São Paulo, quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

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Durante sessão, índios tocam Zé Ramalho e jogam futebol

Sem televisão, índios recebem de jornalistas informações sobre o julgamento no STF

Valter de Oliveira, do CIR, afirma que índios já estão cansados; líder indígena diz que derrota de rizicultor minou a sua força política


JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, NA RAPOSA/SERRA DO SOL

MARLENE BERGAMO
ENVIADA ESPECIAL À RAPOSA/SERRA DO SOL

Diferentemente do que líderes indígenas e rizicultores prometeram durante a semana, a espera ontem pela decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) na Vila de Surumu, epicentro da disputa pela terra indígena Raposa/Serra do Sol (RR), não teve tensão, invasão de fazenda ou provocações.
No dia em que oito ministros do STF votaram pela demarcação contínua da reserva, o que se viu na comunidade -dividida entre os que queriam a demarcação contínua e os que a queriam em "ilhas"- foi tranqüilidade e pouco interesse pelo que acontecia em Brasília.
Portando celulares, tocadores de MP3 e vestindo camisetas de times de futebol estrangeiros, os índios dormiam em redes, faziam churrascos, arranhavam um cover de Zé Ramalho no violão e jogavam uma pelada em uma quadra coberta.
Mesmo com os oito votos favoráveis à continuidade da atual demarcação, como defendem os índios do CIR (Conselho Indígena de Roraima), ninguém comemorava. Em nenhum lugar da vila o julgamento era televisionado. As notícias chegavam para a maioria dos índios por meio dos jornalistas -um cenário bem diferente da primeira votação, em agosto, quando houve até uma transmissão pública dos votos.
Fora da Vila de Surumu, o desinteresse era ainda maior. Na comunidade do Contão e na de Placas, a cerca de 30 km da vila, alguns nem sabiam que o destino de seu território estava sendo decidido. "A gente não tá ligando para esse negócio de julgamento. Estamos por fora", disse Evaldo Dutra, 25, que ia para Boa Vista num microônibus para comprar roupas.
A tensão anunciada pelo rizicultor Paulo César Quartiero, pelo governador José de Anchieta Júnior (PSDB-RR) e pelo líder do CIR, Dionito de Souza, foi esvaziada pela ausência de integrantes da Sodiur (Sociedade em Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), que, mesmo composta por índios, defende que os produtores rurais continuem na área.
"Depois do que aconteceu [em maio, quando nove indígenas se feriram em um conflito com funcionários de Quartiero], a gente fez um trabalho de conscientização muito forte do nosso pessoal, mostrando que não adianta a violência", disse José Brazão, uma das únicas pessoas ligadas à Sodiur que estava ontem na vila.
Mas ele afirmou que a pouca mobilização contrária à demarcação contínua está também relacionada à derrota de Quartiero em sua tentativa de se reeleger prefeito de Pacaraima (RR) neste ano, pelo DEM: "Ele perdeu um pouco de força política, não podemos negar".
Mesmo a presença de 300 índios numa área próxima a uma das fazendas do rizicultor, anunciada por ele em Brasília no início da semana, foi negada pela Polícia Federal, Funai e pela Força Nacional de Segurança -que, juntos, tinham mais de cem agentes na região.
Da parte do CIR, só um terço das 1.500 pessoas que Souza prometeu chegou até a vila.
Para Valter de Oliveira, coordenador regional do conselho, havia uma "certa descrença" em relação ao término do julgamento ontem. Outros alegaram à reportagem que já estavam "cansados" da disputa.
No início da tarde, cerca de 150 índios juntaram-se na quadra para uma "reza" e uma espécie de dança tradicional, que, segundo afirmaram, duraria até os ministros do Supremo Tribunal Federal chegarem a uma resolução. Eles usavam roupas tradicionais e cocares -que podiam ser comprados na vila por R$ 5 cada um. Para os que dançavam, o "caxiri" (aguardente feita com mandioca) era distribuído de graça.


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