São Paulo, Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI
Quem comprou Bräuer levou Adolfo

Quem não teve um momento de simpatia pelo brigadeiro Walter Werner Bräuer, vendo-o naquela fotografia com asas brancas às costas? O comandante da Aeronáutica havia considerado natural que uma CPI quebrasse o sigilo bancário de uma funcionária de impertinente ascendência no Ministério da Defesa e fora defenestrado por FFH. Logo FFH, que não defenestrara o ministro Clóvis Carvalho por ter requisitado um avião da Força Aérea para levar a família (e a prancha de surfe) a passear em Fernando de Noronha no Carnaval do ano passado.
Pois deve-se à repórter Sandra Brasil a revelação de que, ao demitir Bräuer, FFH teve um dos bom momentos de seu governo. Ela entrevistou o brigadeiro e dele obteve as seguintes declarações:
""Hitler foi um líder. Ele tinha uma visão ou uma personalidade um pouco distorcida. Eu não defendo Hitler, mas também não posso atacá-lo. Se ele conseguiu mobilizar uma nação como a Alemanha, ele devia ter seu valor, claro. Era um homem carismático. Mas se superestimou."
Sandra Brasil perguntou-lhe se acreditava na superioridade do povo alemão e ele respondeu:
""Não sei o que é. Não sei se é genético, mas pode até ser. As características são de pessoas organizadas, disciplinadas, trabalhadoras e com uma cabeça muito boa."
Tratando da reabertura das investigações do atentado terrorista do Riocentro, disse assim:
""Houve um inquérito que teve início, meio e fim. Pronto, acabou. Se chegou à verdade ou não, não sei."
O brigadeiro contou também que entre os seus novos projetos está o de aprender a usar computador:
""Minha netinha de 6 anos já sabe e eu não."
Pura poesia.
O que vem a ser "uma personalidade um pouco distorcida"? É possível que Bräuer acredite na história do testículo faltante de Hitler. De qualquer forma, "personalidade um pouco distorcida" todo mundo pode ter. Que o brigadeiro não queira defender o chanceler do Reich, problema dele. Que não queira "atacá-lo", problema de quem lhe paga o salário. O Brasil declarou guerra ao governo do "líder". A Força Aérea de cujo comando foi afastado o atacou. A turma do esquadrão que escrevia "Senta a Pua" nos aviões não era nenhuma Luftwaffe, mas arriscou o que tinha: a vida.
"Pode até ser" que os alemães sejam geneticamente superiores a sabe-se lá quem. Pode até ser, também, que o secretário do Tesouro americano Henry Morgenthau estivesse certo quando disse que "os alemães são um grande povo, mas nunca se sabe quando eles viram macacos." Num e noutro caso, exercitou-se um preconceito em cima de um povo. Ainda assim por simples exercício, admita-se que os alemães são superiores aos Gomes.
Os Bräuer emigraram para o Brasil, ao que tudo indica, depois do fim da Primeira Guerra Mundial. Walter Werner nasceu brasileiro, cursou a academia militar, formou-se aviador e chegou a comandante da Força Aérea.
Agora veja-se o que aconteceria com os Gomes se eles fossem viver, hoje, na Alemanha. Suponha-se também que, como os Bräuer, Luís Gomes fosse um pobre emigrante. Seu filho nasceria em Berlim, e não em Petrópolis. Hoje, e não em 1896. Não seria alemão, não seria cidadão. Oficial da Força Aérea, nem pensar. Os filhos de estrangeiros nascidos na Alemanha, alemães não podem ser. Uma pena, porque o filho de Luís chamou-se Eduardo Gomes e foi um bom aviador.
No que se refere ao "pronto, acabou", para defender a empulhação do caso Riocentro, o negócio já é outro. "Pronto, acabou" é um tipo de de formulação categórica que se pode usar para idas ao banheiro ou para enquadrar crianças, mas não para o rito da Justiça.
Tudo isso são coisas irrelevantes. É direito das pessoas ter as opiniões que bem entendam e deve-se reconhecer que o brigadeiro tem a coragem de expor as suas. Grave mesmo, foi o seu momento de poesia. O brigadeiro Walter Bräuer tem 62 anos, chegou a comandante da Força Aérea e, numa época em que até as luzes dos aviões são controlados por computadores, informa que não sabe mexer na engenhoca. Talvez não saiba trocar a página de entrada na Internet.
Pena que o brigadeiro Bräuer só tenha revelado isso agora. Se o fizesse no exercício do cargo, teria ressuscitado velhos pilotos, capazes de lhe dar uma ajuda em assuntos de tecnologia do cotidiano (inclusive das crianças de seis anos). Chegariam a Brasília, com as cabeças furadas pelos tiros que se deram, os generais Hans Jeschonnek e Ernst Udet. Nenhum dos dois era grande coisa. Em 1939, Udet viu o primeiro caça a jato e disse: "Isso não é um avião". Mesmo assim, estimulou o desenvolvimento do sistema de interceptação eletrônica da Luftwaffe. Jeschonnek incentivou a construção da base de foguetes de Penemunde. Junto viria, também, o doutor Plendl, cujos transmissores de alta frequência, instalados na costa francesa, orientaram os bombardeios de Londres.
Do fundo do mar sairia a grande figura, o tenente e engenheiro Ludwig Becker, um medíocre piloto noturno em vôos visuais, que teve a idéia de instalar um radar no nariz de seu Messerschmitt 110, abrindo um novo capítulo da aviação militar.
Não eram pessoas geneticamente superiores. Eram apenas aptas para o serviço.
Perigoso não foi ter havido um chefe da Forca Aérea que acha Hitler um "líder" que se superestimou. Perigoso mesmo foi ter havido um chefe da Força Aérea que não sabia mexer em computador.




Texto Anterior: Denúncia contra assessora acentuou crise
Próximo Texto: Governo: AGU aprova venda de 20% da Embraer
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.