|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PERFIL
Petista repete trajetória de Lionel Jospin
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Nas 99 páginas de formato de
bolso do livro "O PT", da coleção
"Folha Explica" (Publifolha,
2001), o autor, André Singer, não
cita o próximo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho.
A publicação foi lançada no ano
anterior à campanha eleitoral vitoriosa na qual Luiz Inácio Lula
da Silva teria Singer como porta-voz e Palocci como coordenador
do programa de governo e, logo
em seguida, da transição.
Em 21 anos de partido, o ex-prefeito da cidade paulista de Ribeirão Preto (1993-96; 2001-02) ainda
não havia inscrito seu nome entre
as dezenas de militantes citados
na obra historiográfica de Singer.
Outros autores provavelmente
não fariam diferente. E talvez não
tivessem mesmo por quê.
É quase certo que, se o então
prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, não tivesse sido assassinado em janeiro e Palocci não
herdasse a chefia do programa,
seria outro o homem-forte da
economia do governo Lula.
Palocci, 42, chega à Fazenda cacifado pelo seu desempenho na
campanha e na transição. Foi
quando voltou a fumar. Será um
médico (sanitarista) fumante cuidando da economia, o antípoda
do economista antitabagista José
Serra na Saúde (1998-2002).
Sua trajetória ajuda a identificar
os motivos da disparada do seu
peso político, na mais rápida ascensão da história petista recente.
Palocci foi logo notado, mais de
duas décadas atrás, ao ingressar
no curso de medicina da USP em
Ribeirão Preto. "Tem um calouro
ótimo", contou uma aluna de
ciências biomédicas ao então pós-graduando e hoje neurobiologista
Luiz Carlos Schenberg, 51.
Schenberg dirigia na cidade a
OSI (Organização Socialista Internacionalista), agrupamento
clandestino de extrema-esquerda
fundado em 1976. Guiava-se pelas
teses do revolucionário russo
Leon Trotsky (1879-1940).
No movimento universitário, a
OSI impulsionava a tendência Liberdade e Luta, conhecida pela
corruptela de Libelu. Schenberg
"recrutou" o estudante indicado
pela "camarada", e Palocci se juntou à organização na qual militavam ou haviam militado muitos
que em 2002 estariam na campanha de Lula e na transição, como
Luiz Gushiken (coordenador-adjunto da transição). Internamente, passou a atender pelo codinome "Pablo". Vivia-se a virada da
década de 1970 para a de 80.
Na França, a corrente trotsquista associada à OSI perdera havia
pouco um quadro que infiltrara
no Partido Socialista: Lionel Jospin, o "Michel". Jospin se convertera à social-democracia e viria a
ser primeiro-ministro.
Em 2002, esses militantes já
abandonaram o trotsquismo e integram o campo majoritário e
moderado do PT. A maioria rompeu com a continuidade da OSI
em 1987, dissolvendo-se na Articulação, a tendência de Lula e do
presidente do PT nos últimos sete
anos, José Dirceu.
A ruptura de 1987 foi uma virada para Palocci, cujas habilidades
de malabarista político só seriam
celebradas anos depois. Mas já
existiam na gênese do militante.
Palocci foi líder estudantil na
USP. Tornou-se membro do Comitê Central da OSI. Em meados
dos anos 80, foi a um congresso
carregando os dirigentes do movimento dos bóias-frias, entre eles
o principal, Zé de Fátima. O sindicalista rural aderira à organização, mas não conseguia pronunciar a palavra "trotsquista". Depois viraria malufista.
Em 1988, Palocci iniciou a carreira eleitoral. Em cinco disputas,
venceu todas. Só completou um
mandato. Primeiro elegeu-se vereador. Em 1992, venceu a disputa
pela Prefeitura de Ribeirão Preto.
No único mandato cumprido na
íntegra, acumulou o capital político que o projetaria no PT -e
aprendeu economia.
A gestão era de larga aliança. Palocci privatizou quase metade da
telefônica local. Deu à iniciativa
privada a concessão (por 20 anos)
do tratamento de esgoto. Aproximou-se do empresariado.
Em 1996, José Dirceu exaltava a
"revolução administrativa" em
Ribeirão Preto. O que naquele
ano parecia barbada, o triunfo do
candidato situacionista à sucessão, terminou com uma derrota
apertada. Em 1997, ungido por
Lula e Dirceu, Palocci foi eleito
presidente do PT paulista.
Em 1998, lançou-se pré-candidato ao governo estadual -sonho que tentará realizar em 2006,
dizem amigos. A pedido dos líderes da Articulação, retirou o nome
em favor do de Marta Suplicy. O
gesto foi louvado por Lula.
Homem certo
Palocci conquistou uma vaga na
Câmara dos Deputados em 98. O
mandato foi encurtado com sua
vitória em primeiro turno para a
Prefeitura de Ribeirão em 2000. O
grosso do financiamento da campanha originou-se de empreiteiras e usinas de cana.
Pôs um banqueiro no secretariado. Fez do presidente da Associação Comercial e Industrial o
seu vice. A imagem de bom administrador foi abalada por numerosos episódios. Num deles, a licitação para a compra de cestas básicas -onde haveria de constar
um "molho de tomate refogado e
peneirado, com ervilha"- foi
suspensa pela Justiça.
A venda de parte da telefônica
em 1996 recebera críticas: por
pouco mais de R$ 50 milhões, entregou-se perto de 50% da empresa. O prefeito seguinte passaria o
resto adiante por mais do triplo
do valor obtido por Palocci.
Antonio Palocci deveria estar na
coordenação da campanha de Lula de qualquer maneira. Ficou
com a função-chave de gerente do
programa de governo com a morte do prefeito Celso Daniel.
Seu nome foi pensado imediatamente como substituto. Estabelecera o paradigma de administrador municipal imaginado pela ala
de Lula e Dirceu. Ajudou a levar o
publicitário Duda Mendonça, que
fizera sua campanha de 2000, para as hostes lulistas. Costurou o
apoio de parte do empresariado e
amenizou a resistência antipetista. Ironia: em Ribeirão Preto, Lula
bateu Serra por 0,36 ponto.
Palocci não se tornou mais poderoso que José Dirceu. Conforme um conhecedor da cúpula petista, a força dos dirigentes, inclusive dos que estão na transição e
vão para o governo, como Palocci,
se origina de "mandato" concedido por Lula. Menos a de Dirceu:
embora com menos poder que o
presidente eleito, ele é o único que
tem capacidade de barganhar, negociar -e não apenas se beneficia da confiança- com o correligionário-chefe.
No governo, Palocci cumprirá
os três estágios fundamentais da
história do PT: o de militância
(sindical, estudantil ou de base da
Igreja) contra o regime militar
(1964-85); o dito "modo petista de
governar"; e Lula no Planalto.
Numa próxima edição do livro
"O PT", acrescido da campanha e
vitória de Lula, Singer terá de introduzir um novo personagem, e
como um dos protagonistas.
Texto Anterior: Anúncio "é uma ótima notícia", afirma Malan Próximo Texto: Perfil: Senadora é referência na área ambiental Índice
|