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ENTREVISTA DA 2ª
D. PEDRO CASALDÁLIGA
Sob proteção federal por causa de ameaças de morte, ele diz que a política indígena em Roraima é perversa
Bispo defende homologação de terra contínua para índios
TIAGO ORNAGHI
DA AGÊNCIA FOLHA
O bispo de São Félix do Araguaia (MT), d. Pedro Casaldáliga,
75, defende que a reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, seja
demarcada e homologada como
área indígena contínua (sem enclaves brancos) e que toda a população não-índia seja removida.
Para o bispo, os índios fizeram
reféns três religiosos por terem sido cooptados por fazendeiros
contrários à decisão do governo
federal. "Eles querem radicalizar
para que os objetivos de demarcar
a reserva se tornem impossíveis."
Casaldáliga, que ficou conhecido internacionalmente por adotar
posições radicais em questões sociais e por criticar o regime militar
(1964-1985) numa das regiões onde a guerrilha atuava (Araguaia),
é ameaçado de morte e recebe
proteção federal.
O bispo, que já desafiou os preceitos do Vaticano e por isso foi
punido, diz que a Igreja Católica
vive um "processo de involução".
"[João Paulo 2º] Poderia deixar
o papado. A permanência possibilita que a Cúria se mantenha
mais centralizadora, mais controladora, mais fechada", disse.
Casaldáliga avalia que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva está fazendo "progressos modestos" na reforma agrária e na questão das terras indígenas, mas que
os avanços são obstaculizados pelo Judiciário. "O Judiciário é lerdo, quando não é omisso, quando
não é corrupto."
Espanhol de Barcelona, o missionário da ordem dos Claretianos chegou à Amazônia há 35
anos. Ele é um dos fundadores da
CPT (Comissão Pastoral da Terra) e do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
A prelazia de São Félix do Araguaia ocupa uma área de 150 mil
km2 na Amazônia Legal brasileira.
Atualmente, o religioso enfrenta problemas de saúde. Sofrendo
do mal de Parkinson, precisa submeter-se a uma dieta rigorosa para controlar a pressão alta.
"Estou esperando um sucessor.
Com 75 anos, não se podem programar grandes façanhas."
A seguir, trechos da entrevista
concedida por d. Pedro Casaldáliga à Agência Folha no dia 27 de
novembro e no sábado passado.
Agência Folha - A situação na Raposa/Serra do Sol mostrou uma radicalização da questão indígena?
D. Pedro Casaldáliga - Em Roraima, a população é majoritariamente indígena. A atuação política no Estado tem sido muito perversa para os índios, muitas vezes
devido aos interesses de garimpeiros e fazendeiros.
Agência Folha - Três religiosos foram feitos reféns pelos índios. Por
que isso aconteceu?
Casaldáliga - Isso aconteceu por
que os fazendeiros da região e alguns índios cooptados por eles
acham que esses religiosos estão
defendendo o direito dos indígenas e a demarcação de uma área
contínua. Eles querem radicalizar
para que os objetivos de demarcar
a reserva se tornem impossíveis.
Agência Folha - Qual seria a solução para o problema em Roraima?
Casaldáliga - A demarcação de
uma reserva contínua que não separasse as aldeias, que, de outra
forma, ficariam isoladas. E a retirada da população branca para
evitar a luta pela terra.
Agência Folha - O sr. está sendo
novamente ameaçado de morte.
Como são essas ameaças?
Casaldáliga - Recebi informações de órgãos oficiais sobre essas
ameaças. Mais recentemente,
ameaças foram pichadas em paredes da nossa comunidade. Recebi nomes de quem estaria interessado na minha morte.
Agência Folha - O sr. está recebendo proteção?
Casaldáliga - Sim. A proteção é
feita sem nenhum tipo de ostentação para não criar um clima hostil. Nem eu mesmo vejo a segurança. É muito discreta.
Agência Folha - Como o sr. avalia
a ação do governo Luiz Inácio Lula
da Silva quanto à reforma agrária?
Casaldáliga - Nós estamos começando a saber onde está a ferida na questão agrária. O novo plano de reforma agrária feito pelo
Plínio de Arruda Sampaio é bastante bom, pelo que ouvi falar [o
economista e ex-deputado federal
petista, a pedido do governo, elaborou um anteprojeto do Plano
Nacional de Reforma Agrária; o
plano, não posto em prática, estabelece a meta de 1 milhão de famílias assentadas entre 2004 e 2007].
Mas precisamos de um levantamento mais preciso e mais justo
de quem são os verdadeiros sem-terra para evitar que haja figuras
infiltradas, como acontece aqui
na região [do Araguaia, nordeste
de Mato Grosso]. Mas a coisa não
vai melhorar tão rapidamente,
porque em última instância acaba
caindo tudo na mão do Judiciário.
E o Judiciário é caracterizado pela
lerdeza. O Judiciário é lerdo,
quando não é omisso, quando
não é corrupto.
Agência Folha - O que o sr. acha
do trabalho do ministro da Justiça,
Márcio Thomaz
Bastos?
Casaldáliga -
Sentimos que o
governo continua sem ter a
coragem de
enfrentar o
problema e fazer a demarcação, a homologação das áreas
indígenas. As
áreas deveriam
ter sido demarcadas todas até
1988. Outro
problema é o
do assassinato
de índios. Lamentei muito a
declaração do
ministro de
que a maioria
das mortes foi causada por conflitos internos. Acompanho de perto a situação. Não é verdade. São
fundamentalmente conflitos de
terra.
Agência Folha - O sr. crê que a
CNBB tenha se tornado mais conservadora?
Casaldáliga - Eu diria que há um
processo de involução da Igreja
Católica. Mas as pastorais específicas têm adquirido mais autonomia e personalidade. Já não é mais
tão necessário que a CNBB oficialmente aja. As pastorais específicas agem in loco, no terreno. A
CPT, o Cimi e as diversas pastorais estão trabalhando em áreas
de fronteira. E essas áreas são conflituosas. Lidar com problemas de
terras não é o mesmo que cuidar
de idosos ou crianças. Por isso,
sempre aparecem Cimi e CPT como radicais, como exigentes, como impacientes.
Agência Folha - Que balanço o sr.
faz da questão agrária desde a década de 70?
Casaldáliga - Continua havendo
medo em relação a mexer com o
latifúndio. Medo de terrorismo,
de mexer com interesses. Como
se o latifúndio fosse intocável.
Ainda há a vontade de alguns de
sacralizar a propriedade particular, como se fosse um direito sagrado e absoluto.
Agência Folha - Qual é sua opinião a respeito do crescimento da
agroindústria?
Casaldáliga - A grande pergunta
a ser feita é: como conjugar a agricultura familiar com a agroindústria? Eu acho que, na devida medida, caberiam os dois programas.
Privilegiar a agricultura
familiar, que é a agricultura que resolve a fome,
o desemprego e a produção do país. Pois o latifúndio e a monocultura sempre acabam sendo muito menos produtivos, além de não empregar e de destruir o
ambiente. No entanto, o
governo coloca na
agroindústria muito
mais dinheiro do que na
agricultura familiar. A
necessidade do país é
pagar os juros da dívida.
A agroindústria paga os
juros dessa dívida, pois a
agroindústria é fundamentalmente de exportação. Esquece-se da
mesa da família e atende-se à mesa do FMI
[Fundo Monetário Internacional].
Agência Folha - Como o sr. vê os
projetos sociais do governo Lula?
Casaldáliga - A FAO [Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação] tem
feito questão de anunciar os dados do Fome Zero. Acho que é um
programa válido. Talvez tenha sido anunciado com uma certa festividade populista. Esqueceu-se
que o problema não pode ser resolvido com a facilidade com que
se apresentou.
Agência Folha - A Igreja Católica
teve um importante papel na formação do PT, a partir da esquerda
católica. Como está esse relacionamento agora?
Casaldáliga - As comunidades
eclesiais de base foram a origem
dos líderes do PT e de outros movimentos sociais, como o próprio
MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]. Todos
os envolvidos fizeram uma opção
pelo povo, pensando em justiça
social. É lógico que essa ideologia
se alinhou e floresceu em certos
partidos e movimentos. Mas é
preciso fazer a diferenciação: PT é
uma coisa, igreja é outra; MST é
uma coisa, CPT é outra. Mas somos todos companheiros de caminhada.
Agência Folha - No ano passado,
morreram mais índios e sem-terra
do que em 2002. Por que justamente no primeiro ano de Lula?
Casaldáliga - Eu tenho a impressão de que, com o governo Lula,
os movimentos sociais sentiram
uma atmosfera de "é agora ou
nunca". Eu, os sem-terra e os deserdados sentimos que ou se faz a
reforma agrária no governo Lula
ou teremos perdido uma ocasião
histórica. Por outro lado, o latifúndio, representado pela bancada ruralista, percebeu que uma
revolução no campo poderia ser
desencadeada e reagiu de uma
forma muito mais agressiva, o
que origina esse conflito armado.
Agência Folha - Com a formação
de um grupo conservador de cardeais eleitores, especula-se que o
próximo papa possa ser mais conservador que João Paulo 2º. O que o
sr. acha disso?
Casaldáliga - Eu digo o seguinte:
por um lado há uma involução
oficial da igreja no que diz respeito às condições e à saúde do papa.
Ele poderia deixar o papado. A
permanência possibilita que a Cúria se mantenha mais centralizadora, mais controladora, mais fechada. Mas, por outro lado, têm
crescido nas bases eclesiais muito
mais consciência e liberdade.
Existem muitas pastorais e grupos que têm liberdade para atuar
nas questões sociais.
Agência Folha - O sr. anunciou,
em 1999, a sua "Declaração de
Amor à Revolução Total de Cuba"...
Casaldáliga - Eu fiz uma declaração de amor à revolução total. Eu
sublinhei o total. Em Cuba, a revolução acabou sendo parcial. O
resultado em Cuba deveria ter sido mais democrático. Cuba teve o
problema do bloqueio econômico. Mas sempre a América Latina
deverá agradecer à coragem de
Cuba frente aos EUA, a contestação do imperialismo. E Cuba, desde a revolução, tem cuidado muito da saúde e da educação de seu
povo. Mas há os desrespeitos, que
são evidentemente negativos.
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