São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÃO DA CRISE

Novo chefe de tribunal paulista diz que CNJ é tentativa do Executivo controlar Judiciário e que corrupção ameaça Estado democrático de Direito

Lula quer subjugar Justiça, diz presidente de TJ

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Primeiro presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo oriundo da AJD (Associação dos Juízes para a Democracia), o desembargador Celso Limongi, 64, quer romper o silêncio do maior tribunal estadual do país: "Os juízes precisam reagir, mostrar que o governo está errado". Para ele, o governo Lula tenta controlar o Judiciário, com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), assim como pretendeu controlar a imprensa, com a frustrada iniciativa do Conselho Federal de Jornalismo.
Vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, presidente da Apamagis (Associação Paulista dos Magistrados) em final de mandato, vai tentar organizar a magistratura para melhorar a Reforma do Judiciário, por meio do Legislativo.
Para Limongi, não é surpresa o caráter autoritário do governo Lula. Mas ele está assustado com o grau de corrupção. "Não esperava que chegassem a tal nível", diz. "O Estado democrático de Direito não pode sobreviver com uma corrupção nesse nível."

Folha - O sr. tem um discurso progressista. Esse perfil será inibido, ao presidir o TJ-SP?
Celso Limongi -
Eu não consigo mudar minha personalidade. Temos de mostrar transparência. Acredito que o tribunal de São Paulo terá mais força.

Folha - O sr. manifesta restrições ao CNJ. Como presidente do tribunal, o sr. entrará em confronto?
Limongi -
Eu respeito o que está na lei. E vou cumpri-la. Mas não posso aceitar que o CNJ desborde da sua esfera de atribuições.

Folha - Ultrapassou os limites?
Limongi -
A resolução contra o nepotismo é muito boa. Mas o CNJ não tem poder para legislar.

Folha - Há nepotismo no TJ-SP?
Limongi -
O tribunal fez um projeto de lei há 14 anos. Não existe nenhum parente de juiz ou desembargador que tenha sido contratado em cargo de comissão.

Folha - Qual é a intenção do CNJ?
Limongi -
O CNJ tem a intenção de administrar bem a Justiça. Mas não podemos admitir interferência se não houver base legal. O grande problema é que a Emenda Constitucional 45/04 [Reforma do Judiciário] deu muito poder ao CNJ.

Folha - Essa avaliação não contradiz o discurso progressista da AJD?
Limongi -
Não. É a questão da legalidade. Hoje, há juízes muito independentes, éticos. Não posso garantir que daqui a dois anos o conselho tenha o mesmo perfil.

Folha - Como o sr. vê a hipótese de o CNJ entrar com uma ação de improbidade contra o sr.?
Limongi -
Ele pode abrir, de ofício, um procedimento administrativo contra o presidente do tribunal, sem dúvida.

Folha - O sr. discorda da formação do CNJ, com membros que não são do Judiciário. Vai conviver com ela?
Limongi -
Ou resistir... Tentar modificar com uma contra-reforma, via Legislativo. O que nós não suportamos é perder a independência, para julgar com imparcialidade os abusos do Executivo.

Folha - Critica-se o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. O sr. terá uma atuação semelhante?
Limongi -
Não. Porque eu não tenho nenhuma intenção política. Não estou visando a cargos eletivos. Meu objetivo é manter a independência do Judiciário.

Folha - Como o sr. avalia a atuação do ministro Jobim?
Limongi -
Juiz não pode ter outros objetivos, para não perder a isenção. Se eu tiver que agradar, porque quero ser eleito para algum cargo, não posso julgar.

Folha - O sr. não apoiou o "Manifesto pela ética", dos gaúchos, cobrando definição de Jobim...
Limongi -
Achei que não era o momento. Não via necessidade de ser assim tão cáustico. Se eu fosse o Jobim, não faria isso.

Folha - Como o sr. avalia as indicações dos ministros do Supremo?
Limongi -
É preciso mudar, reduzir a indicação política, reduzir o poder do presidente da República e a grande aproximação do ministro com o Executivo.

Folha - O sr. já atribuiu ao Presidente Lula a intenção de desmoralizar o Poder Judiciário.
Limongi -
O Executivo subjugou o Legislativo. Produziu um clamor público na reforma da Previdência contra todos os funcionários públicos e contra a magistratura. Às vésperas de votações importantes, o Executivo fala em caixa-preta do Judiciário. Com esse clamor público, deputados e senadores ficam pressionados. Essa é a intenção do governo Lula.

Folha - O Judiciário reagiu?
Limongi -
O Judiciário sempre foi inibido, tímido. Juiz não gosta de se expor, não reage à altura.

Folha - Como o sr. vê as revelações das CPIs?
Limongi -
Eu fiz um discurso quando tomei posse na Apamagis: "Um teatro de mentiras foi montado, a partir do ano de 2003, neste Brasil, e uma tragédia de erros foi levada à cena". Comecei a enumerar os erros. Foi em março do ano passado. Era o segundo ano do PT. Então, esse viés autoritário não me surpreendeu tanto.

Folha - As denúncias de corrupção o surpreenderam?
Limongi -
Eu não esperava que chegassem a tal nível. É um mal que desestabiliza a própria democracia. O Estado democrático de Direito não pode sobreviver com uma corrupção nesse nível.

Folha - O sr. acha que a corrupção no Judiciário é grave?
Limongi -
Não. Se há, é no nível de qualquer país do primeiro mundo.

Folha - Como o sr. atuará no colégio de presidentes de tribunais?
Limongi -
Esse colégio tem a obrigação de aproximar-se do Legislativo federal, propor alterações para reformar o processo civil e penal e alterações do ponto de vista político, para preservar a independência do poder judiciário. Não quero privilégios.

Folha - É fácil reduzir a independência dos juízes?
Limongi -
Existe muito temor por causa do CNJ. Não é impossível um juiz se inibir de dar uma decisão contra o poder público quando existe a possibilidade de uma represália. Eu sempre cito aquele juiz do Pontal de Paranapanema, que determinou a prisão do José Rainha. Se já houvesse o CNJ, poderia ter havido injunção política por parte do partido do presidente da República.

Folha - Como o CNJ poderia pressionar um juiz?
Limongi -
Com um procedimento administrativo. É muito fácil. Qual o argumento? "Esse juiz é arbitrário, praticou abuso de poder, esse juiz é tendencioso"...

Folha - Qual seria a indicação de que a pressão pode aumentar?
Limongi -
Os membros do CNJ manifestam com muita naturalidade a intenção de punir.

Folha - O CNJ já extrapolou?
Limongi -
Houve um abuso muito grande. O CNJ pediu informações aos integrantes da 5ª Câmara Criminal de São Paulo sobre as razões pelas quais uma presa foi solta. Os cinco integrantes e o presidente do TJ-SP tiveram que dar informações.

Folha - Se o sr. já fosse o presidente, como teria reagido?
Limongi -
Manifestaria meu repúdio a essa interferência.

Folha - A insatisfação com o CNJ é abafada?
Limongi -
O tribunal não se manifestou contra, pelo menos oficialmente. Teria de se manifestar contra a existência do CNJ com pessoas estranhas à magistratura.

Folha - Qual a prioridade da convocação do Tribunal Pleno?
Limongi -
É questão fundamental e um ponto de honra.

Folha - Haverá resistências?
Limongi -
O Órgão Especial provavelmente vai se insurgir.

Folha - Como isso afeta o funcionamento do tribunal?
Limongi -
Os novos desembargadores não se conformam com essa postura omissa do tribunal. Querem participar dessa administração. Só os mais antigos compõem o Órgão Especial.

Folha - Quem está fora não entra e quem está dentro não sai...
Limongi -
Não querem sair, não. Quando eu entrei no órgão, coloquei o cargo à disposição. Apresentei um requerimento e houve uma reação hostil. Queria que meu cargo e os dos 12 fossem preenchidos por eleição.


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