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BRASIL PROFUNDO
Lindberg Farias (PT) pede criação de "calha" na Raposa/Serra do Sol, em Roraima, e diz temer "nação ianomâmi"
Projeto pode tirar até 45% de terra indígena
DA REPORTAGEM LOCAL
A proposta apresentada pelo
deputado federal Lindberg Farias
(PT-RJ) para reduzir a terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, pode tirar dos índios, em
um cálculo aproximado, até 45%
da área previamente demarcada
por portaria ministerial de 1998.
O local é foco de conflitos entre
índios e fazendeiros e depende da
assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ser homologado. O relatório do parlamentar
servirá de base para a decisão presidencial.
Como relator da comissão externa criada pela Câmara para
"avaliar a situação da demarcação" da área em Roraima, Lindberg sugeriu algo inédito nos processos de demarcação de terras
indígenas: a criação de uma faixa
de 15 km, "uma espécie de calha",
como ele definiu, ao longo das
fronteiras do Brasil com a Venezuela e a Guiana (cerca de 506 km
de extensão).
Além disso, o relatório de Lindberg excluiu a cidade de Uiramutã, estradas e áreas de plantio de
arroz, cortando em várias direções a área onde vivem cerca de 15
mil índios macuxis, taurepangues, uapichanas e ingaricós.
Na futura "faixa de proteção",
sugere o relatório do deputado,
poderiam ser criados pólos urbanos e "produtivos", por não-índios, que conviveriam com as malocas dos índios. A razão para a
calha, segundo o deputado, é "a
segurança nacional".
Em seu relatório, o deputado
não deixou claro o tamanho da
área a ser excluída com a medida.
Ela implicaria a perda estimada
de até 759 mil hectares, num cálculo que considerasse uma fronteira em linha reta. A terra indígena Raposa/Serra do Sol possui
1,67 milhão de hectares.
Ao saber que o deputado estava
encerrando seu relatório, no início do mês, um grupo de oito líderes indígenas procurou Lindberg
em Brasília. A reunião ocorreu
numa sala da Câmara, no último
dia 1º, e foi registrada por um gravador levado por um índio.
A conversa mostra que Lindberg Farias, presidente da UNE
(União Nacional dos Estudantes)
na época do impeachment do
presidente Fernando Collor, em
1992, incorporou ao seu discurso
teses polêmicas suscitadas por
oficiais das Forças Armadas na
década de 80 e repetidas em Roraima por produtores rurais e pelo governo do Estado, contrários à
demarcação.
Lindberg diz temer a possibilidade da criação de uma "nação ianomâmi". Ele levanta esse fantasma para justificar mudanças na
área macuxi. A tese, nunca comprovada, foi levantada na época
da homologação da área ianomâmi, também em Roraima, assinada por Collor em 1992. "[...] Eu sei
que não há interesse dos índios ianomâmis, mas, se existisse interesse dos índios ianomâmis de
batalhar por uma auto-determinação e até soberania daquilo ali
[terras indígenas ianomâmis no
Brasil e na Venezuela]... Têm tudo, o mesmo povo, os dois territórios ali, têm a mesma língua. [...]
Você tem como dizer que ali é um
povo, que habita um território,
que é uma nação", disse Lindberg.
Em certo ponto da conversa, o
deputado pressiona os macuxis
para que aceitem negociar a redução da área indígena. "[Vocês podem] dizer pra mim o seguinte:
"Tem possibilidade de a gente discutir, fazer um acordozinho mínimo?". Senão, nós vamos, eu vou
com a minha proposta original.
Eu tenho preocupação com esse
negócio de faixa de fronteira. Nós
vamos apresentar um relatório,
eu estou antecipando aqui para
vocês, que vai propor a exclusão,
não de 150 km, mas por motivos
determinados, de uma faixa, de
uma franja, uma espécie de calha
aqui. [...] Nós vamos para o debate. Vai entrar em discussão essa
questão da soberania nacional,
vai juntar aqui Câmara e Senado,
tem uma movimentação grande,
vocês sabem, que é das Forças Armadas, de muita gente também
dentro do governo. E, de fato, o
impasse está aumentando na mesa do presidente."
Lindberg insinuou, na conversa, que os parlamentares e o governo de Roraima exercem pressão para que o Planalto não assine
a homologação da área na forma
contínua. "O presidente da República também está numa situação
muito difícil. Tem discussões sobre aspectos econômicos ali da região, tem discussão sobre aspectos federativos, tem discussão sobre essa questão da soberania nacional, tem um levante que, para o
presidente da República, querendo ou não, isso vale. Toda a representação legal do Estado de Roraima, todos os deputados estaduais,
todos os senadores, têm uma posição contrária do [ao] jeito que
está sendo feito ali."
No Senado, outro estudo, relatado pelo parlamentar do PT Delcídio Amaral, também prega a redução da área macuxi, mas não
estabelece a faixa de fronteira. A
perda do território, pela proposta
dos senadores, pode chegar a
10%.
(RUBENS VALENTE)
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