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Durante sessão, índios tocam Zé Ramalho e jogam futebol
Sem televisão, índios recebem de jornalistas informações sobre o julgamento no STF
Valter de Oliveira, do CIR, afirma que índios já estão cansados; líder indígena diz que derrota de rizicultor minou a sua força política
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA,
NA RAPOSA/SERRA DO SOL
MARLENE BERGAMO
ENVIADA ESPECIAL
À RAPOSA/SERRA DO SOL
Diferentemente do que líderes indígenas e rizicultores prometeram durante a semana, a
espera ontem pela decisão do
STF (Supremo Tribunal Federal) na Vila de Surumu, epicentro da disputa pela terra indígena Raposa/Serra do Sol (RR),
não teve tensão, invasão de fazenda ou provocações.
No dia em que oito ministros
do STF votaram pela demarcação contínua da reserva, o que
se viu na comunidade -dividida entre os que queriam a demarcação contínua e os que a
queriam em "ilhas"- foi tranqüilidade e pouco interesse pelo que acontecia em Brasília.
Portando celulares, tocadores de MP3 e vestindo camisetas de times de futebol estrangeiros, os índios dormiam em
redes, faziam churrascos, arranhavam um cover de Zé Ramalho no violão e jogavam uma
pelada em uma quadra coberta.
Mesmo com os oito votos favoráveis à continuidade da
atual demarcação, como defendem os índios do CIR (Conselho Indígena de Roraima), ninguém comemorava. Em nenhum lugar da vila o julgamento era televisionado. As notícias
chegavam para a maioria dos
índios por meio dos jornalistas
-um cenário bem diferente da
primeira votação, em agosto,
quando houve até uma transmissão pública dos votos.
Fora da Vila de Surumu, o desinteresse era ainda maior. Na
comunidade do Contão e na de
Placas, a cerca de 30 km da vila,
alguns nem sabiam que o destino de seu território estava sendo decidido. "A gente não tá ligando para esse negócio de julgamento. Estamos por fora",
disse Evaldo Dutra, 25, que ia
para Boa Vista num microônibus para comprar roupas.
A tensão anunciada pelo rizicultor Paulo César Quartiero,
pelo governador José de Anchieta Júnior (PSDB-RR) e pelo líder do CIR, Dionito de Souza, foi esvaziada pela ausência
de integrantes da Sodiur (Sociedade em Defesa dos Índios
Unidos do Norte de Roraima),
que, mesmo composta por índios, defende que os produtores rurais continuem na área.
"Depois do que aconteceu
[em maio, quando nove indígenas se feriram em um conflito
com funcionários de Quartiero], a gente fez um trabalho de
conscientização muito forte do
nosso pessoal, mostrando que
não adianta a violência", disse
José Brazão, uma das únicas
pessoas ligadas à Sodiur que estava ontem na vila.
Mas ele afirmou que a pouca
mobilização contrária à demarcação contínua está também
relacionada à derrota de Quartiero em sua tentativa de se reeleger prefeito de Pacaraima
(RR) neste ano, pelo DEM: "Ele
perdeu um pouco de força política, não podemos negar".
Mesmo a presença de 300 índios numa área próxima a uma
das fazendas do rizicultor,
anunciada por ele em Brasília
no início da semana, foi negada
pela Polícia Federal, Funai e
pela Força Nacional de Segurança -que, juntos, tinham
mais de cem agentes na região.
Da parte do CIR, só um terço
das 1.500 pessoas que Souza
prometeu chegou até a vila.
Para Valter de Oliveira, coordenador regional do conselho,
havia uma "certa descrença"
em relação ao término do julgamento ontem. Outros alegaram
à reportagem que já estavam
"cansados" da disputa.
No início da tarde, cerca de
150 índios juntaram-se na quadra para uma "reza" e uma espécie de dança tradicional, que,
segundo afirmaram, duraria
até os ministros do Supremo
Tribunal Federal chegarem a
uma resolução. Eles usavam
roupas tradicionais e cocares
-que podiam ser comprados
na vila por R$ 5 cada um. Para
os que dançavam, o "caxiri"
(aguardente feita com mandioca) era distribuído de graça.
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