São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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PERFIL

Petista repete trajetória de Lionel Jospin

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Nas 99 páginas de formato de bolso do livro "O PT", da coleção "Folha Explica" (Publifolha, 2001), o autor, André Singer, não cita o próximo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho.
A publicação foi lançada no ano anterior à campanha eleitoral vitoriosa na qual Luiz Inácio Lula da Silva teria Singer como porta-voz e Palocci como coordenador do programa de governo e, logo em seguida, da transição.
Em 21 anos de partido, o ex-prefeito da cidade paulista de Ribeirão Preto (1993-96; 2001-02) ainda não havia inscrito seu nome entre as dezenas de militantes citados na obra historiográfica de Singer.
Outros autores provavelmente não fariam diferente. E talvez não tivessem mesmo por quê.
É quase certo que, se o então prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, não tivesse sido assassinado em janeiro e Palocci não herdasse a chefia do programa, seria outro o homem-forte da economia do governo Lula.
Palocci, 42, chega à Fazenda cacifado pelo seu desempenho na campanha e na transição. Foi quando voltou a fumar. Será um médico (sanitarista) fumante cuidando da economia, o antípoda do economista antitabagista José Serra na Saúde (1998-2002).
Sua trajetória ajuda a identificar os motivos da disparada do seu peso político, na mais rápida ascensão da história petista recente.
Palocci foi logo notado, mais de duas décadas atrás, ao ingressar no curso de medicina da USP em Ribeirão Preto. "Tem um calouro ótimo", contou uma aluna de ciências biomédicas ao então pós-graduando e hoje neurobiologista Luiz Carlos Schenberg, 51.
Schenberg dirigia na cidade a OSI (Organização Socialista Internacionalista), agrupamento clandestino de extrema-esquerda fundado em 1976. Guiava-se pelas teses do revolucionário russo Leon Trotsky (1879-1940).
No movimento universitário, a OSI impulsionava a tendência Liberdade e Luta, conhecida pela corruptela de Libelu. Schenberg "recrutou" o estudante indicado pela "camarada", e Palocci se juntou à organização na qual militavam ou haviam militado muitos que em 2002 estariam na campanha de Lula e na transição, como Luiz Gushiken (coordenador-adjunto da transição). Internamente, passou a atender pelo codinome "Pablo". Vivia-se a virada da década de 1970 para a de 80.
Na França, a corrente trotsquista associada à OSI perdera havia pouco um quadro que infiltrara no Partido Socialista: Lionel Jospin, o "Michel". Jospin se convertera à social-democracia e viria a ser primeiro-ministro.
Em 2002, esses militantes já abandonaram o trotsquismo e integram o campo majoritário e moderado do PT. A maioria rompeu com a continuidade da OSI em 1987, dissolvendo-se na Articulação, a tendência de Lula e do presidente do PT nos últimos sete anos, José Dirceu.
A ruptura de 1987 foi uma virada para Palocci, cujas habilidades de malabarista político só seriam celebradas anos depois. Mas já existiam na gênese do militante.
Palocci foi líder estudantil na USP. Tornou-se membro do Comitê Central da OSI. Em meados dos anos 80, foi a um congresso carregando os dirigentes do movimento dos bóias-frias, entre eles o principal, Zé de Fátima. O sindicalista rural aderira à organização, mas não conseguia pronunciar a palavra "trotsquista". Depois viraria malufista.
Em 1988, Palocci iniciou a carreira eleitoral. Em cinco disputas, venceu todas. Só completou um mandato. Primeiro elegeu-se vereador. Em 1992, venceu a disputa pela Prefeitura de Ribeirão Preto. No único mandato cumprido na íntegra, acumulou o capital político que o projetaria no PT -e aprendeu economia.
A gestão era de larga aliança. Palocci privatizou quase metade da telefônica local. Deu à iniciativa privada a concessão (por 20 anos) do tratamento de esgoto. Aproximou-se do empresariado.
Em 1996, José Dirceu exaltava a "revolução administrativa" em Ribeirão Preto. O que naquele ano parecia barbada, o triunfo do candidato situacionista à sucessão, terminou com uma derrota apertada. Em 1997, ungido por Lula e Dirceu, Palocci foi eleito presidente do PT paulista.
Em 1998, lançou-se pré-candidato ao governo estadual -sonho que tentará realizar em 2006, dizem amigos. A pedido dos líderes da Articulação, retirou o nome em favor do de Marta Suplicy. O gesto foi louvado por Lula.

Homem certo
Palocci conquistou uma vaga na Câmara dos Deputados em 98. O mandato foi encurtado com sua vitória em primeiro turno para a Prefeitura de Ribeirão em 2000. O grosso do financiamento da campanha originou-se de empreiteiras e usinas de cana.
Pôs um banqueiro no secretariado. Fez do presidente da Associação Comercial e Industrial o seu vice. A imagem de bom administrador foi abalada por numerosos episódios. Num deles, a licitação para a compra de cestas básicas -onde haveria de constar um "molho de tomate refogado e peneirado, com ervilha"- foi suspensa pela Justiça.
A venda de parte da telefônica em 1996 recebera críticas: por pouco mais de R$ 50 milhões, entregou-se perto de 50% da empresa. O prefeito seguinte passaria o resto adiante por mais do triplo do valor obtido por Palocci.
Antonio Palocci deveria estar na coordenação da campanha de Lula de qualquer maneira. Ficou com a função-chave de gerente do programa de governo com a morte do prefeito Celso Daniel.
Seu nome foi pensado imediatamente como substituto. Estabelecera o paradigma de administrador municipal imaginado pela ala de Lula e Dirceu. Ajudou a levar o publicitário Duda Mendonça, que fizera sua campanha de 2000, para as hostes lulistas. Costurou o apoio de parte do empresariado e amenizou a resistência antipetista. Ironia: em Ribeirão Preto, Lula bateu Serra por 0,36 ponto.
Palocci não se tornou mais poderoso que José Dirceu. Conforme um conhecedor da cúpula petista, a força dos dirigentes, inclusive dos que estão na transição e vão para o governo, como Palocci, se origina de "mandato" concedido por Lula. Menos a de Dirceu: embora com menos poder que o presidente eleito, ele é o único que tem capacidade de barganhar, negociar -e não apenas se beneficia da confiança- com o correligionário-chefe.
No governo, Palocci cumprirá os três estágios fundamentais da história do PT: o de militância (sindical, estudantil ou de base da Igreja) contra o regime militar (1964-85); o dito "modo petista de governar"; e Lula no Planalto.
Numa próxima edição do livro "O PT", acrescido da campanha e vitória de Lula, Singer terá de introduzir um novo personagem, e como um dos protagonistas.


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