São Paulo, quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Terra de índio


O noticiário reforçou os temores de que o STF imporia uma "solução intermediária"

SURPREENDENTE -esta é a palavra a ser aplicada a qualquer aspecto decisivo da confirmação, pelo Supremo Tribunal Federal, da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua, e não dividida em espaços separados como reivindicaram os grandes fazendeiros da região e o governo de Roraima.
A suspensão do julgamento há quatro meses, a pedido do ministro Menezes Direito, quando havia apenas o parecer do relator Ayres Britto favorável à área contínua, difundiu temores de que o retardamento viesse a facilitar a reação ao parecer. O noticiário das duas últimas semanas reforçou os temores, com as reiteradas "antecipações" de que o STF imporia uma "solução intermediária", o que seria contrário à reserva contínua, como demarcada em 2005 no decreto de sua efetivação. Já com a retomada do julgamento começaram as surpresas.
O extensíssimo voto de Menezes Direito correspondeu aos quatro meses consumidos para apresentá-lo. Mas não a outra expectativa: foi "favorável em parte" ao parecer do relator. Um voto duas vezes surpreendente: aceitou a área contínua, quando o esperado e o decorrer da sua leitura sugeriam o contrário, mas apoiou "em parte" um relatório que não se ofereceu a divisões. As razões expostas por Ayres Britto fundamentam só a conclusão contrária ao recurso dos fazendeiros e ao governo de Roraima, e pronto. Nenhuma questão adicionada.
O "em parte" foi utilizado para explicar outra surpresa trazida pelo voto de Menezes Direito: 18 condições a serem satisfeitas pelos índios e pelas repartições governamentais envolvidas com os assuntos indígenas e, em particular, com a Raposa/Serra do Sol. Além do reconhecimento da liberdade de ação das Forças Armadas e polícias dentro da reserva. Afora a preocupação com horário de visitas, com pedido de licença governamental para fazê-las, por exemplo, as condições relevantes já encontram resposta na Constituição e em várias leis e regulamentos, ficando pendentes preocupações surpreendentes, em se tratando do Supremo, como, por exemplo, o horário de visitas e a proibição de cobrança de pedágio por índios.
O STF tem sido acusado de apropriar-se do poder de legislar, que seu presidente, Gilmar Mendes, define como decisões decorrentes da "omissão e lentidão do Congresso". As regras dadas como condições, no voto de Menezes Direito, talvez sejam provenientes das novas tendências de que o STF é acusado. Ainda assim, é bem aparente sua relação com a animosidade que extravasou de muitas partes do voto de Menezes Direito. Sugestões de uma contrariedade mal contida, como nesta expressão sem cabimento algum nas circunstâncias: "O índio pode tudo". O "É," inicial não fez falta para a ênfase da crítica aos estudiosos e legisladores (será que jornalistas também?) que defendem a população indígena.
Seguiram-se seis votos, antes de adiado o complemento apenas formal da decisão. Cinco surpresas: com uma ou outra ressalva e a exceção do ministro Joaquim Barbosa, os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowsky, Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie acompanharam as regras, ou o "em parte", do voto de Menezes Direito. Embora a questão posta ao STF não passe da compatibilidade, ou não, entre a Constituição, a demarcação da reserva estabelecida no governo passado e o decreto do atual governo que a efetivou. Sim ou não, antecedidos de por quê.
O ministro Marco Aurélio Mello não faltaria com a sua em um dia de surpresas. Ou as suas. Pretendeu adiar a sessão com um "pedido antecipado de vista" em seguida ao primeiro voto do dia, e ainda distante da sua hora de votar. Não teve êxito. Ao final, a segunda surpresa: já com oito votos favoráveis à demarcação contínua, insistiu no pedido e adiou o que será a complementação sem possível reversão do decidido.
O ministro Ayres Britto celebrou resultado e sessão com uma de suas frases peculiares: "O Brasil vai se olhar na história e não mais corar de vergonha". Se um mal letrado pode imitar um douto ministro do Supremo, sugiro uma regra singela: para a certeza de não corar, é melhor não olhar para trás, nem olhar muito para as mazelas que sobram no presente.


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