O consulado dá grande destaque, num despacho de abril de 1994, a um estudo do TCU (Tribunal de Contas de União) que apontou que o custo da usina Angra 2 seria "mais alto do que o previamente anunciado". O relatório informa: "Uma fonte na Eletrobrás, a companhia estatal que controla Furnas, disse ao RRO que a estimativa para completar o projeto é de US$ 2 bilhões".
RRO é a sigla de Regional Resources Official, o responsável pela área de recursos regionais no serviço diplomático americano.
Em outro documento, o RRO aparece checando notícias de jornal diretamente com o superintendente de Planejamento de Furnas, Paulo Pegado. Nesse encontro, que o consulado diz ter ocorrido em 11 de janeiro de 1993, Pegado teria dito que as notícias estavam "essencialmente corretas" a respeito da volta ao funcionamento da usina Angra 1 em fevereiro de 1994. A usina estava fechada desde março de 1993.
Pegado disse na última sexta-feira que a informação não era estratégica ou confidencial e nem comprometeu nenhum plano do governo. Mas explicou que nunca conversou oficialmente com representante do governo americano, na época, e nem foi informado de que seu nome poderia ser usado num documento diplomático.
"Esse tipo de coisa não é normal. Não me lembro de nenhum encontro desse tipo. Nós conversávamos com instituições financeiras estrangeiras que tinham interesse no projeto. Esses dados circulavam, talvez eles tenham ouvido nessas reuniões."
Pegado se disse surpreso com a revelação de que um consulado se ocupe de produzir tais documentos, os primeiros do gênero de que tem notícia: "O que me surpreende é que eles estavam em nossa volta, circulando, e não percebíamos. Eles são competentes e estavam colhendo informações".
Pegado disse que os EUA "apostavam no insucesso" do programa nuclear brasileiro. A leitura dos documentos liberados pelo Departamento de Estado reforçou essa impressão. "Eles destacam opiniões de ambientalistas, os custos das usinas."


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