São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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ELIO GASPARI

Privataria, versão 2.01

Depois das ferrovias e das distribuidoras de energia, explodiu mais uma privataria do tucanato: a petroquímica. Como no caso da Ferronorte e da Eletropaulo, a administração petista ficou no papel de financiadora de insucessos. Como toda reestatização que se preza, a da petroquímica ocorrerá a pedido do patronato.
O repórter Pedro Soares revelou que o piripaco envolve dois negócios diferentes. O maior deles, com a Braskem, uma subsidiária da Odebrecht, criada em 2002 à sombra do reescalonamento de uma dívida de R$ 2 bilhões com o BNDES. A Petrobras tem cerca de 11% da Braskem, mas a Odebrecht quer triplicar essa participação. Coisa de R$ 2 bilhões. Nas palavras de Emilio Odebrecht, dono do grupo, quando se estava criando a Braskem: "Ela (a Petrobras) pode aumentar sua participação, desde que não seja majoritária".
Esse é o sonho da escumalha: um empréstimo do BNDES e a Petrobras como sócia, "desde que não seja majoritária".
O outro negócio envolve a compra da Petroquímica Ipiranga, empresa controlada por 60 acionistas oriundos de cinco famílias. Na privataria do colorato, ela comprou a Copesul gaúcha. Deve mais de US$ 400 milhões e faz tempo que procura comprador.
Nos dois casos os empresários compraram patrimônio da Viúva. Pagaram o que achavam justo, interessados em ganhar dinheiro com o negócio. Quem se deu bem, bem se deu. No andar de baixo, quem se dá mal vai para o Fome Zero. No andar de cima há o caminho chileno. Não o do general Pinochet, mas o da avenida Chile, no Rio, onde estão as sedes do BNDES e da Petrobras.
No lance da Ipiranga, se o presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, conseguir a petroquímica por bom preço, tudo em ordem. Uma vez comprada a empresa, a Petrobras vai geri-la.
O caso da Braskem é diferente, pois, como disse Odebrecht: "Ela pode aumentar sua participação, desde que não seja majoritária". A petroquímica brasileira só existe porque num determinado momento da história da indústria nacional esse tipo de formulação foi posto no seu devido lugar. A história foi assim:
Durante o governo Costa e Silva (1967-69) decidiu-se que a petroquímica devia ser entregue à iniciativa privada. Formou-se um consórcio de empreendedores (Soares de Sampaio, Monteiro Aranha, Moreira Salles e Pery Igel) associados à multinacional americana Phillips Petroleum. Em pouco tempo os americanos caíram fora, deixando um buraco de 40% na composição acionária. Funcionou o caminho chileno, e a Petrobras ficou com 25% do negócio. Para resolver o problema dos empresários que micavam, criou-se a Petroquisa.
Em 1973, depois de brigas de sócios, inépcia industrial y otras cositas más, os donos da Petroquímica União voltaram à avenida Chile. Queriam mais Petrobras. Presidia a empresa o general Ernesto Geisel. Foi curto: investia quanto fosse necessário, desde que ficasse (como ficou) com o controle do empreendimento.
Nas suas palavras, no dia 27 de junho de 1973:
- O caso está no vulto do dinheiro. Eu não abro mão dessa minha posição intransigente por causa do volume do investimento e da minha responsabilidade perante os acionistas, perante a Petrobras, o governo.

O companheiro Bush ajudou

Deve-se ao companheiro George Bush a primeira (e a maior) iniciativa em defesa da qualidade do emprego dos trabalhadores brasileiros desde a chegada do PT Federal ao poder. Na quarta-feira, enquanto Lula rolava um lero com 10 de seus 24 ministros, Bush anunciou um pacote de projetos que abre o caminho para que cerca de 3 milhões de imigrantes ilegais legalizem a sua situação nos Estados Unidos. Entre eles estão pelo menos 200 mil brasileiros. Bush tomou uma medida que colocará as empregadas domésticas brasileiras de Boston e Nova York no mercado formal americano. Lula e seu ministro do Trabalho, Jacques Wagner, ainda não conseguiram fazer coisa parecida em Pindorama.
A iniciativa de Bush chegou em boa hora. A maior comunidade brasileira nos Estados Unidos vive em torno de Boston. Em Framingham, uma das cidades da região, na qual moram perto de 15 mil brasileiros, vinham ocorrendo pequenos episódios em que se misturavam sentimentos contra trabalhadores sem documentação apropriada, xenofobia e racismo.
Pelas contas do Banco Interamericano de Desenvolvimento, os brasileiros residentes nos EUA mandam para Pindorama cerca de US$ 5,4 bilhões por ano. O companheiro Lula ajudaria essa turma se pedisse ao Itamaraty e ao Banco do Brasil que estudassem um mecanismo capaz de proteger as remessas das mordidas dos tubarões. Casas de câmbio e escritórios de predadores aproveitam-se da informalidade das transações para tungar os brazucas.

Um candidato e três biografias

São fortes os sinais de que o governador Geraldo Alckmin fará do secretário da Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo.
Três notáveis tucanos, de meritória biografia, deveriam sugerir datas para o lançamento da candidatura do doutor Saulo.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso poderia propor o dia 14 de abril. Nele se comemorará o primeiro aniversário da denúncia de que o delegado Laertes Calandra (acusado de ser o "Doutor Ubirajara" da central de torturas do DOI de São Paulo) prestava relevantes serviços no Departamento de Inteligência da polícia do tucanato paulista. Calandra e FFHH talvez tenham se cruzado no DOI, em 1974, mas não se viram. O professor Cardoso estava encapuzado.
O presidente do PSDB, José Serra, poderia propor o dia 5 de março, primeiro aniversário da morte de 12 delinquentes numa emboscada no Castelinho, perto de Sorocaba. Doutor Saulo classificou o episódio como "um primor de operação em termos de informação". O Ministério Público achou que foi um primor de matança e simulação de confronto. Por isso, indiciou 53 policiais. Está no arquivo do Dops paulista um bilhete, de 1973, no qual se espera que os militares chilenos cuidassem de José Serra, que estava preso em Santiago: "Como vês, trata-se de "boa gente", que bem merece ser "tratado" pelos chilenos".
O ex-presidente do PSDB, José Anibal, que viveu exilado em Paris, fugido das primorosas operações de informações da ditadura, poderia sugerir o dia 19 de agosto. Será o primeiro aniversário da prisão do garçom Valdinei Sabino da Silva, que confessou ter matado o empresário José Nelson Schincariol. Passados 16 dias, os verdadeiros bandidos foram capturados, e Valdinei, solto. O garçom conta que confessou para parar de apanhar. O doutor Saulo assegura que sua polícia não tem tradição de tortura: "Ninguém o torturou".

Planalto fura fila

Um hierarca do Ministério da Saúde, valendo-se do nome de um grão-companheiro do Palácio do Planalto, mandou que fosse furada a fila de exames para a realização de transplantes de medula.
Esse trabalho é coordenado pelo Centro de Transplantes de Medula do Instituto Nacional do Câncer, instituição séria e respeitada. Ao contrário do que ocorre com rins e fígados, as medulas transplantáveis podem ser buscadas em bancos de doadores mundo afora. Para se descobrir a compatibilidade do doador com a de um potencial receptor, são necessárias baterias de exames que custam em média US$ 500.
Há cerca de 500 pessoas na fila esperando esses exames. (Cerca de 15% morrem na espera.) O companheiro mandou que se apressassem os exames de um paciente. Com isso, a pessoa beneficiada passou na frente de pelo menos 200 enfermos.
Graças a essa interferência, o doador já foi encontrado e, se tudo correr bem, o transplante ocorrerá em breve.
Com US$ 10 milhões, o companheiro do Planalto, cujo santo nome foi repetidamente pronunciado, poderia cobrir todos os custos dos transplantes das 500 pessoas da fila. Ela acabaria sem que fosse necessário furá-la.

E$perteza

Um dos grandes golpes da ekipekonômica durante o tucanato foi aumentar a arrecadação das contribuições que não é obrigada a partilhar com os Estados e municípios. Assim, em 1994 a coleta do IPI e do Imposto de Renda (divididos meio a meio) era ligeiramente superior (3%) à das contribuições como Cofins e PIS. Em 2002, essa relação inverteu-se. As contribuições superaram em 2% os impostos partilhados.
Na sua versão recente, a ekipe meteu a faca. Em 2003, a diferença entre os tributos que o governo federal mastiga sozinho pulou para 13% e neste ano irá a 27%.
Em dinheiro isso significa que a patuléia pagará R$ 140 bilhões em tributos imperiais que serão gastos como Brasília achar melhor. Os impostos partilhados com as províncias somarão R$ 110 bilhões.
Apesar de terem sido negociadas algumas concessões na reforma tributária, os governadores e prefeitos fizeram papel de tolos durante as reuniões teatrais do Torto.

Infrazero

A Infraero fez uma boa com o dinheiro que arrecada da patuléia. Instalou painéis eletrônicos nas três salas de embarque do aeroporto de Congonhas. Em cada sala há vários portões. Na sala 3, por exemplo, há três.
Os painéis informam aos passageiros que estão na sala 3 quais são os vôos designados para a sala 3, que partirão da sala 3. O portão? Nem pensar.

Bandidagem numérica

Talvez o PT federal tenha que trocar de povo. Veja-se o que diz o Secretário Nacional da Segurança Pública, o delegado Luiz Fernando Correa, a respeito do Rio de Janeiro:
"No morro, vamos supor, 10% são bandidos. O resto é gente honesta".
O doutor não entende de números, de morros e muito menos de "gente honesta".
Vivem nas favelas cariocas 1 milhão de pessoas. Correa acha que um em cada dez desses cariocas pode ser bandido. Tem-se um bonde de 100 mil pessoas.
Sabe-se que a bandidagem é preferencialmente masculina, com idade entre 16 e 60 anos. Pelos números do censo, favelados cariocas nessa faixa etária são cerca de 325 mil.
Portanto, o delegado acha que um em cada três homens com mais de 16 anos e menos de 60 que vivem nas favelas do Rio podem ser bandidos.
Lula deveria colocar o doutor Correa na comitiva de sua próxima visita ao Rio. No avião, pode perguntar se ele já calculou outras taxas de bandidagem.

Coisa séria

O professor Roberto Amaral, que está ministro da Ciência e Tecnologia, passou uns dias longe de Brasília. Numa praia cearense, continuou sua caçada para atualizar a monumental coletânea que organizou com o colega Paulo Bonavides, intitulada "Textos Políticos da História do Brasil". São dez volumes editados pela biblioteca do Senado, acessíveis (de forma indigente) no endereço www.cebela.org.br.

Muita coragem

Miro Teixeira e o presidente da Anatel, Luís Guilherme Schymura, desentenderam-se durante o ano. Nesse período, alguns doutores da ekipekonômica fizeram saber que se o ministro prevalecesse, eles iriam embora.
O ministro prevaleceu, Schymura foi defenestrado, para seu lugar foi um técnico do aparelho sindical, e doutores continuam nos seus lugares. Assombração sabe para quem aparece.

Chapa branca

Colaborando com o "bom andamento de setores da administração", para que Lula possa transformar sua obsessão pelo emprego numa maneira de empregar os outros, não se escreveu neste espaço uma só palavra sobre a reforma ministerial.


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