São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2007

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Ministro e irmãos advogados "partilham" processos no TCU

Irmãos de Valmir Campelo criaram escritório de advocacia no ano em que ele assumiu

Eles representaram clientes, inclusive empreiteiras, em 42 acórdãos do tribunal; em 40, Campelo se declarou impedido ou deixou a sala

Alan Marques/Folha Imagem
Fachada do Tribunal de Contas da União em BRasília


RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Na sala em que recebe seus clientes em Brasília, o advogado João Estênio Campelo Bezerra, 59, exibe uma fotografia tirada durante uma recente viagem a Paris. Com a torre Eiffel ao fundo, aparece abraçado ao seu irmão, o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Valmir Campelo, 63, ex-deputado federal, ex-senador pelo PTB do Distrito Federal e presidente do tribunal entre 2002 e 2004.
Estênio, co-fundador do PTB, é especializado em direito trabalhista. Diz que advoga há 33 anos. Em 1997, no ano em que o irmão tornou-se ministro do TCU, numa vaga indicada pelo Congresso, Estênio fundou com a irmã Teresa Amaro a empresa "Campelo Bezerra Advogados Associados".
Entre 2003 e 2007, os irmãos advogados representaram clientes em 42 acórdãos (decisões colegiadas) do TCU, principalmente empreiteiras alvo de auditorias em contratos assinados com o DNIT (Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes) e o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra Secas), juízes do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) do Ceará e centrais sindicais.
"Minha família é unida. Eu não posso brigar com meus irmãos porque eles são advogados", disse o ministro Campelo. "Nós somos muito unidos, todos os dez irmãos. É um relacionamento muito bom", disse o advogado.
Em 40 vezes, a entrada em cena do escritório de advocacia no TCU provocou a suspeição do ministro Campelo - ou ele se declarou impedido ou deixou a sala sem constar no rol dos votantes. Por duas vezes, o ministro presidiu a sessão que julgava um processo defendido por seus irmãos. Campelo disse que nas duas ocasiões não votou, apenas comandou as sessões -o presidente do TCU vota apenas em caso de empate.
"O fato de ele estar na sessão não significa que participou do julgamento. Ele pode lançar o impedimento dele, a suspeição, e não votar, certo? O Valmir é uma pessoa muito ética", disse o advogado Estênio.
"Quando eu fui presidente do TCU eu me ausentava da sala, uma coisa que não havia a menor necessidade, mas eu, como presidente, como eu liderava um grupo de ministros, até para não inibi-los na minha opinião, me retirava da sala. Quando eu voltei a ser ministro, como qualquer outro ministro, eu permaneço na sala, é óbvio", disse Valmir Campelo.
Em outro processo, o ministro participou da votação sobre uma auditoria que responsabilizava dois altos servidores do Ministério do Trabalho por irregularidades no uso de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). A votação foi em 2005 e desde 2003 os irmãos Campelo apareciam no processo como defensores da central sindical SDS, um dos alvos da auditoria por supostos desvios de parte dos R$ 13 milhões recebidos da União.
O processo envolvia outras centrais, como CUT e Força Sindical. Segundo a decisão do TCU, as centrais não conseguiram comprovar o destino de R$ 30 milhões do total de R$ 137 milhões só em 2001.
Os servidores do ministério do Trabalho responsáveis pelos convênios foram condenados a pagar uma multa de apenas R$ 12 mil, parcelada em 24 meses. De acordo com o voto do ministro Lincoln Magalhães da Rocha, havia "indícios de fraude e mais de 50% do total de recursos podem ter sido desviados".
Campelo e sua assessoria afirmam que a votação específica sobre a SDS ocorreu em outra sessão, quando o ministro se declarou impedido.

Vitória dos Campelo
Dos acórdãos no TCU que registram a atuação dos advogados Campelo, o escritório teve algum tipo de vitória em 20 ocasiões. Estênio obteve pelo menos três vitórias importantes em pedidos de reexame de um acórdão anterior - tipo de recurso difícil de ser obtido por envolver a reavaliação de decisão já tomada em plenário. Uma delas contrariou um voto do ministro Campelo.
Após a aprovação de um relatório duro feito por Campelo contra o DNIT e a empreiteira Via Dragados por conta da obra de duplicação da rodovia BR-230, na Paraíba, o escritório dos irmãos foi contratado para atuar na fase de recurso. O ministro não apareceu para a votação. O resultado foi muito apertado, quatro votos a três.
A presença de Campelo na sessão poderia, em tese, desequilibrar a votação em favor dos princípios de seu relatório, mais rígidos em relação ao que foi aprovado. Na decisão, foi acolhido o reexame e alterado o acórdão original, que previa o ressarcimento de 90% dos recursos destinados a uma parte do empreendimento.
O presidente da OAB nacional, Cézar Britto, disse que os advogados no TCU são submetidos ao Código de Processo Civil, que veda ao defensor provocar um impedimento de magistrado parente que já atue nos autos. "Não pode o advogado se habilitar nos autos apenas para causar o impedimento do juiz", disse Britto, em teoria, sem analisar o caso do TCU.
O procurador geral do TCU, Lucas Furtado da Rocha, leu o acórdão sobre o DNIT a pedido da reportagem e disse: "É, em tese o escritório não poderia ter sido contratado para gerar o impedimento. Aqui é caso de impedimento do escritório". Ele também se manifestou sem analisar detalhes do processo.
Furtado defendeu "a lisura e a ética" do ministro Campelo. Indagado pela Folha, Furtado reconheceu que sua mulher também atuou como advogada num processo no TCU (leia texto na pág. A8).
"O certo é o seguinte: aqui em Brasília há muitos anos que se faz isso, tenho vários colegas que atuam como [advogados], são filhos de ministros, irmãos de ministros. Isso aqui em Brasília tem várias pessoas", afirmou o advogado João Estênio.
A Folha localizou apenas mais um caso no TCU. O filho do ministro Aroldo Cedraz, Tiago, aparece como parte num processo de 2007 - seu pai declarou-se impedido de votar. O ministro, ex-deputado, informou, por meio da assessoria, que "fez um acordo com seu filho para que ele não mais atue no TCU" desde quando tomou posse no tribunal.


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