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NO PLANALTO
Sobre futebol, política, Rembrant, ópera e lama
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
O que faltou à seleção brasileira no jogo contra a equipe da argentina foi um zagueiro à
antiga. Do tipo que mira o calcanhar do adversário nas primeiras
entradas. Só para deixar claro
quem manda nos arredores da
grande da área.
Juízes de futebol raramente expulsam jogadores em início de jogo. De modo que a zaga dispõe de
tolerância de uns cinco minutos
para impor, na marra, a sua autoridade. O Brasil pegou leve. E sobreveio o desastre: tomou três gols
só no primeiro tempo.
O presidente Lula cometeu o
mesmo erro. Escalado por 52 milhões de votos, entrou em campo
em 2003 com moral para impor a
sua vontade nos primeiros cem
dias de gestão. Sem desdenhar do
Congresso, poderia ter demarcado
o seu território.
Preferiu compor a distribuir as
caneladas protocolares. Jeffersons,
Janenes, Valdemares e outros azares gostaram do jogo. E o governo
amarga uma goleada constrangedora. Lula perde gradativamente a
reverência dos torcedores. Muitos
já abandonam o estádio.
Na última terça-feira, acossado
pelas vaias que ecoam da arquibancada, o presidente discursou
na conferência de combate à corrupção, promovida pela ONU.
"Tenho uma biografia a preservar,
uma história de décadas em defesa
da ética na política", disse. A frase
chega com dois anos e meio de
atraso.
É difícil, a esta altura, apagar a
impressão de que Lula preferiu
honrar as alianças esdrúxulas
mais do que o próprio currículo.
Identifica-se agora mais com o
pragmatismo do PTB, do PL e do
PP do que com os pruridos do velho PT. Mandou a posteridade às
favas. A pretexto de saciar os apetites dos "300 picaretas", subverteu
até a semântica. Apelidou o cinismo de amadurecimento.
De resto, semeou no inconsciente
de seus eleitores uma incômoda
pergunta: Se o sindicalismo de São
Bernardo e o cangaço parlamentar
seguem a mesma cartilha, de onde
virá, afinal, a salvação? Eis a resposta: ao sacrificar a pseudodiferença heróica, o ex-PT informou
ao país que ninguém se salva. A
superioridade presumida integrou-se à abjeção. Vigora o regime
da culpa compartilhada. A integridade rendeu-se à cumplicidade.
O retrato presidencial que pende
da parede de todas as repartições
públicas não é o Rembrandt que
todos supunham. As pessoas
olham para ele de outra forma.
Sob a cara simpática, debaixo da
barba nevada, esconde-se a mesma desfaçatez de sempre.
Lula ensaia um improvável recomeço. Encomendou ao ministro
Márcio Thomaz Bastos (Justiça)
uma proposta de reforma política.
Tenta fazer, em reação ao noticiário, aquilo que não fez por convicção. De novo, talvez seja tarde. O
melado já escorre a cântaros. Está
pela altura dos joelhos. A corrupção brasileira, que virara rotina na
gestão FHC, converteu-se em
emergência.
O governo deslizou para o vácuo
moral. De agora em diante, tudo
será epílogo para Lula. Fraco e
acuado, o presidente, verá as suas
boas intenções perderem-se nos
desvãos de duas CPIs: a dos Correios e a do "mensalão".
A despeito da súbita notoriedade
que granjearam, Delúbio Soares e
Roberto Jefferson passarão aos livros de história do meio para o pé
da página. Serão detalhes episódicos de uma encrenca maior: a triste degenerescência de Lula e do
grão-petismo. No enredo da decadência, Delúbio e Jefferson são meros coadjuvantes.
Quem a essa altura ainda acredita que o presidente do PTB plantou apadrinhados de reputação
duvidosa nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil sem a
anuência de José Dirceu, o chefão
da Casa Civil a cujo crivo nenhuma nomeação escapa? Quantos
ainda crêem que o tesoureiro do
PT comprou simpatias no Congresso sem o conhecimento de Lula
e Dirceu?
Trancado num apartamento
funcional da Câmara, Jefferson refugiou-se em seus rancores. Sua
boca verte fel. A cúpula do PTB
ainda tenta convencê-lo a moderar o timbre, em nome do abrandamento da crise. O sucesso da
empreitada não interessa ao país.
Diz-se que Jefferson está especialmente irritado com José Dirceu.
Pois deve-se contar ao deputado
que o ministro anda espalhando
em Brasília que, como parlamentar, ele é um ótimo cantor de óperas -amador e desafinado. Vale
tudo para estimular o intérprete de
"Cuore Ingrato" a entoar em público a ária de provas que diz possuir. Do concerto de Jefferson depende o conserto da política nacional.
O governo está na bica de disputar uma partida digna das grandes
finais. Vive-se aquele instante que
antecede os jogos decisivos. O time
se ajeita para a fotografia. Jefferson e Delúbio, braços cruzados,
perfilam-se atrás, em pé. Lula, Dirceu e Cia. acomodam-se na frente,
de cócoras. O apito inicial soará na
próxima quarta-feira, durante o
primeiro depoimento do presidente do PTB à Comissão de Ética da
Câmara. Prepare o seu coração,
caro torcedor. Se Jefferson não semitonar, vêm aí fortes emoções.
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