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ELIO GASPARI
Quem comprou Bräuer
levou Adolfo
Quem não teve um momento
de simpatia pelo brigadeiro
Walter Werner Bräuer, vendo-o
naquela fotografia com asas
brancas às costas? O comandante da Aeronáutica havia
considerado natural que uma
CPI quebrasse o sigilo bancário
de uma funcionária de impertinente ascendência no Ministério da Defesa e fora defenestrado por FFH. Logo FFH, que não
defenestrara o ministro Clóvis
Carvalho por ter requisitado
um avião da Força Aérea para
levar a família (e a prancha de
surfe) a passear em Fernando
de Noronha no Carnaval do
ano passado.
Pois deve-se à repórter Sandra Brasil a revelação de que,
ao demitir Bräuer, FFH teve um
dos bom momentos de seu governo. Ela entrevistou o brigadeiro e dele obteve as seguintes
declarações:
""Hitler foi um líder. Ele tinha
uma visão ou uma personalidade um pouco distorcida. Eu não
defendo Hitler, mas também
não posso atacá-lo. Se ele conseguiu mobilizar uma nação como a Alemanha, ele devia ter
seu valor, claro. Era um homem
carismático. Mas se superestimou."
Sandra Brasil perguntou-lhe
se acreditava na superioridade
do povo alemão e ele respondeu:
""Não sei o que é. Não sei se é
genético, mas pode até ser. As
características são de pessoas
organizadas, disciplinadas, trabalhadoras e com uma cabeça
muito boa."
Tratando da reabertura das
investigações do atentado terrorista do Riocentro, disse assim:
""Houve um inquérito que teve início, meio e fim. Pronto,
acabou. Se chegou à verdade ou
não, não sei."
O brigadeiro contou também
que entre os seus novos projetos
está o de aprender a usar computador:
""Minha netinha de 6 anos já
sabe e eu não."
Pura poesia.
O que vem a ser "uma personalidade um pouco distorcida"?
É possível que Bräuer acredite
na história do testículo faltante
de Hitler. De qualquer forma,
"personalidade um pouco distorcida" todo mundo pode ter.
Que o brigadeiro não queira defender o chanceler do Reich,
problema dele. Que não queira
"atacá-lo", problema de quem
lhe paga o salário. O Brasil declarou guerra ao governo do "líder". A Força Aérea de cujo comando foi afastado o atacou. A
turma do esquadrão que escrevia "Senta a Pua" nos aviões
não era nenhuma Luftwaffe,
mas arriscou o que tinha: a vida.
"Pode até ser" que os alemães
sejam geneticamente superiores
a sabe-se lá quem. Pode até ser,
também, que o secretário do Tesouro americano Henry Morgenthau estivesse certo quando
disse que "os alemães são um
grande povo, mas nunca se sabe
quando eles viram macacos."
Num e noutro caso, exercitou-se
um preconceito em cima de um
povo. Ainda assim por simples
exercício, admita-se que os alemães são superiores aos Gomes.
Os Bräuer emigraram para o
Brasil, ao que tudo indica, depois do fim da Primeira Guerra
Mundial. Walter Werner nasceu brasileiro, cursou a academia militar, formou-se aviador
e chegou a comandante da Força Aérea.
Agora veja-se o que aconteceria com os Gomes se eles fossem
viver, hoje, na Alemanha. Suponha-se também que, como os
Bräuer, Luís Gomes fosse um
pobre emigrante. Seu filho nasceria em Berlim, e não em Petrópolis. Hoje, e não em 1896.
Não seria alemão, não seria cidadão. Oficial da Força Aérea,
nem pensar. Os filhos de estrangeiros nascidos na Alemanha,
alemães não podem ser. Uma
pena, porque o filho de Luís
chamou-se Eduardo Gomes e
foi um bom aviador.
No que se refere ao "pronto,
acabou", para defender a empulhação do caso Riocentro, o
negócio já é outro. "Pronto,
acabou" é um tipo de de formulação categórica que se pode
usar para idas ao banheiro ou
para enquadrar crianças, mas
não para o rito da Justiça.
Tudo isso são coisas irrelevantes. É direito das pessoas ter as
opiniões que bem entendam e
deve-se reconhecer que o brigadeiro tem a coragem de expor
as suas. Grave mesmo, foi o seu
momento de poesia. O brigadeiro Walter Bräuer tem 62 anos,
chegou a comandante da Força
Aérea e, numa época em que
até as luzes dos aviões são controlados por computadores, informa que não sabe mexer na
engenhoca. Talvez não saiba
trocar a página de entrada na
Internet.
Pena que o brigadeiro Bräuer
só tenha revelado isso agora. Se
o fizesse no exercício do cargo,
teria ressuscitado velhos pilotos,
capazes de lhe dar uma ajuda
em assuntos de tecnologia do
cotidiano (inclusive das crianças de seis anos). Chegariam a
Brasília, com as cabeças furadas pelos tiros que se deram, os
generais Hans Jeschonnek e
Ernst Udet. Nenhum dos dois
era grande coisa. Em 1939, Udet
viu o primeiro caça a jato e disse: "Isso não é um avião". Mesmo assim, estimulou o desenvolvimento do sistema de interceptação eletrônica da Luftwaffe. Jeschonnek incentivou a
construção da base de foguetes
de Penemunde. Junto viria,
também, o doutor Plendl, cujos
transmissores de alta frequência, instalados na costa francesa, orientaram os bombardeios
de Londres.
Do fundo do mar sairia a
grande figura, o tenente e engenheiro Ludwig Becker, um medíocre piloto noturno em vôos
visuais, que teve a idéia de instalar um radar no nariz de seu
Messerschmitt 110, abrindo um
novo capítulo da aviação militar.
Não eram pessoas geneticamente superiores. Eram apenas
aptas para o serviço.
Perigoso não foi ter havido
um chefe da Forca Aérea que
acha Hitler um "líder" que se
superestimou. Perigoso mesmo
foi ter havido um chefe da Força Aérea que não sabia mexer
em computador.
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