São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2004

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ENERGIA POLÍTICA

Norte-americano afirma que defesa de tecnologia nuclear feita por Lula e ex-ministro é "forte antecedente"

Governo foi provocativo em discurso, diz especialista

ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pesquisador do Centro de Estudos para a Não-Proliferação do Instituto Monterrey, da Califórnia (EUA), Lawrence Scheinman trabalha há mais de 25 anos com o tema controle de arma nuclear. Foi responsável pela área de controle de armas e não-proliferação na gestão Bill Clinton (1993-2000) e assistente especial do diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), quando Hans Blix ocupava a posição.
Em entrevista por telefone, Scheinman falou à Folha sobre o direito do Brasil de resguardar tecnologia, comparações com o Irã e como declarações do presidente Lula e do ex-ministro Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia) podem ter colaborado com a desconfiança internacional.
 

Folha - Como o sr. vê a polêmica do programa nuclear brasileiro?
Lawrence Scheinman -
Não há problema em o Brasil enriquecer urânio. É uma tecnologia muito avançada e são poucos os países com essa capacidade.

Folha - O Brasil está certo em querer proteger sua tecnologia?
Scheinman -
O Brasil sente que tem uma tecnologia mais avançada e quer proteger partes sensíveis de seus competidores. É uma posição legítima. Mas a AIEA precisa ter condições de verificar o que está sendo feito nas fábricas e se a situação é consistente com o que o Estado diz estar fazendo.

Folha - O sr. acha que o programa brasileiro preocupa outros países?
Scheinman -
Na última campanha presidencial, o então candidato Lula questionou o fato de o Brasil fazer parte de um tratado discriminatório de não-proliferação, mas quando um Estado sem armas nucleares faz esse tipo de afirmação, não deixa de ser provocativo. Depois, o ministro Amaral [então da Ciência e Tecnologia] foi mais além. As frases estão registradas na mente de muitas pessoas e levantam questões sobre o que acontece no Brasil e quais as intenções do governo. São um forte antecedente.

Folha - A mudança na política brasileira contribui?
Scheinman -
Eu imagino que haja um medo de que o atual governo, por parecer mais nacionalista, queira bater o pé na questão, mais que governos anteriores. Isso pode acontecer em qualquer país, acontece no meu país agora.

Folha - Além do político, há um motivador econômico?
Scheinman -
Eu não acho que o fator de mercado seja o motivo de outros países levantarem dúvidas sobre o programa brasileiro.

Folha - Como o impasse brasileiro remete à situação do Irã?
Scheinman
- O mundo está preocupado com o Irã. Muitos detalhes do programa nuclear deles não foram informados à AIEA até se revelar um programa muito robusto. Certamente esse histórico complica a questão com o Brasil. Além disso, o Irã assinou o tratado de não-proliferação, como o Brasil. O que vem à cabeça é que o Irã está prestando atenção no que ocorre entre Brasil e AIEA. Se nas negociações surgirem muitas restrições, pode ter certeza de que os iranianos irão dizer "vamos conseguir exatamente o que eles [o Brasil] conseguiram, talvez mais".
Uma organização internacional não pode discriminar países e é muito difícil para ela fazer o julgamento "confiamos em você e não confiamos no outro ali". Governos podem fazer isso.

Folha - Como o Brasil pode se diferenciar?
Scheinman -
Acho que é a grande chance de o Brasil colocar o Irã numa posição desconfortável. Ao mostrar que é uma nação transparente, mantendo os direitos da AIEA e, ao mesmo tempo, resguardando sua tecnologia.

Folha - Por outro lado, os brasileiros reclamam que é injusto serem comparados ao Irã.
Scheinman -
Não acredito que o Brasil esteja recebendo o mesmo tratamento. A questão no caso do Irã era suspensão e término do programa doméstico de enriquecimento de urânio. Eu não vejo ninguém pedir ao Brasil que suspenda ou termine seu programa.

Folha - Um protocolo adicional é necessário?
Scheinman -
O protocolo adicional dá a segurança aos países de confiar quando a AIEA diz que o programa nuclear deste ou daquele país é seguro.

Folha - O sr. acredita em um acordo entre Brasil e AIEA?
Scheinman -
Acredito que, se há homens de boa vontade na mesa de discussões, o problema pode ser resolvido de maneira satisfatória para o Brasil e Viena. Mas eu sou um otimista. Não sou otimista em relação à Coréia do Norte ou ao Irã, mas, em relação ao Brasil, sou muito mais otimista.


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