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NO PLANALTO
"Especulações" que Lula quer banir do noticiário
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Palácio do Planalto anda
abespinhado com a imprensa. Em nota, abominou as "especulações" em torno da prometida
reforma ministerial. Mas Lula demora a se decidir. E não resta senão raciocinar com hipóteses.
Das mais pessimistas às mais otimistas.
Com o PT na Presidência é
grande o leque de alternativas. As
surpresas não param de saltar de
dentro do embrulho preparado
por Duda Mendonça. Por trás dos
slogans e dos efeitos especiais de
2002 se esconde um espetáculo
que 2003 mal insinuou.
Na pior das hipóteses Lula trocará o que resta da aura de castidade petista pelo vago apoio do
PMDB. Um aliado que, acomodado no ministério, será favorável a tudo e contra qualquer coisa. Na melhor das hipóteses o
apocalipse virá antes da reforma.
De volta à Terra, Cristo excluirá o
PMDB do grupo dos justos. E
mandará o partido para o inferno.
Na pior das hipóteses, Lula
manterá inalterada a atual equipe. Em comunicado oficial, dirá
aos eleitores que não lhes deve
nada, muito menos explicações.
Na melhor das hipóteses o presidente informará ao país que em
2004 tudo será diferente: "Vamos
tentar de novo, pessoal, só que
agora com o PMDB".
Na pior das hipóteses Lula entregará dois ministérios ao
PMDB. Na melhor das hipóteses o
presidente será acometido por um
surto de amnésia. Fugirá do hotel
na viagem ao México. Um velho
amigo o reencontrará numa porta de fábrica em São Bernardo.
Vendo-o ali, roupas em desalinho, barba por aparar, repetindo
uma única frase -"Há 300 picaretas no Congresso"-, discará
para Marisa.
Na pior das hipóteses Lula confiará ministérios a Eunício Oliveira e Garibaldi Alves apenas para
restituir ao PMDB os cargos e as
verbas a que o partido se habituou. Na melhor das hipóteses o
presidente os fará ministros só para completar o ciclo de prazeres
do poder. O horário no Planalto é
flexível, o dinheiro é razoável,
viaja-se bastante. Mas nada deve
ser tão prazeroso quanto a sensação de poder demitir Eunício e
Garibaldi um dia depois de tê-los
nomeado.
Na pior das hipóteses Lula acomodará o PMDB nos ministérios
das Comunicações e das Cidades.
Na melhor das hipóteses o presidente entregará à legenda de José
Sarney as pastas dos Transportes
e da Integração Nacional. Os peemedebistas já estão afeiçoados à
lama e ao movimento de máquinas nos canteiros das obras rodoviárias, ao vaivém de influências
nos guichês da Sudam e da Sudene... Escândalo por escândalo,
melhor ficar com os de sempre.
Na pior das hipóteses Lula
manterá Ricardo Berzoini no Ministério da Previdência. Na melhor das hipóteses o presidente
deslocará o companheiro petista
para uma turbinada pasta social.
Governo que se dispõe a eliminar
desigualdades não pode humilhar apenas os velhos. Há uma legião de pobres a ultrajar.
Na pior das hipóteses Lula demitirá Benedita da Silva. Na melhor das hipóteses o presidente
poupará a amiga. O camarada
José Dirceu não admite perder
atribuições. Não seria recomendável eliminar-lhe a prerrogativa
de atacar cotidianamente a colega nos bastidores.
Na pior das hipóteses Lula conservará Ciro Gomes onde se encontra. Na melhor das hipóteses o
presidente o transferirá para o
Planejamento. Corre-se o risco de
criar um salseiro na área econômica. Mas cada nova divergência
será uma oportunidade para que
Antonio Palocci reafirme os rumos traçados. Mudanças na economia, só aquelas que não inspirem na minoria privilegiada o temor da perda do controle da situação.
De viagem marcada para hoje,
Lula terá mais alguns dias para
pesar prós e contras. Deveria esquecer a imprensa. Não há motivo para preocupações. Tome as
decisões que tomar, receberá do
pseudojornalismo um tratamento ameno.
Hipnotizada pela perspectiva
de socorro do BNDES, parte expressiva da mídia venderá a capitulação como "amadurecimento". Lula será sempre o líder realista obrigado a lidar com políticos sórdidos.
Numa atmosfera de tolerância
tática, o contraditório tende a ser
extinto. Só uns poucos chatos ousarão atravessar o ritmo de oba-oba. Gente impatriótica, interessada em prejudicar o bom funcionamento da administração pública.
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