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ESPIONAGEM
Relatórios sigilosos liberados pelo Departamento de Estado mencionam "fontes" na Eletrobrás e em Furnas
EUA vigiavam programa nuclear no Brasil
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo americano se valeu
de fontes não identificadas na Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras) e em Furnas Centrais Elétricas, de encontros com ambientalistas e autoridades do governo
brasileiro e de dados oficiais para
monitorar o programa nuclear
brasileiro na década de 90.
Segundo quatro documentos
tornados em parte públicos pelo
governo americano -há trechos
ainda sob censura-, o acompanhamento do programa era feito
pelo Consulado Geral dos Estados
Unidos no Rio de Janeiro.
O Departamento de Estado
americano liberou os documentos no site da internet do Foia
(Freedom of Information Act, a
lei de acesso à informação, no endereço http://foia.state.gov).
"Esses documentos mostram
como os americanos estão atentos
a cada passo que dá o programa
brasileiro", disse o engenheiro
Edson Kuramoto, 45, diretor da
Aben (Associação Brasileira de
Energia Nuclear), que reúne cerca
de mil técnicos do setor.
Os relatórios americanos, despachados entre 1993 e 1995 e subscritos pelos cônsules David Eugene Zweifel e Donald Bramante,
descrevem estudos oficiais, notícias divulgadas pela imprensa e
resultados de entrevistas feitas pelo próprio consulado e procuram
apontar cenários possíveis na política nuclear brasileira.
Os americanos, nos informes,
ressaltam a polêmica sobre os
custos ambientais e financeiros
das usinas nucleares Angra 1, 2 e
3. "Relatório aponta altos custos
para o projeto de Angra", "Projetos de energia Angra 1 e 2" e "Usina nuclear Angra 1 deverá voltar a
funcionar em fevereiro" são os títulos de três dos informes.
O quarto documento é intitulado "O programa de energia nuclear do Brasil sob a administração Cardoso", datado de junho de
1995, seis meses após a posse de
Fernando Henrique Cardoso.
O consulado dá grande destaque, num despacho de abril de
1994, a um estudo do TCU (Tribunal de Contas de União) que
apontou que o custo da usina Angra 2 seria "mais alto do que o
previamente anunciado". O relatório informa: "Uma fonte na Eletrobrás, a companhia estatal que
controla Furnas, disse ao RRO
que a estimativa para completar o
projeto é de US$ 2 bilhões".
RRO é a sigla de Regional Resources Official, o responsável pela área de recursos regionais no
serviço diplomático americano.
Em outro documento, o RRO
aparece checando notícias de jornal diretamente com o superintendente de Planejamento de Furnas, Paulo Pegado. Nesse encontro, que o consulado diz ter ocorrido em 11 de janeiro de 1993, Pegado teria dito que as notícias estavam "essencialmente corretas"
a respeito da volta ao funcionamento da usina Angra 1 em fevereiro de 1994. A usina estava fechada desde março de 1993.
Pegado disse na última sexta-feira que a informação não era estratégica ou confidencial e nem
comprometeu nenhum plano do
governo. Mas explicou que nunca
conversou oficialmente com representante do governo americano, na época, e nem foi informado
de que seu nome poderia ser usado num documento diplomático.
"Esse tipo de coisa não é normal. Não me lembro de nenhum
encontro desse tipo. Nós conversávamos com instituições financeiras estrangeiras que tinham interesse no projeto. Esses dados
circulavam, talvez eles tenham
ouvido nessas reuniões."
Pegado se disse surpreso com a
revelação de que um consulado se
ocupe de produzir tais documentos, os primeiros do gênero de
que tem notícia: "O que me surpreende é que eles estavam em
nossa volta, circulando, e não percebíamos. Eles são competentes e
estavam colhendo informações".
Pegado disse que os EUA "apostavam no insucesso" do programa nuclear brasileiro. A leitura
dos documentos liberados pelo
Departamento de Estado reforçou essa impressão. "Eles destacam opiniões de ambientalistas,
os custos das usinas."
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