São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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HISTÓRIA

Em 1904, Brasil disse que área era dos índios

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Uma disputa fronteiriça entre Brasil e Inglaterra já fez o governo brasileiro declarar as terras onde se localiza a reserva Raposa/Serra do Sol de ocupação tradicional dos indígenas, em 1904. O litígio começou quando a Inglaterra, que dominava a Guiana, denunciou a escravização de índios pelos brasileiros.
Os relatos sobre caso fazem parte dos documentos que formam o laudo de identificação da reserva pela Funai, finalizado em 1993, que levou à demarcação continua da área -isto é, incluindo as cidades e fazendas dentro de seus limites.
"Isso [a escravização] dava entender que os brasileiros estavam adentrando o território da Guiana para fazer escravos", diz o antropólogo Paulo Santilli, 46, que integrou o grupo técnico da Funai, que elaborou o laudo de identificação (de 77 a 92).
Segundo os documentos, a Inglaterra ocupou as terras consideradas brasileiras no nordeste de Roraima com tropas. No campo diplomático, o Brasil destacou o líder abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910) para defender o país no litígio.
No argumento para obter os direitos sobre as terras brasileiras, Nabuco utilizou a ocupação dos macuxis, wapixanas, ingaricó, na região, afirmando que eles tinham nomes portugueses, eram batizados por missionários portugueses e brasileiros, o que, portanto, demonstrava uma ocupação brasileira e portuguesa naquela área disputada.
Com esse argumento, as terras da área Raposa/Serra do Sol ficaram com o Brasil. O mesmo não aconteceu com um outra área, de 19.630 km2 fora da terra Raposa/Serra do Sol, que ficou com os ingleses e hoje faz parte do território da Guiana. O Estado de Roraima tem 225.116 km2.
Na ocasião do litígio internacional, um mapa étnico feito pelo conde italiano Emano Stradelli, em 1902, demonstrou a ocupação dos índios na área, o que reforçou os argumentos de Nabuco. Stradelli foi o comissário enviado ao Brasil pelo rei da Itália, Vittorio Emmanuel 3º, que mediou a disputa.
Para o antropólogo Paulo Santilli, o litígio entre Brasil e Grã-Bretanha é um dos fatos mais relevantes sobre a Raposa/Serra do Sol. "Quando o Brasil teve suas terras disputadas, o governo usou a presença indígena como fator de ocupação. Agora, quando essa fronteira está definida e se trata de definir os limites do que é terra indígena ou não, não querem reconhecer que os índios estão ali. É uma questão de justiça histórica", declarou Santilli.
Em 1917, o governo do Estado do Amazonas demarcou terras para os índios na reserva Raposa/Serra do Sol.



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