São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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NO PLANALTO

"Especulações" que Lula quer banir do noticiário

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Palácio do Planalto anda abespinhado com a imprensa. Em nota, abominou as "especulações" em torno da prometida reforma ministerial. Mas Lula demora a se decidir. E não resta senão raciocinar com hipóteses. Das mais pessimistas às mais otimistas.
Com o PT na Presidência é grande o leque de alternativas. As surpresas não param de saltar de dentro do embrulho preparado por Duda Mendonça. Por trás dos slogans e dos efeitos especiais de 2002 se esconde um espetáculo que 2003 mal insinuou.
Na pior das hipóteses Lula trocará o que resta da aura de castidade petista pelo vago apoio do PMDB. Um aliado que, acomodado no ministério, será favorável a tudo e contra qualquer coisa. Na melhor das hipóteses o apocalipse virá antes da reforma. De volta à Terra, Cristo excluirá o PMDB do grupo dos justos. E mandará o partido para o inferno.
Na pior das hipóteses, Lula manterá inalterada a atual equipe. Em comunicado oficial, dirá aos eleitores que não lhes deve nada, muito menos explicações. Na melhor das hipóteses o presidente informará ao país que em 2004 tudo será diferente: "Vamos tentar de novo, pessoal, só que agora com o PMDB".
Na pior das hipóteses Lula entregará dois ministérios ao PMDB. Na melhor das hipóteses o presidente será acometido por um surto de amnésia. Fugirá do hotel na viagem ao México. Um velho amigo o reencontrará numa porta de fábrica em São Bernardo. Vendo-o ali, roupas em desalinho, barba por aparar, repetindo uma única frase -"Há 300 picaretas no Congresso"-, discará para Marisa.
Na pior das hipóteses Lula confiará ministérios a Eunício Oliveira e Garibaldi Alves apenas para restituir ao PMDB os cargos e as verbas a que o partido se habituou. Na melhor das hipóteses o presidente os fará ministros só para completar o ciclo de prazeres do poder. O horário no Planalto é flexível, o dinheiro é razoável, viaja-se bastante. Mas nada deve ser tão prazeroso quanto a sensação de poder demitir Eunício e Garibaldi um dia depois de tê-los nomeado.
Na pior das hipóteses Lula acomodará o PMDB nos ministérios das Comunicações e das Cidades. Na melhor das hipóteses o presidente entregará à legenda de José Sarney as pastas dos Transportes e da Integração Nacional. Os peemedebistas já estão afeiçoados à lama e ao movimento de máquinas nos canteiros das obras rodoviárias, ao vaivém de influências nos guichês da Sudam e da Sudene... Escândalo por escândalo, melhor ficar com os de sempre.
Na pior das hipóteses Lula manterá Ricardo Berzoini no Ministério da Previdência. Na melhor das hipóteses o presidente deslocará o companheiro petista para uma turbinada pasta social. Governo que se dispõe a eliminar desigualdades não pode humilhar apenas os velhos. Há uma legião de pobres a ultrajar.
Na pior das hipóteses Lula demitirá Benedita da Silva. Na melhor das hipóteses o presidente poupará a amiga. O camarada José Dirceu não admite perder atribuições. Não seria recomendável eliminar-lhe a prerrogativa de atacar cotidianamente a colega nos bastidores.
Na pior das hipóteses Lula conservará Ciro Gomes onde se encontra. Na melhor das hipóteses o presidente o transferirá para o Planejamento. Corre-se o risco de criar um salseiro na área econômica. Mas cada nova divergência será uma oportunidade para que Antonio Palocci reafirme os rumos traçados. Mudanças na economia, só aquelas que não inspirem na minoria privilegiada o temor da perda do controle da situação.
De viagem marcada para hoje, Lula terá mais alguns dias para pesar prós e contras. Deveria esquecer a imprensa. Não há motivo para preocupações. Tome as decisões que tomar, receberá do pseudojornalismo um tratamento ameno.
Hipnotizada pela perspectiva de socorro do BNDES, parte expressiva da mídia venderá a capitulação como "amadurecimento". Lula será sempre o líder realista obrigado a lidar com políticos sórdidos.
Numa atmosfera de tolerância tática, o contraditório tende a ser extinto. Só uns poucos chatos ousarão atravessar o ritmo de oba-oba. Gente impatriótica, interessada em prejudicar o bom funcionamento da administração pública.


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