São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

É preciso ir além das aparências

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Que uma das primeiras confirmações do gabinete Lula seja a de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) decorre provavelmente de uma espécie de unanimidade. Símbolo da resistência da população pobre à ocupação predatória da Amazônia, assim como seu conterrâneo Chico Mendes, e vinda de uma atuação consistente no Senado no campo das questões ambientais, Marina Silva tem as credenciais e a biografia para agradar a todos -dentro e fora do PT e do Brasil.
Não é a primeira vez que se elege uma unanimidade para o MMA, pasta-chave para a imagem do Brasil no exterior. Fernando Collor empossou o igualmente premiado José Lutzenberger no que então ainda era uma secretaria ligada à Presidência. Não deu certo. Na véspera da Eco-92, e ainda por cima em Nova York, "Lutz" disse que era besteira os outros países darem dinheiro para nações subdesenvolvidas como o Brasil preservarem o ambiente, porque os recursos acabariam nas mãos de políticos corruptos. Caiu no dia seguinte.
Marina Silva obviamente tem muito mais traquejo político do que tinha Lutzenberger. O mesmo se pode dizer de José Sarney Filho, que ocupou o cargo no segundo governo Fernando Henrique Cardoso. Ter um ministro que se relacione tão bem com políticos quanto com organizações não-governamentais (ONGs) não é, porém, garantia de que as questões ambientais terão o devido peso na ação do governo.
Para que isso ocorra, além de uma liderança incontestável no MMA, é preciso que a idéia de sustentabilidade perpasse todos os setores do governo, sobretudo o de planejamento. Pouco adianta ter lá uma personalidade, se sua função se reduzir a mitigar efeitos adversos de políticas de desenvolvimento incompatíveis com a preservação da Amazônia -ou do cerrado, do Pantanal, da mata atlântica- pensadas e decididas pelos vizinhos da Esplanada, sem participação real do MMA.
No caso do governo FHC, essa contradição só não deu em coisa pior porque a crise econômica impediu a implementação do plano desenvolvimentista Avança Brasil. Sua primeira versão passou longe do MMA, até que estudos de pesquisadores brasileiros e estrangeiros denunciaram o potencial destruidor dos eixos de crescimento, em particular na Amazônia. Um deles previa que levar a cabo a recuperação e a pavimentação de apenas quatro estradas previstas no Avança Brasil poderia induzir o desmatamento de 180 mil km2 na Amazônia.
O MMA foi então incorporado à discussão, e o programa, reformulado. Só que, aí, o estrago à imagem já estava feito.


Texto Anterior: Perfil: Senadora é referência na área ambiental
Próximo Texto: PT oferece duas pastas ao PMDB, que resiste
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.