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JANIO DE FREITAS
Filhote de monstro
O esforço do general Alberto Cardoso para negar que a
Agência Brasileira de Inteligência (leia-se informação) seja
um sucedâneo do SNI, tratando-se até de uma entidade democrática, faz mais do que confirmar o que nega. Pela primeira vez,
o ministro do Gabinete de Segurança Institucional faz a confirmação, embora involuntária, de que essas criações sinistras do
governo Fernando Henrique Cardoso buscam apoderar-se, na
prática, de direitos e responsabilidades que a Constituição confere ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal.
O general Cardoso, cuja boa-fé pessoal não está em questão,
tem dois argumentos básicos em defesa da Abin e seus organismos de informação e do que mais seja. Um deles recebe a forma
de "desafio" para "que se encontre no mundo uma legislação de
serviço de inteligência mais democrática do que a nossa". O argumento não supera a evidência, teórica e histórica, de que nenhum serviço secreto interno é democrático ou conciliável com
democracia.
O argumento complementar pretende que o serviço de Inteligência (leia-se informação) de Segurança Pública da Abin "não é
um sistema de inteligência de segurança interna, não é voltado
contra um "inimigo", "é um sistema para segurança pública".
Tanto é um serviço de informação interna, que o próprio general
Cardoso não pôde negar a Valdo Cruz, seu entrevistador para a
Folha, que a busca secreta de informações sobre o movimento dos
sem-terra é uma ação pertinente aos propósitos da Abin, porque
"o MST entrou na área de segurança pública".
A Abin, com seus "sistemas e subsistemas", é um serviço secreto
de informação interna. Seus objetivos incluem os movimentos de
reivindicação ou protesto, logo, incluem a oposição. E, como não
se trata de oposição ao país, mas ao governo, o serviço secreto de
coleta de informações na e sobre a oposição é uma atividade política, nas origens e nos fins.
Seja o que for, "se entrar na seara da segurança pública, vai entrar na abrangência" da busca secreta de informações pela Abin,
diz o general Cardoso. E quem, ou que doutrina, define as questões públicas que constituem questões de segurança? É a mesma
Abin, que integra os serviços da Presidência, e são algumas figuras palacianas, além do presidente. Ou seja, é o governo, em conformidade com sua política e com as conveniências pessoais que
nele vicejam. Não há doutrina, então. Ou melhor, o pouco que haja de doutrina tem as marcas da concepção de segurança criada
para servir aos patronos da Guerra Fria.
Tais marcas aparecem mesmo quando são inoportunas. "O que
se procura", explica o general Cardoso, "é instrumentalizar o governo para ter as informações que precisa para atuar nisso que é a
preocupação número um: segurança pública". Além de preocupação número um, a maneira de tratá-la é pelo "nível tático policial", para usar uma expressão do entrevistado. O que lembra,
também, ser esta competência atribuída pela Constituição à Polícia Federal, e não a um serviço secreto da Presidência da República.
O general Golbery do Couto e Silva disse, um dia, do SNI: "Eu
criei um monstro". Se o general Alberto Cardoso souber o que está
criando, já é alguma coisa: não terá a surpresa do seu predecessor.
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