São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2007

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ELIO GASPARI

A turma da boquinha se deu mal, nos EUA

No Banco Mundial, em Harvard e Yale também há gente que gosta de levar vantagem, mas o negócio é arriscado

PARECE COISA de país pobre. Em 2005, o professor Paul Wolfowitz ganhou a presidência do Banco Mundial. Ele vinha de uma explosiva carreira na diplomacia de George Bush. Desde as horas seguintes ao atentado de 11 de Setembro, Wolfowitz sustentava que o EUA deveriam atacar o Iraque, que nada tinha a ver com a história.
O doutor chegou ao cargo com uma pedra no sapato. Sua namorada, Shaha Ali Riza, era funcionária do banco desde 1997. Profissional cosmopolita, nascera na Tunísia, de mãe síria e pai saudita, estudara na London School of Economics e fizera o mestrado em Oxford. Nada devia ao namorado, mas as normas do Banco Mundial não permitiam que ocupasse um cargo sob sua supervisão. Afinal de contas, o banco dá aulas de bom governo aos países do andar de baixo.
No melhor estilo das trocas de chumbo entre burocratas, Riza foi promovida e transferida para o gabinete da filha do vice-presidente Dick Cheney, no Departamento de Estado. Teve dois aumentos e ficou com um salário anual de US$ 193.590. Em seis meses, aumentou sua renda em cerca de US$ 60 mil e hoje ganha US$ 7.000 a mais que a secretária de Estado Condoleezza Rice.
Wolfowitz começou a se explicar e o caso será examinado pelo conselho do banco. Por mais que as promoções de Riza cheirem a queimado, há algo mesquinho no episódio, pois a palavra "namorada" insinua um clima de alcova que não existiria se o beneficiado fosse um amigo de Wolfowitz. Mais relevante que a fofoca é a constatação de que entre sábios americanos, tão severos no julgamento dos costumes alheios, também há o gosto por uma boquinha.
Se o Banco Mundial, um professor de Harvard, ou de Yale, dizem que um país deve fazer isso ou aquilo, suas opiniões ganham aura de santidade. Dois outros casos, com cabeludas transgressões, mostram quanto há nisso de ranço colonial. Desde os anos 90, os professores Andrei Shleifer (Harvard) e Florencio Lopez-de-Silanes (Yale) foram ouvidos, até no Brasil, como oráculos em matéria de privatizações e boa administração. Shleifer é considerado um dos economistas mais brilhantes da atualidade. Lopez-de-Silanes fundou um centro de estudos na universidade para estudar boa governança. Ambos lambuzaram-se.
O doutor Lopez-de-Silanes desgovernou suas prestações de contas e privatizou US$ 150 mil do instituto. Ele fora considerado um dos Cem Líderes Globais do Futuro pelo Fórum de Davos. Devolveu o dinheiro, mas foi mandado embora de Yale.
Andrei Shleifer chefiou equipes mandadas pelo Banco Mundial e por Harvard a Moscou para ensinar economia de mercado aos russos. Ele e a mulher banqueira meteram-se numa teia de negócios da privataria que custou US$ 26,5 milhões à universidade. Shleifer pagou US$ 2 milhões ao governo para encerrar o assunto. Ao contrário do que Yale fez com Lopez-de-Silanes, Harvard manteve-o na cátedra.
Os controles da sociedade americana fazem com que o dinheirinho fácil seja um negócio arriscado. Infelizmente, nos países do andar de baixo, prefere-se mudar as leis a aplicá-las. Muita gente boa continua usando os trabalhos de Shleifer e Lopes-de-Salinas, omitindo que havia um oceano entre a teoria que ensinavam e a voracidade de suas práticas.


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