Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENERGIA POLÍTICA
Norte-americano afirma que defesa de tecnologia nuclear feita por Lula e ex-ministro é "forte antecedente"
Governo foi provocativo em discurso, diz especialista
ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Pesquisador do Centro de Estudos para a Não-Proliferação do
Instituto Monterrey, da Califórnia
(EUA), Lawrence Scheinman trabalha há mais de 25 anos com o
tema controle de arma nuclear.
Foi responsável pela área de controle de armas e não-proliferação
na gestão Bill Clinton (1993-2000)
e assistente especial do diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), quando
Hans Blix ocupava a posição.
Em entrevista por telefone,
Scheinman falou à Folha sobre o
direito do Brasil de resguardar
tecnologia, comparações com o
Irã e como declarações do presidente Lula e do ex-ministro Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia) podem ter colaborado com a
desconfiança internacional.
Folha - Como o sr. vê a polêmica
do programa nuclear brasileiro?
Lawrence Scheinman - Não há
problema em o Brasil enriquecer
urânio. É uma tecnologia muito
avançada e são poucos os países
com essa capacidade.
Folha - O Brasil está certo em querer proteger sua tecnologia?
Scheinman - O Brasil sente que
tem uma tecnologia mais avançada e quer proteger partes sensíveis
de seus competidores. É uma posição legítima. Mas a AIEA precisa ter condições de verificar o que
está sendo feito nas fábricas e se a
situação é consistente com o que
o Estado diz estar fazendo.
Folha - O sr. acha que o programa
brasileiro preocupa outros países?
Scheinman - Na última campanha presidencial, o então candidato Lula questionou o fato de o
Brasil fazer parte de um tratado
discriminatório de não-proliferação, mas quando um Estado sem
armas nucleares faz esse tipo de
afirmação, não deixa de ser provocativo. Depois, o ministro
Amaral [então da Ciência e Tecnologia] foi mais além. As frases
estão registradas na mente de
muitas pessoas e levantam questões sobre o que acontece no Brasil e quais as intenções do governo. São um forte antecedente.
Folha - A mudança na política
brasileira contribui?
Scheinman - Eu imagino que haja um medo de que o atual governo, por parecer mais nacionalista,
queira bater o pé na questão, mais
que governos anteriores. Isso pode acontecer em qualquer país,
acontece no meu país agora.
Folha - Além do político, há um
motivador econômico?
Scheinman - Eu não acho que o
fator de mercado seja o motivo de
outros países levantarem dúvidas
sobre o programa brasileiro.
Folha - Como o impasse brasileiro
remete à situação do Irã?
Scheinman - O mundo está
preocupado com o Irã. Muitos
detalhes do programa nuclear deles não foram informados à AIEA
até se revelar um programa muito
robusto. Certamente esse histórico complica a questão com o Brasil. Além disso, o Irã assinou o tratado de não-proliferação, como o
Brasil. O que vem à cabeça é que o
Irã está prestando atenção no que
ocorre entre Brasil e AIEA. Se nas
negociações surgirem muitas restrições, pode ter certeza de que os
iranianos irão dizer "vamos conseguir exatamente o que eles [o
Brasil] conseguiram, talvez mais".
Uma organização internacional
não pode discriminar países e é
muito difícil para ela fazer o julgamento "confiamos em você e não
confiamos no outro ali". Governos podem fazer isso.
Folha - Como o Brasil pode se diferenciar?
Scheinman - Acho que é a grande chance de o Brasil colocar o Irã
numa posição desconfortável. Ao
mostrar que é uma nação transparente, mantendo os direitos da
AIEA e, ao mesmo tempo, resguardando sua tecnologia.
Folha - Por outro lado, os brasileiros reclamam que é injusto serem
comparados ao Irã.
Scheinman - Não acredito que o
Brasil esteja recebendo o mesmo
tratamento. A questão no caso do
Irã era suspensão e término do
programa doméstico de enriquecimento de urânio. Eu não vejo
ninguém pedir ao Brasil que suspenda ou termine seu programa.
Folha - Um protocolo adicional é
necessário?
Scheinman - O protocolo adicional dá a segurança aos países de
confiar quando a AIEA diz que o
programa nuclear deste ou daquele país é seguro.
Folha - O sr. acredita em um acordo entre Brasil e AIEA?
Scheinman - Acredito que, se há
homens de boa vontade na mesa
de discussões, o problema pode
ser resolvido de maneira satisfatória para o Brasil e Viena. Mas eu
sou um otimista. Não sou otimista em relação à Coréia do Norte
ou ao Irã, mas, em relação ao Brasil, sou muito mais otimista.
Texto Anterior: Eleições 2004: Base de Lula disputará prefeituras dividida Próximo Texto: Brasil profundo: Projeto pode tirar até 45% de terra indígena Índice
|