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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÃO DA CRISE
Novo chefe de tribunal paulista diz que CNJ é tentativa do Executivo controlar Judiciário e que corrupção ameaça Estado democrático de Direito
Lula quer subjugar Justiça, diz presidente de TJ
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Primeiro presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo oriundo da AJD (Associação dos Juízes
para a Democracia), o desembargador Celso Limongi, 64, quer
romper o silêncio do maior tribunal estadual do país: "Os juízes
precisam reagir, mostrar que o
governo está errado". Para ele, o
governo Lula tenta controlar o Judiciário, com o CNJ (Conselho
Nacional de Justiça), assim como
pretendeu controlar a imprensa,
com a frustrada iniciativa do Conselho Federal de Jornalismo.
Vice-presidente da Associação
dos Magistrados Brasileiros, presidente da Apamagis (Associação
Paulista dos Magistrados) em final de mandato, vai tentar organizar a magistratura para melhorar
a Reforma do Judiciário, por meio
do Legislativo.
Para Limongi, não é surpresa o
caráter autoritário do governo
Lula. Mas ele está assustado com
o grau de corrupção. "Não esperava que chegassem a tal nível",
diz. "O Estado democrático de Direito não pode sobreviver com
uma corrupção nesse nível."
Folha - O sr. tem um discurso progressista. Esse perfil será inibido,
ao presidir o TJ-SP?
Celso Limongi - Eu não consigo
mudar minha personalidade. Temos de mostrar transparência.
Acredito que o tribunal de São
Paulo terá mais força.
Folha - O sr. manifesta restrições
ao CNJ. Como presidente do tribunal, o sr. entrará em confronto?
Limongi - Eu respeito o que está
na lei. E vou cumpri-la. Mas não
posso aceitar que o CNJ desborde
da sua esfera de atribuições.
Folha - Ultrapassou os limites?
Limongi - A resolução contra o
nepotismo é muito boa. Mas o
CNJ não tem poder para legislar.
Folha - Há nepotismo no TJ-SP?
Limongi - O tribunal fez um projeto de lei há 14 anos. Não existe
nenhum parente de juiz ou desembargador que tenha sido contratado em cargo de comissão.
Folha - Qual é a intenção do CNJ?
Limongi - O CNJ tem a intenção
de administrar bem a Justiça. Mas
não podemos admitir interferência se não houver base legal. O
grande problema é que a Emenda
Constitucional 45/04 [Reforma
do Judiciário] deu muito poder ao
CNJ.
Folha - Essa avaliação não contradiz o discurso progressista da AJD?
Limongi - Não. É a questão da legalidade. Hoje, há juízes muito independentes, éticos. Não posso
garantir que daqui a dois anos o
conselho tenha o mesmo perfil.
Folha - Como o sr. vê a hipótese
de o CNJ entrar com uma ação de
improbidade contra o sr.?
Limongi - Ele pode abrir, de ofício, um procedimento administrativo contra o presidente do tribunal, sem dúvida.
Folha - O sr. discorda da formação
do CNJ, com membros que não são
do Judiciário. Vai conviver com ela?
Limongi - Ou resistir... Tentar
modificar com uma contra-reforma, via Legislativo. O que nós não
suportamos é perder a independência, para julgar com imparcialidade os abusos do Executivo.
Folha - Critica-se o presidente do
Supremo Tribunal Federal, Nelson
Jobim. O sr. terá uma atuação semelhante?
Limongi - Não. Porque eu não tenho nenhuma intenção política.
Não estou visando a cargos eletivos. Meu objetivo é manter a independência do Judiciário.
Folha - Como o sr. avalia a atuação do ministro Jobim?
Limongi - Juiz não pode ter outros objetivos, para não perder a
isenção. Se eu tiver que agradar,
porque quero ser eleito para algum cargo, não posso julgar.
Folha - O sr. não apoiou o "Manifesto pela ética", dos gaúchos, cobrando definição de Jobim...
Limongi - Achei que não era o
momento. Não via necessidade de
ser assim tão cáustico. Se eu fosse
o Jobim, não faria isso.
Folha - Como o sr. avalia as indicações dos ministros do Supremo?
Limongi - É preciso mudar, reduzir a indicação política, reduzir
o poder do presidente da República e a grande aproximação do ministro com o Executivo.
Folha - O sr. já atribuiu ao Presidente Lula a intenção de desmoralizar o Poder Judiciário.
Limongi - O Executivo subjugou
o Legislativo. Produziu um clamor público na reforma da Previdência contra todos os funcionários públicos e contra a magistratura. Às vésperas de votações importantes, o Executivo fala em
caixa-preta do Judiciário. Com esse clamor público, deputados e
senadores ficam pressionados.
Essa é a intenção do governo Lula.
Folha - O Judiciário reagiu?
Limongi - O Judiciário sempre
foi inibido, tímido. Juiz não gosta
de se expor, não reage à altura.
Folha - Como o sr. vê as revelações das CPIs?
Limongi - Eu fiz um discurso
quando tomei posse na Apamagis: "Um teatro de mentiras foi
montado, a partir do ano de 2003,
neste Brasil, e uma tragédia de erros foi levada à cena". Comecei a
enumerar os erros. Foi em março
do ano passado. Era o segundo
ano do PT. Então, esse viés autoritário não me surpreendeu tanto.
Folha - As denúncias de corrupção o surpreenderam?
Limongi - Eu não esperava que
chegassem a tal nível. É um mal
que desestabiliza a própria democracia. O Estado democrático de
Direito não pode sobreviver com
uma corrupção nesse nível.
Folha - O sr. acha que a corrupção
no Judiciário é grave?
Limongi - Não. Se há, é no nível
de qualquer país do primeiro
mundo.
Folha - Como o sr. atuará no colégio de presidentes de tribunais?
Limongi - Esse colégio tem a
obrigação de aproximar-se do Legislativo federal, propor alterações para reformar o processo civil e penal e alterações do ponto
de vista político, para preservar a
independência do poder judiciário. Não quero privilégios.
Folha - É fácil reduzir a independência dos juízes?
Limongi - Existe muito temor
por causa do CNJ. Não é impossível um juiz se inibir de dar uma
decisão contra o poder público
quando existe a possibilidade de
uma represália. Eu sempre cito
aquele juiz do Pontal de Paranapanema, que determinou a prisão
do José Rainha. Se já houvesse o
CNJ, poderia ter havido injunção
política por parte do partido do
presidente da República.
Folha - Como o CNJ poderia pressionar um juiz?
Limongi - Com um procedimento administrativo. É muito fácil.
Qual o argumento? "Esse juiz é arbitrário, praticou abuso de poder,
esse juiz é tendencioso"...
Folha - Qual seria a indicação de
que a pressão pode aumentar?
Limongi - Os membros do CNJ
manifestam com muita naturalidade a intenção de punir.
Folha - O CNJ já extrapolou?
Limongi - Houve um abuso muito grande. O CNJ pediu informações aos integrantes da 5ª Câmara
Criminal de São Paulo sobre as razões pelas quais uma presa foi solta. Os cinco integrantes e o presidente do TJ-SP tiveram que dar
informações.
Folha - Se o sr. já fosse o presidente, como teria reagido?
Limongi - Manifestaria meu repúdio a essa interferência.
Folha - A insatisfação com o CNJ é
abafada?
Limongi - O tribunal não se manifestou contra, pelo menos oficialmente. Teria de se manifestar
contra a existência do CNJ com
pessoas estranhas à magistratura.
Folha - Qual a prioridade da convocação do Tribunal Pleno?
Limongi - É questão fundamental e um ponto de honra.
Folha - Haverá resistências?
Limongi - O Órgão Especial provavelmente vai se insurgir.
Folha - Como isso afeta o funcionamento do tribunal?
Limongi - Os novos desembargadores não se conformam com
essa postura omissa do tribunal.
Querem participar dessa administração. Só os mais antigos
compõem o Órgão Especial.
Folha - Quem está fora não entra
e quem está dentro não sai...
Limongi - Não querem sair, não.
Quando eu entrei no órgão, coloquei o cargo à disposição. Apresentei um requerimento e houve
uma reação hostil. Queria que
meu cargo e os dos 12 fossem
preenchidos por eleição.
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