São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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JANIO DE FREITAS

O bêbedo e o desequilibrista

O governo recomendou ao embaixador brasileiro nos Estados Unidos a apresentação ao "New York Times" do seu repúdio ao vasto texto, no domingo, com repetidas afirmações de que a atividade de Lula está prejudicada pela bebida excessiva, o que se tornou "preocupação nacional" no Brasil e está "infiltrado na consciência pública". Foi a providência governamental de praxe, ditada pelo convencionalismo diplomático. Mas, dita a experiência, melhor seria levar a reclamação ao Departamento de Estado, centro diplomático onde se têm montado as operações norte-americanas menos diplomáticas para a América Latina e alhures.
Os norte-americanos gostam muito de coincidências. Pode-se entender assim o acaso que fez o texto do correspondente Larry Rohter, inequivocamente elaborado para desmoralizar Lula e o governo brasileiro, sair em dias importantes para a política latino-americana do governo dos Estados Unidos.
Como a segurança da Venezuela descobriu no final da semana passada, seu governo estava na iminência de sofrer um ataque golpista: cerca de cem integrantes da guerrilha direitista colombiana já estavam instalados em território venezuelano, quando foram descobertos e, na maioria, presos. O governo colombiano do presidente Uribe não teria razões objetivas para chegar ao extremo risco de uma aventura golpista na Venezuela, capaz de resultar em conflito entre os dois países. Já a guerrilha direitista a que pertencem os presos sempre foi ajudada por norte-americanos, porque se opõe à guerrilha originalmente de esquerda e depois ligada ao narcotráfico que abastece o imenso mercado dos Estados Unidos.
Foi na semana passada, também, que o próprio Bush, em ato sem precedente, tornou público que o seu governo passa a agir para mudar o regime cubano. Ou seja, para derrubar Fidel Castro. Como disse o subsecretário para assuntos latino-americanos, Roger Noriega, os Estados Unidos não admitem Raul Castro como sucessor de Fidel, segundo estabeleceram os cânones cubanos para a morte do seu líder.
Duas grandes operações em curso, portanto. E quem é o presidente latino-americano capaz de levantar um movimento continental em defesa dos dois presidentes visados? Além dos motivos políticos para fazê-lo, inclusive em autopreservação das soberanias nacionais, Lula tem com Chavez e Fidel relações pessoais. É a esse Lula e na ocasião em que se lançam as duas operações contra Chavez e Fidel que, por coincidência, sai um texto desmoralizante para Lula. E em nada menos do que no jornal norte-americano de maior repercussão internacional -até por ser reconhecido como o mais leal servidor, na mídia, do que os governos dos Estados Unidos consideram "razões de Estado".
O gosto norte-americano por coincidências vai às minúcias, senão ao humorístico. Por isso é que, também nesse domingo do texto contra Lula no "NYT", em um cantinho do segundo caderno do "Globo" saía uma carta de protesto do cônsul norte-americano, por "declarações e expressões" de Arnaldo Jabor sobre o presidente Bush, "caracterizadas", segundo a carta, "pela falta de respeito e má educação". Daí a conclusão: "Não emitimos em nossos telejornais, jornais nem em qualquer veículo de comunicação nada parecido com o que temos presenciado". Uma injustiça com "The New York Times". Sobretudo quando retoma o jornalismo tão praticado nos anos 50 e 60, fase aguda das políticas intervencionistas na América Latina.


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